De início, é de suma importância pontuar sobre o conceito de capacidade processual, que inclusive, muito se difere da legitimidade como muitos confundem. Nas palavras de José Miguel Garcia Medina, a capacidade processual, é um pressuposto de validade do processo, é a aptidão para praticar atos processuais independentemente de assistência e representação, pessoalmente, ou por pessoas apontadas da lei. De outro lado, segundo Marcos Bernardes de Mello, a legitimidade para a causa se refere a titularidade da pretensão ou da obrigação controvertidas em juízo, relaciona-se à res in iudicio deducta, relação deduzida em juízo. Com isso, podem ser classificados em absolutamente incapazes ou relativamente incapazes.
Ainda mais afundo na doutrina, Marcos Vinicius Furtado Coêlho, ainda dispõe que a capacidade de ser parte não é o mesmo que a capacidade processual. Segundo o jurista, a capacidade de ser parte não implica necessariamente na capacidade processual (possibilidade de estar em juízo), o incapaz e o nascituro, por exemplo, têm capacidade de ser parte, mas não são pessoas capazes de estar em juízo. Logo, para obter a tutela jurisdicional não basta somente que a parte invoque o art. 5º, XXXV da Constituição Federal, também é necessário que preencha os requisitos dos art. 70 e seguintes do Código de Processo Civil.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Art. 70. Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo.
(...)
A fim de compreender facilmente a diferença entre a legitimidade e a capacidade processual, imagine o seguinte caso: os pais de uma criança de 7 anos se divorciam. Note que a criança é titular do direito, ou seja, é a legitimada para exigir a pensão alimentícia de seu genitor, contudo, não tem capacidade processual para praticar atos no processo nem mesmo através de um advogado. Portanto, concluímos que por mais que a criança possa ser parte e tenha legitimidade (capacidade de ser parte e legitimidade ad causam), não possui capacidade processual para praticar atos na ação (capacidade processual), e por isso, deverá ser representada em juízo por sua mãe, art. 71 do CPC. Isto não significa que os direitos da parte serão prejudicados, mas que ela não poderá atuar por si na lide.
Art. 71. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei.
Perceba, também, nos parágrafos anteriores, que não falamos aqui de capacidade postulatória, afinal, é óbvio que ela pertence exclusivamente ao procurador da parte (o advogado), já que é ele quem realiza os atos processuais na prática, mas sim da capacidade processual, como dito, que é a aptidão de estar em juízo.
Isto posto, há de ser observado com cuidado a parte final do art. 71 do CPC, quando lemos que a representação deverá ocorrer na “forma da lei”. Por conseguinte, é de suma importância, a atenção ao art. 3 e 4 do Código Civil, junto a Lei nº 13.146/2015, do Estatuto da pessoa com Deficiência, também, em caso de tutela e curatela os art. 759 e seguintes do CPC. Desta maneira, hoje vemos uma grande conquista e proteção do Estado às pessoas com deficiência, uma vez que pela Lei são plenamente capazes, e, portanto, possuem total capacidade processual, é claro, desde que superados os requisitos do art. 4 do CC.
Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
I - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
(...)
Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
(...)
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência).
(...)
Segundo Marcos Vinicius Furtado Coêlho e entendimento do próprio STJ, sobre os absolutamente incapazes, ocorre "uma substituição de vontades, em que o pai ou o tutor, considerados representantes legais, como os mais interessados, agem, decidem pelos seus representados, como se fora da vontade destes". De outro lado, o sujeito relativamente incapaz, já exime sua vontade, e para isso, se utiliza de seu assistente para declarar sua vontade, bastando ao assistente somente confirmá-la, com atenção aos direitos e regularidades dos atos praticados.
Adiante, quando tratamos dos sujeitos processuais também é de suma importância abordar o consentimento do cônjuge no que tange seu consentimento em ações que tratem sobre direito real imobiliário. Isto, com uma breve exceção aos cônjuges casados sob regime da separação absoluta de bens, ora, se não há bens a serem partilhados também não há de se falar sobre litisconsórcio necessário entre os cônjuges. Assim dizendo, a eficácia da sentença proferida em juízo sobre ação imobiliária de um casal, depende da citação de ambos. Por último, em caso de ausência do cônjuge para propositura da ação, pode implicar inclusive como uma das causas de extinção do processo sem resolução de mérito, pelo art. 74, parágrafo único e 485, IV do CPC, nesse caso, em respeito ao contraditório, o juiz primeiro deverá tentar sanar o vício e adiante intimar o autor, por exemplo, para que se justifique e até mesmo o cônjuge para que se manifeste sobre sua ausência, também pelo princípio do contraditório.
Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.
Art. 74. O consentimento previsto no art. 73 pode ser suprido judicialmente quando for negado por um dos cônjuges sem justo motivo, ou quando lhe seja impossível concedê-lo.
Parágrafo único. A falta de consentimento, quando necessário e não suprido pelo juiz, invalida o processo.
Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
(...)
IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;
(...)
Destarte, então, surge por parte da doutrina, dois institutos, a representação e a presentação. Segundo Pontes de Miranda, “onde há órgão não há representação” e “o órgão é parte do ser, como acontece nas entidades jurídicas”. Nesse sentido, "o Presidente da República é órgão; o Governador de Estado-membro e o Prefeito são órgãos. Quando uma entidade social, que se constitui, diz qual a pessoa que por ela figura nos negócios jurídicos e nas atividades com a Justiça, aponta-a como o seu órgão, que pode presentá-la (isto é, estar presente para dar presença à entidade de que é órgão)". Deste jeito, concordo com os termos estabelecidos pelo grande jurista Pontes de Miranda, afinal, é nítido que existe diferença de uma relação jurídica em que o autor é meramente representado, e, outra, completamente diferente que é uma relação orgânica em que o chefe do ente somente personifica e estende a entidade.
Na prática, apesar da divisão doutrinaria já comentada, sempre que estiver fazendo sua própria inicial e houver dúvida sobre quem deve figurar o polo ativo, ou passivo no caso do réu, consulte sempre o art. 75 do CPC, que é um verdadeiro oráculo para auxiliar em seu preâmbulo. Notemos:
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I - a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;
II - o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores;
III - o Município, por seu prefeito ou procurador;III - o Município, por seu prefeito, procurador ou Associação de Representação de Municípios, quando expressamente autorizada; (Redação dada pela Lei nº 14.341, de 2022)
IV - a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar;
V - a massa falida, pelo administrador judicial;
VI - a herança jacente ou vacante, por seu curador;
VII - o espólio, pelo inventariante;
VIII - a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;
IX - a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens;
X - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil;
XI - o condomínio, pelo administrador ou síndico.
§ 1º Quando o inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio seja parte.
§ 2º A sociedade ou associação sem personalidade jurídica não poderá opor a irregularidade de sua constituição quando demandada.
§ 3º O gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação para qualquer processo.
§ 4º Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias.
§ 5º A representação judicial do Município pela Associação de Representação de Municípios somente poderá ocorrer em questões de interesse comum dos Municípios associados e dependerá de autorização do respectivo chefe do Poder Executivo municipal, com indicação específica do direito ou da obrigação a ser objeto das medidas judiciais. (Incluído pela Lei nº 14.341, de 2022)
Ademais, também é válido destacar que a presentação e a representação em nada se confundem com a substituição processual. Nos dois primeiros institutos o presentante e o representante não são partes no processo, somente estão figurando no polo passivo ou ativo, pois são as pessoas autorizadas a agir em juízo em nome da pessoa jurídica, entidade ou incapaz. Enquanto isso, na substituição processual, art. 18 do CPC, alguém irá defender direito alheio, mas em nome próprio, como por exemplo nas ações propostas por sindicatos em nome de seus associados.
Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.
De outro lado, pensando em que você figure como procurador do réu, lembre-se que o momento correto para atacar a incapacidade processual é em preliminar de contestação, conforme o inciso IX do art. 337 do CPC. Aliás, bem na verdade, como tratamos de uma matéria relacionada as condições da ação, falamos de uma matéria de ordem pública, e por isso pode ser analisada a qualquer tempo, e, inclusive apreciada até mesmo de ofício pelo magistrado independente de pedido expresso das partes, mas não se esqueça que nas instâncias superiores, para que a incapacidade processual se torne uma matéria de discussão em um eventual recurso, depende do prequestionamento.
Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:
(...)
IX - incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;
Por fim, o CPC de 2015 é muito claro e coerente em seu art. 76 à medida que a incapacidade processual, matéria de ordem pública, quando alegada em preliminar de contestação, é uma preliminar dilatória (que retarda o processo até que o vício seja sanado) com potencial para se tornar uma preliminar peremptória (que extingue o processo). Portanto, assim que verificada a incapacidade processual ou irregularidade de representação o Juiz deverá conceder prazo para a parte corrigir o vício, caso não aconteça, para o polo ativo haverá a extinção do processo, e para o polo passivo, revelia. Ainda assim, agora, se nem as partes ou o juízo se atentarem para o vício de incapacidade ou irregularidade processual e a sentença transitar em julgado, admite-se, por manifesta violação à norma jurídica (inc. V do art. 966, CPC/15), a propositura de Ação Rescisória para a desconstituição da decisão definitiva.
Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
§ 1º Descumprida a determinação, caso o processo esteja na instância originária:
I - o processo será extinto, se a providência couber ao autor;
II - o réu será considerado revel, se a providência lhe couber;
III - o terceiro será considerado revel ou excluído do processo, dependendo do polo em que se encontre.
§ 2º Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o relator:
I - não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente;
II - determinará o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido.
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(...)
V - violar manifestamente norma jurídica;
Referências:
COÊLHO, Marcos Vinicius Furtado, Art. 75 do CPC - Das partes representadas em juízo, Migalhas, Disponível em: (https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-marcado/333404/art--75-do-cpc---das-partes-representadas-em-juizo) Acesso em: 07 de outubro de 2024.
COÊLHO, Marcos Vinicius Furtado, Art. 76 – Consequências jurídicas da incapacidade processual e da irregularidade da representação, Migalhas, Disponível em: (https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-marcado/336463/art--76---consequencias-juridicas-da-incapacidade-processual-e-da-irregularidade-da-representacao) Acesso em: 07 de outubro de 2024.
COÊLHO, Marcos Vinicius Furtado, Art. 70 e 71 Da Capacidade Processual, Migalhas, Disponível em: (https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-marcado/330592/arts--70-e-71--da-capacidade-processual) Acesso em: 07 de outubro de 2024.
MEDINA, José Miguel Garcia, Novo Código de Processo Civil Comentado com Remissões e notas comparativas ao CPC/73, 4ª Edição Revista, Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2015. p. 158 a 165.
MELLO, Marcos Bernardes de, Achegas para uma teoria das capacidades em direito. Revista de direito privado, vol. 3, página 9, julho, 2000.
MIRANDA, Pontes de, Comentários ao CPC, Cit. I, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2002. p. 288.