Leonardo Henrique de Carvalho Ventura.
Advogado. Especialista em Direito Ambiental e em Gestão Ambiental Municipal. Especialista em Compliance Anticorrupção. Chefe de Contas e Cobranças de Serviço de Agua e Esgoto de Pirassununga.
Resumo: O presente artigo tem como objeto o apanhado de normas e instrumentos ambientais brasileiros, com destaque para o Estatuto das Cidades, Plano Diretor e Politica Nacional de Resíduos Sólidos. Os mandamentos bem como seus instrumentos serão detalhados e conectados as principais demandas ambientais dos municípios, como forma de identificar possibilidades de melhora na gestão socioambiental municipal.
Palavras Chave: Função SocioAmbiental da propriedade. Gestão. Licenciamento Ambiental. Resíduos Sólidos.
Sumario: 1. Recursos Ambientais Municipais. 2. Licenciamento Ambiental. 3 Gestão Hídrica e Resíduos Sólidos.
Recursos Ambientais Municipais
De acordo com a Declaração Universal dos Direitos da Água, a água faz parte do patrimônio do planeta, essencial a vida de todo ser, direito fundamental do ser humano. A mesma declaração cita que os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados e o futuro do nosso planeta depende da preservação da água e de seus ciclos.
Destaque da Declaração, a água não é uma doação gratuita da natureza, ela tem um valor econômico e precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo (art 6º).
O principal desafio dos governantes e da administração pública nos países do mundo contemporâneo portanto é promover o desenvolvimento econômico, social e sustentável. Nesse contexto os objetivos devem se basear no tripé equidade social, conservação ambiental e eficiência econômica. Segundo o WWF-Brasil:
"Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, garantindo a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro."(1)
No século passado havia a idéia de que a pobreza era a grande geradora de poluição, com a logica de que a principal poluição a ser produzida seria a relacionada a produção de resíduos solidos, falta de saneamento básico essencial, despejo de esgoto sem tratamento, entre outras questões intimamente ligadas ao 3º Mundo. Nesse contexto, a distribuição de riquezas através de um desenvolvimento sustentável, seria a solução dessa questão.
Não deixava de ser uma mea verdade, porem percebeu-se que a grande poluição é na verdade produzida pelos países mais desenvolvidos, relacionadas diretamente a poluição do ar e das águas e ao uso indiscriminado de recursos naturais, em larga escala, de forma que as medidas sustentáveis passaram a abranger todos os povos, buscando a recuperação ambiental, ainda que em detrimento do crescimento econômico.
Segundo Carvalho, (2013):
[...] A ideia de sustentabilidade hoje, no Brasil, é sustentar a indústria, com tudo que há de mais moderno em termos sociais, ambientais e econômicos. Houve mudança nas formas produtivas e incorporação de procedimentos ambientais até então tratados como externalidades. As indústrias tornaram-se responsáveis pelo seu lixo, pela água que joga fora e, ainda deveriam ser responsáveis pelo produto que vendem e pelo que acontece com ele depois. Recentemente houve um grande avanço: a Lei Nacional dos Resíduos Sólidos, em que teoricamente a indústria é responsável pelos resíduos.(2)
O art. 4o da Lei 12.305/2010 prevê que:
“a Política Nacional de Resíduos Sólidos reúne o conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações adotados pelo Governo Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.”
A norma vem de encontro a necessidade de gestão inteligente dos resíduos para minimizar seus impactos na natureza, unindo as forças dos entes federativos para que as normas gerais possam ser adequadas a cada realidade local.
Mesmo ciente de que nem em um mundo perfeito é possível a não geração de resíduos, a lei estabelece como prioridades das normas e das ações, nessa ordem: a não geração; a redução; a reutilização; a reciclagem; o tratamento dos resíduos sólidos; e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Dentre os princípios estabelecidos destaques para os da prevenção e precaução; do poluidor-pagador e protetor-recebedor; do desenvolvimento sustentável; e do reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania (Art. 6º e incisos).
Ja consagrados na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais, os princípios da prevenção e da precaução impõem às atividades potencialmente poluidoras a adoção da mais avançada tecnologia e dos melhores esforços e procedimentos para evitar a ocorrência de danos ambientais. Os princípios se diferenciam apenas pelo fato de que o princípio da prevenção visa a evitar o risco conhecido, e o princípio da precaução visa a evitar o risco potencial.
Por outro lado, o princípio do Protetor Recebedor é recente na legislação e propõe remunerar todo aquele que deixou de explorar os seus recursos naturais em benefício do meio ambiente e da coletividade, ou que tenha promovido algo com o propósito socioambiental. Como contraponto, o princípio do poluidor-pagador que consiste na obrigação do poluidor em arcar com os custos da reparação do dano causado ao meio ambiente por ele.
ECO 92. Principio 16. "As autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais”.
Nessa linha, a 12.305/2010 prevê para as atividades potencialmente geradoras de resíduos, capazes de impactar o meio ambiente, que as licenças e autorizações só poderão ser concedidas se for comprovada a capacidade técnica e econômica do solicitante. Ainda, o órgão licenciador do Sisnama poderá exigir a contratação de um seguro de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente ou a saúde publica , nos casos de atividades com resíduos perigosos.
O legislador não obrigou nem estabeleceu prazo para a elaboração de um Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos pelos Municípios, porem condicionou o repasse de recursos da União relacionados à limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos a elaboração do mesmo, ou seja, caso o município não se adéque, não poderá acessar os recursos federais previstos para tal finalidade.
Nessa linha de valorizar e beneficiar quem melhor cuida dos recursos naturais, a Politica prevê como objetivos: o incentivo à indústria da reciclagem, com foco no fomento do uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados; e o incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético.
Uma das novidades portanto, destaque da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) foi o instituto da "logística reversa", definido como o “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.”
O instrumento da logística reversa representa um grande avanço na questão ambiental pois viabiliza a utilização de materiais recicláveis e a reintrodução de materiais no mercado, diminuindo a produção de lixo e reduzindo o desperdício de insumos, aumentando a eficiencia produtiva das empresas. Esse processo envolve uma responsabilidade compartilhada de todos os atores da cadeia produtiva inclusive dos consumidores.
Entre as vantagens e benefícios do instrumento, estão a redução de resíduos destinados a aterros sanitários; a economia de recursos pelo reuso dos materiais recicláveis; e a melhora da reputação da empresa pela responsabilidade social. Destaque-se que em tempos de ESG, de Certificação e ISO Ambiental, essas medidas podem trazer diversos benefícios para as empresas.
Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira do Alumínio e da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas), no ano de 2020, o Brasil reciclou 31,16 bilhões de latas de alumínio que entraram no mercado, o que representa 97,4% das latinhas.3
Como forma de estimular atitudes de redução e recuperação, a norma prevê que o “poder público poderá instituir medidas indutoras e linhas de financiamento para atender, prioritariamente, às iniciativas de estruturação de sistemas de coleta seletiva e de logística reversa”. Nesse ínterim, poderão ser concedidos incentivos fiscais ou financeiros para as empresas que prestem esse tipo de atividade.
Portanto, para que sejam alcançadas todas as metas ambientais idealizadas, a Administração Publica tem que contar com instrumentos de politica social e ambiental que sejam eficientes, buscando a participação social na maioria dos casos. No Brasil algumas normas se destacam num importante avanço na área, como Plano Diretor Municipal, Estatuto das Cidades, Lei de Resíduos Sólidos, entre outras normas.
No Brasil, desde o Código Florestal de 1965, os interesses ambientais coletivos foram alçados a condição de prevalência sobre o direito de propriedade, essencialmente individual, contrariando interesses dos grandes proprietários de terra. A partir da Lei nº 6.938/81 o país passou a ter formalmente uma Política Nacional do Meio Ambiente, uma espécie de marco legal para todas as políticas públicas de meio ambiente, substituindo as ate então esparsas e confusas normas locais. Em 1988 por fim a Constituição Federal dedicou um artigo expressa e exclusivamente para tratar dos interesses ambientais.
CF. Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as futuras gerações.
A norma veio ao encontro do avanço da urbanização, iniciada com Revolução Industrial e que criou um ambiente sem precedentes nas cidades. A partir desse momento as configurações territoriais deixaram de ser traçadas apenas pelos complexos naturais e passaram a se ajustar as realizações dos homens: por estradas, plantações, casas, prédios, portos, fábricas, cidades, dentre outros.
Diante da então nova realidade fática, a postura constitucional buscou refletir os novos anseios da sociedade, iniciando um processo de sensibilização ambiental em face dos problemas que se mostravam cada vez mais reais e relevantes, resultado do crescimento desordenado das cidades.
Ponto importante esclarecido pelo Marco do Saneamento de 2007 foi a legitimação dos Municípios para a regulamentação local, já que o Município é a instância mais adequada para resolver os problemas ambientais, visto que todo impacto ambiental é, antes de tudo, local. Prevalece a máxima do “pensar globalmente, agir localmente”.
Portanto, com a implantação da Política Nacional de Meio Ambiente, os Municípios passaram a desempenhar um importante papel na defesa do meio ambiente, com legitimidade para legislar sobre assuntos de interesse local, tomando para si decisões em defesa do patrimônio natural e cultural. Nesse ínterim, o mesmo passou a integrar o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), estruturando os Conselhos Municipais de forma descentralizada, para que fossem estabelecidos padrões de qualidade ambiental, avaliação de impactos ambientais, licenciamento e revisão, disciplinando a ocupação do território e o uso de recursos naturais.
Segundo a Política Nacional de Meio Ambiente, "[...] os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as Fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA". De acordo com a mesma norma, o CONAMA é o órgão regulamentador que estabelece padrões de qualidade ambiental com validade para todo o território nacional e o IBAMA é o orgão executivo responsável pela execução da Política Nacional do Meio Ambiente que exerce o controle e a fiscalização sobre o uso dos recursos naturais, além de ser o responsável por conceder licenças ambientais para empreendimentos de sua competência.
Em âmbito estadual deve ser criado ou determinado um órgão responsável para tais competências, no caso de São Paulo a Cetesb, que é a agência ambiental responsável pelo "desenvolvimento de ações de controle, licenciamento, fiscalização e monitoramento das atividades potencialmente poluidoras. Essas ações estão voltadas para a promoção, proteção e a recuperação da qualidade do ar, das águas e do solo."
Nos municípios a Lei Federal Complementar n° 140/2011, determinou que os mesmos deveriam se adequar, estabelecendo procedimentos para o processo de licenciamento ambiental junto a Administração Publica Municipal, sempre que o impacto for local, dentro dos limites do município.
A Lei Federal Complementar n° 140/2011 define como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dentre outros objetivos:
I - proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente;
II - garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais;
III - harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente;
IV - garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais.
Nesse ínterim a norma determina como responsabilidades dos Estados, a elaboração de zoneamento ambiental em âmbito estadual, a definição de espaços especialmente protegidos, a promoção o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental em âmbito estadual; bem como aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas entre outras formações.
Na mesma linha de responsabilidades, concede aos Municípios os mesmos poderes do Estado para os fatos de abrangência local, nos limites do município. São ações administrativas dos Municípios portanto:
Art 9º. (...)
IX - elaborar o Plano Diretor, observando os zoneamentos ambientais;
X - definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;
XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou
b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
Apesar da legitimidade de ambos os entes federativos, os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, e os demais entes interessados podem se manifestar ao órgão responsável sem efeito vinculante. No mesmo sentido, cabe ao órgão responsável pelo licenciamento lavrar o auto de infração ambiental e o respectivo processo administrativo, porem qualquer pessoa pode apresentar representação ao órgão comunicando uma infração, que deverá ser efetivamente apurada pelo Poder Publico em seu Poder de Policia. Em havendo risco iminente de degradação, o ente federativo que tomar conhecimento poderá tomar as medidas urgentes e necessárias e posteriormente comunicar o órgão competente.
Seguindo a linha de ação dos mandamentos normativos então previstos para a proteção do meio ambiente, alguns instrumentos se destacam, como a AIA (Avaliação de Impacto Ambiental), procedimento de política ambiental que tem como objetivo avaliar as consequências ambientais da escolha do empreendedor entre as várias opções que se podem apresentar aos responsáveis pela tomada de decisão. Esse estudo normalmente antecede a expedição da Licença Ambiental.
O estudo de impacto ambiental deve abordar ao menos: a descrição do projeto, as etapas de planejamento, construção, operação e, quando for o caso, desativação; a delimitação e o diagnóstico ambiental da área de influência; a identificação, a medição e a valoração dos impactos; a comparação das alternativas e a previsão de situação ambiental futura, nos casos de adoção de cada uma da alternativas, inclusive no caso de não se executar o projeto; a identificação das medidas mitigadoras e do programa de monitoragem dos impactos; a preparação do relatório de impacto ambiental – Rima (MOREIRA, 1990)4.
O Licenciamento Ambiental, consequentemente, é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso (Resolução Conama nº 237/97).
Para legitimar e regulamentar esses e outros instrumentos e atividades de repercussão socioembiental, foi promulgado em 2001 o Estatuto da Cidade com o objetivo de regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que tratam da política de desenvolvimento urbano e da função social da propriedade.
A norma 10.257/2001 teve como inspiração o período denominado de Renovação Urbana, visualizado na Europa pós Segunda Guerra Mundial, que tinha o objetivo de recuperar os centros antigos então bombardeados e deteriorados, com a recuperação da infraestrutura e melhoria da qualidade de vida. Esse ideal de recuperação/crescimento coordenado e sustentável serviu de inspiração para o Constituinte diante dos avanços que se vislumbrava na área socioambiental, culminando com a incorporação dos artigos 182 e 183 na Constituição Federal Brasileira, e iniciando um período legislativo muito fértil na área.
CF. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: (...)
Nessa linha, portanto, o Estatuto da Cidade buscou prioritariamente democratizar a gestão, principalmente ambiental das cidades através, principalmente, do Plano Diretor, que passou a ser obrigatório para todas as cidades com mais de vinte mil habitantes. Além do conceito da função socioambiental do imóvel, a busca por uma ordem urbana justa e inclusiva, foi outra dimensão da norma, com a definição de processos de gestão democrática e a proposição de instrumentos juridico sociais.
O Plano Diretor, no texto constitucional, é definido como sendo: “o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (art. 182,§1º). Esse documento legal deve recomendar como os lotes da cidade devem ser usados, dividindo-os por classificações de segmentos como residenciais, comerciais, industriais, entre outras, de acordo com os interesses locais. A definição feita pelo Plano deve ter a participação popular e prever de forma inteligente o crescimento, ordenado, da cidade para que seja sustentável durante o período de 16 anos.
O Plano Diretor, portanto, deve conter a organização dos espaços para o desenvolvimento econômico; a recuperação de zonas; criação e organização de “subcentros estruturadores” nas regiões da periferia; otimização de espaços para redução do consumo de energia, preservação de áreas verdes e redução da poluição sonora e atmosférica; planos de coleta e tratamento de resíduos urbanos, dentre outros. A lei também deverá abordar e servir de base para a atualização de outra normas municipais essenciais como a Lei de Zoneamento, a Lei de Uso e Ocupação do Solo e o Código de Edificações.
Um dos instrumentos criados ou destacados pela norma para a solução socioambiental urbana, é a Operação Urbana Consorciada, que segundo Karlin Olbertz:
“[...]a operação urbana consorciada é um empreendimento urbano, capitaneado pelo poder público municipal e desenvolvido em parceria com a sociedade civil, financiado no todo ou em parte pelas contrapartidas decorrentes da execução de um plano urbanístico flexível, e traduzido num procedimento urbanístico orientado cumulativamente à transformação urbanística estrutural, à valorização ambiental e à promoção de melhorias sociais numa determinada área do espaço habitável[...]"5
Trata-se de um conjunto de intervenções e medidas oriundas da Prefeitura Municipal com a participação de moradores, proprietários, usuários permanentes e investidores privados, mediante lei específica para transformar uma determinada área para que receba melhorias sociais, ambientais e urbanísticas. A SP Urbanismo recentemente detalhou uma das fases do processo:
"Durante meses, a SP Urbanismo realizou diálogo com a sociedade Civil apresentando as propostas do plano Urbanístico elaborado. Foram vários encontros entre as subprefeituras envolvidas no seu perímetro, empresários, associações e entidades organizadas, o CADES da subprefeitura da Mooca e também com a Câmara Municipal."(6)
O site Gestão Urbana SP detalhou o Projeto de Intervenção Urbana nos Bairros do Tamanduateí:
"Partindo do conceito de Cidade Compacta, o Projeto de Intervenção Urbana Bairros do Tamanduateí pretende equilibrar oferta de empregos e de moradias, propondo o adensamento populacional e construtivo da região e promovendo maior diversidade dos serviços e comércio, redução do tempo de deslocamento e maior integração social da população.
Integram o Programa de Intervenções do Projeto de Intervenção Urbana Bairros do Tamanduateí a requalificação das orlas fluviais, o atendimento habitacional de famílias de faixas de renda de até 10 salários mínimos, a melhoria das conexões interbairros, a qualificação do habitat com a ampliação de áreas vegetadas e da arborização urbana, a adoção de medidas de controle de alagamentos e de preservação dos territórios produtivos."(7)
Outro instrumento importante, que deve ser previsto no Plano Diretor e regulamentado por lei especifica, é o Direito de Preempção que basicamente é a preferencia de aquisição pelo poder publico municipal de um imóvel, que seja objeto de alienação onerosa entre particulares, para preservação ambiental, bem como para áreas verdes e de lazer, preservação de unidades ambientais, conservação de patrimônio histórico e cultural.
Os instrumentos e procedimentos previstos no Estatuto e no Plano Diretor advem da Constituição Federal e devem sempre buscar o cumprimento da função social das propriedades em consonância com a inclusão social e o bem estar da população, servindo de bae para a formulação de todas as politicas publicas locais.
Outro exemplo dessa busca pelo crescimento ordenado e sustentável é a Lei de Zoneamento, que dispõe sobre os parâmetros para a ocupação e uso do solo, de forma a ordenar o desenvolvimento do espaço urbano. O desenvolvimento do plano de ocupação deve buscar a qualidade de vida da população em espaços funcionais e planejados integrados as politicas publicas. A norma deve principalmente orientar o crescimento da cidade visando minimizar os impactos ambientais, integrando o sistema viário e as zonas industriais e potencialmente poluidoras ao meio ambiente como forma de amenizar os impactos.
Delimitadas as zonas pelo Poder Publico, é possível estabelecer critérios para atividades e usos classificando-os como Permitidos, que são os adequados para o local; Permissíveis, que são os admitidos desde que regulamentados pelo Poder Publico; Tolerados, consolidados na legislação anterior; e Proibidos, que são os inadequados incompatíveis com a zona.
Dentre as classificações previstas, destaque para as de maior relevância ambiental como as Zonas de Expansão Urbana, que são áreas que prestam-se a destinação futura como expansão da ocupação urbana da cidade e, somente poderá ser parcelada e ocupada, após a Zona Residencial atingir 80% do total de ocupação definida na lei. Também, as Zonas de Preservação Permanente onde se encontram as APPs e as Áreas Verdes Publicas, essas destinadas às atividades recreativas e de lazer destinadas ao uso da população, com o objetivo de incentivar o desenvolvimento de áreas de lazer ambiental. Por fim, com destaque no âmbito social, a Zona Especial de Interesse Social que visam à promoção da regularização fundiária e suporte a população de baixa renda.
"As Zonas Especiais de Interesse Social são porções do território destinadas, predominantemente, à moradia digna para a população da baixa renda por intermédio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental e regularização fundiária de assentamentos precários e irregulares, bem como à provisão de novas Habitações de Interesse Social – HIS e Habitações de Mercado Popular – HMP a serem dotadas de equipamentos sociais, infraestruturas, áreas verdes e comércios e serviços locais, situadas na zona urbana."(8)
Novamente usando o Gestão Urbana SP para ilustrar o instituto, buscamos a explanação da Secretaria Municipal de Urbanismo de São Paulo sobre os objetivos da nova Lei de Zoneamento da cidade:
"A nova lei identifica a cidade como um território articulado e que funciona de forma integrada, enfrentando as desigualdades e particularidades locais sem deixar de lado o que é necessário para o desenvolvimento estratégico da metrópole. Para isso, as zonas foram organizadas em 3 diferentes agrupamentos: territórios de transformação, qualificação e preservação."
Por fim, na mesma linha de interesse e abrangência da Lei de Zoneamento, o Código de Postura que determina regras de conduta a serem cumpridas pelos munícipes, com as condições mínimas necessárias a uma conveniente vida social.
O complexo normativo portanto passou a se preocupar com medidas, normas e instrumentos de atuação preventiva que permitam a execução de uma política de gerenciamento ambiental, voltada a conciliar o uso dos recursos naturais com um crescimento sustentável e harmônico.
As medidas devem ser adaptadas a cada realidade de forma que nas economias mais industrializadas, devem ser controlados os problemas relacionados mais diretamente a poluição, controle da degradação e restauração de padrões de qualidade da água, do ar e do solo. Ja nas economias em desenvolvimento, os problemas ambientais estão mais relacionados ao saneamento básico e a degradação dos recursos naturais, e suas políticas devem estar voltadas para a gestão racional desses recursos.
No caso do Brasil, infelizmente ha uma visão de que degradação ou devastação é sinal de progresso, de evolução, o que dificulta a implantação de politicas de desenvolvimento sustentável e de recuperação de áreas verdes. Para mudar esse cenario, os instrumentos legais são de suma importância para doutrinar e mudar esse cenário.
Resolução 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA):
Art. 1o Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.
Art. 2o Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA157 em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: (...)
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
O CONAMA é o órgão que define normas a nível nacional, assistindo o Governo na definição da Política Nacional do Meio Ambiente. Ja o IBAMA é o órgão Federal executivo, devendo cada ente instituir seus órgãos a nível estadual e municipal de acordo com as diretrizes estabelecidas pela legislação federal.
Como regra geral, está estabelecida a atribuição do órgão estadual competente para o prévio licenciamento da construção, instalação, ampliação e funcionamento de atividades utilizadoras de recursos naturais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras e/ou capazes de causar degradação ambiental em sua área, assim como ficam legitimados os municipios, desde que cumpram as exigências previstas em Lei Complementar.
A participação popular no processo de Licenciamento ocorre por meio da realização de audiências públicas, especialmente nos casos de licenciamento em que se exige o EIA/RIMA, que o CONAMA determina a realização de Audiência Publica quando solicitado. Nesses casos os procedimentos são exigidos em fase de Licença Previa, quando são avaliados critérios como localização e viabilidade ambiental do empreendimento. Ja nos casos de inexigência de EIA/RIMA, não ha obrigação de participação da sociedade no processo, mantendo-se no entanto a obrigatoriedade de publicação em jornal.
Detalhe importante do EIA/RIMA é que deverá sempre prever proposta ou projeto de compensação ambiental nos processos de licenciamento de atividades ou empreendimentos que provoquem perda de biodiversidade ou de recursos naturais. A Lei 9.985/2000 determina que "nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental (...), o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral". Alem disso o CONAMA editou a Resolução n° 371/2006 que “estabelece diretrizes aos órgãos ambientais para o cálculo, cobrança, aplicação, aprovação e controle de gastos de recursos advindos de compensação ambiental”.
A compensação a principio não se confunde com a autorização de supressão de vegetação em área de preservação permanente, regulamentada pelo Código Florestal, que somente poderá ser autorizada em caso de utilidade publica ou de relevante interesse social, devidamente motivada em processo próprio e quando inexistir alternativa.
Adentrando especificamente no instituto do Licenciamento Ambiental, o mesmo é formado por quatro licenças, que são a Licença Prévia, a Licença de Instalação, a Licença de Operação e Renovação de Licença.
A Licença Prévia inicialmente avalia o impacto ambiental da atividade, a compatibilidade com a classificação do local, as condições de água e de esgoto a serem produzidos e despejados, entre outras questões preliminares. Nesse momento é analisada a necessidade da elaboração do EIA, que deverá ser cobrado sempre que houver significativo impacto ambiental. Nesses casos é possível a participação da sociedade e é sempre exigida a publicação em jornal de circulação local.
Sempre que as atividades demandarem a tomada de água, em alguma das situações previstas, será necessária a apresentação da outorga do uso de recurso hídrico, assim como a licença especifica para empreendimento que implique na remoção de cobertura vegetal.
Cumprida a primeira fase, passa-se a etapa da Licença de Instalação, que autoriza a construção do empreendimento, sendo mister nessa fase a apresentação dos projetos executivos definidos na Licença Previa.
A execução do projeto fica vinculada a implantação das estruturas ambientais necessárias, sendo passível de vistorias futuras para verificação. Nesse momento é possível a requisição da Licença de Operação. Nessa etapa os técnicos dos órgãos ambientais farão vistorias para atestar a correta instalação e implantação do projeto aprovado.
A Licença Ambiental, diferentemente da licença administrativa, é ato administrativo discricionário e precário podendo, assim, ser revogada pela Administração Pública a qualquer momento ante o não cumprimento, por parte do administrado, das condições impostas pelo administrador.
A primeira hipótese de suspensão ou revogação é por violação ou inadequação das condicionantes assumidas ou das normas especificas. Tambem será hipótese nos casos de omissão ou falsa descrição dos elementos relacionados a implantação e a atividade. Por fim, ha a possibilidade de suspensão ou revogação quando houver alteração do contexto ambiental que comprovadamente impeça a a continuidade sem gerar danos ao meio ambiente.
Importante destacar que o prejudicado pela decisão de suspensão ou revogação poderá questionar o ato, cabendo a Administração Publica motivar as decisões para que seja possivel o contraditório.
GESTÃO HÍDRICA E DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Diante das constantes catástrofes ambientais que tem atormentado o mundo, as normas tem se preocupado em organizar e estruturar as cidades para que o impacto seja, ao menos, minimizado.
"Eventos extremos como os grandes desastres de New Orleans (USA) em 2005 e no Rio de Janeiro em 2011 mostraram que dificilmente o emprego do termo “combater cheias” ou “acabar com as inundações” poderá continuar sendo empregado, devendo ser substituídos pelo conceito de redução dos riscos para padrões aceitáveis. O planejamento inclui atividades como a elaboração dos Planos Diretores, Projeto e implantação de sistemas de redução de risco e exige o uso maciço de todo o elenco de medidas com controle em relação à qualidade e à quantidade."
Dessa forma, a adequada coleta das águas da chuva pode evitar que resultados extremos venham a acontecer. Nesse ínterim, também se inclui a gestão dos residuos solidos, que impactam na sobrecarga da drenagem pluvial.
A drenagem deve ser gerida de forma estrutural, através de obras de engenharia, e de forma não estrutural, em ações de conscientização pelo uso correto do solo, manutenção dos dispositivos de drenagem, despejo correto dos resíduos sólidos, entre outras. Apresentam-se como princípios ou mandamentos da drenagem urbana: que os planos de controle devem contemplar todas as bacias hidrográficas sob pena de ajustar uma em detrimento da outra, ou seja, o impacto não pode ser transferido; que deve haver ação preventiva para planejar as áreas a serem desenvolvidas com base na densificação das áreas ja ocupadas; e que deve haver controle permanente.
Dessa forma, a ocupação correta do solo, baseado na garantia aplicação da função socioambiental da propriedade, será fundamental também para que as águas pluviais sejam corretamente captadas e escoadas de maneira inteligente, maximizando o potencial hídrico local e reduzindo o risco de catástrofes.
Destaque-se que infelizmente as águas de chuva são geridas e encaradas pela legislação brasileira, hoje em dia, como esgoto, pois são escoadas pelas valetas e levadas para os bueiros onde acabam se misturando a todo tipo de impureza, sendo arrastadas, geralmente, para um corrego, novamente se misturando a outros compostos que as tornam inservíveis. Muitas das vezes essa agua retorna para uma Estação de Tratamento para sofrer novamente todo o processo de depuração, quando poderia ter sido direcionada antes, de maneira inteligente, facilitando seu tratamento e reduzindo os custos.
"Uma pesquisa da Universidade da Malásia (2010) deixou claro que após o início da chuva, somente as primeiras águas carregam ácidos, microrganismos, e outros poluentes atmosféricos, sendo que normalmente pouco tempo após a mesma já adquire características de água destilada, podendo ser coletada em reservatórios fechados."(9)
Dessa forma, uma gestão inteligente das águas pluviais poderia reduzir os custos do tratamento dessa água que ja tem características favoráveis.
Em outra frente, no que se refere aos Resíduos Sólidos Urbanos, o aumento desordenado da ocupação urbana faz com que mais de 50% das cidades do país tenham lixões a céu aberto. A implantação de aterros sanitários tem muita resistência por seu impacto, tanto ambiental quanto econômico nos arredores, ja que as terras do entorno se desvalorizam. No processo de solução, novamente a participação da sociedade é indispensável para que possa haver uma conscientização da importância do aterro e para que soluções possam ser propostas para amenizar os impactos.
Uma alternativa que merece ser destacada, com natureza de compensação econômica indireta, seria a criação de distrito industrial de reciclagem ao redor dos aterros sanitários, estimulando a economia, a criação de emprego, o desenvolvimento da área, e a consolidação de um mercado com potencial de desenvolvimento e envolvimento local.
Corroborando as informações expostas sobre acerca da necessidade de planejamento para o acolhimento dos resíduos sólidos e o impacto negativo de sua negligencia para a sociedade, o Sistema de Informações Hospitalares (SIH)/SUS indica que nos últimos dez anos ocorreram no Brasil cerca de 700.000 (setecentos mil) internações hospitalares anuais provocadas por doenças relacionadas com a falta ou inadequação de saneamento. Também, o Instituto Trata Brasil destaca que a falta de coleta e tratamento de esgoto é a principal causa da mortalidade de crianças de 0 a 5 anos por diarreia e doenças parasitárias.
Dessa forma, a gestão ambiental em todas as suas vertentes, tanto na questão do tratamento da agua, na captação e tratamento do esgoto, no esgotamento dos resíduos sólidos, entre outras questões importantes relacionadas ao desenvolvimento saudável da cidade e de sua população, devem estar previstas nos regramentos pertinentes, bem como devem estar sendo executadas pelo Poder Publico e fiscalizadas pela população.
DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Seguindo na linha da intervenção estatal no bem estar social e ambiental, importante destacar tambem uma outra frente politica de atuação, a regularização dos espaços urbanos informais, em busca da redução das desigualdades e da degradação ambiental. Nesse sentido, podemos definir a Regularização Fundiária como:
“o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à correção de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.” (10)
Na linha da definição acima, a Lei 13.465/17 apresentou o Reurb, o definindo, assim como o conceito de regularização fundiária, como o “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais” destinadas, nesse caso, à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes. Portanto o Reurb é mais especifico, direcionado para um nicho populacional especifico.
Determinando a abrangência do termo "núcleo urbano informal", a norma o definiu como “aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização”.
Tem-se portanto duas características determinantes naquele objeto, quais sejam, a precariedade no que se refere as questões de urbanização ou de infraestrutura, bem como a ausência de titulo de posse ou propriedade. A titulação é processo de reconhecimento dos direitos dos ocupantes, que deve ser registrado no Cartório de Imoveis para garantir estabilidade e segurança ao titulo.
O Município é o principal responsável pelo Reurb uma vez que é o responsável pelo planejamento urbano local e pelos impactos dele decorrentes, e as medidas previstas são prioritariamente administrativas para que seja célere como era a intenção do legislador. Nesse ínterim o município deve notificar os titulares de domínio, os responsáveis pela implantação do núcleo, os conflitantes e os terceiros interessados.
A lista de legitimados para requerer engloba além do município e dos entes políticos, diretamente ou por meio de entidades de Administração Indireta, os beneficiários, individual ou coletivamente; a defensoria publica em nome dos beneficiários; e o MP. Independentemente do legitimado que requereu, deve ser apresentada a documentação individualizada de cada beneficiário, para que possa ser identificada a modalidade de Reurb e emitida, ao final, a Certidão de Regularização Fundiária.
A norma prevê dois tipos de Reurb, o REURB-S, cuja finalidade é a” regularização fundiária de Interesse Social, que aplica-se aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal”. Via de regra se enquadram nessa classificação as famílias com renda de ate 5 salários mínimos, podendo o ente responsável estabelecer parâmetro diferente; e o REURB-E: Regularização Fundiária de Interesse Específico que aplica-se aos demais casos.
Dessa forma, o responsável deve identificar os núcleos urbanos informais, organizando-os e assegurando a prestação de serviços públicos, criando unidades compatíveis com as necessidades da população de baixa renda, promovendo a integração social e a geração de emprego e renda. O projeto de regularização fundiária deverá considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as áreas destinadas a uso público, quando for o caso. Os núcleos estruturados e sem conflitos fundiários devem ter prioridade na regularização.
Além da preocupação com a regularização, é objetivo do Reurb impedir a formação de novos núcleos urbanos informais.
O artigo 21, XX da CF previu especificamente a instituição de diretrizes de Politica de Desenvolvimento Urbano, conferindo à União o poder de defini-las, com destaque para o acesso à propriedade urbana e à moradia, com a justa distribuição dos benefícios e ônus do processo de urbanização. Assim a norma criou condições para a regularização fundiária e para medidas socioambientais especificas em áreas ocupadas por população de baixa renda.
A política urbana consiste no conjunto de políticas, executadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que compreende o planejamento e a gestão sobre o uso do território em áreas urbanas e que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. (Estatuto da Cidade)
Segundo a doutrina especializada, no Estatuto da Cidade ha um modelo de politica urbana redistributiva:
“O leque de políticas foi expandido com a disseminação de ações de urbanização de favelas e de loteamentos irregulares, mutirão autogerido, locação social, zoneamentos especiais de interesse social e ambiental, tarifas sociais, planejamento participativo, entre outras, conformando uma nova agenda urbana diversificada, redistributiva e participativa.”(11)
A década de 1980 representou um grande avanço nas questões de regularização fundiária e urbanização em função da politica de defesa de permanência nos assentamentos, então praticada. Quase que pioneira na questão, a cidade de Diadema em 1985 deu inicio a ações nas áreas jurídica e urbanística que resultaram na Concessão de Uso Real, consolidada por Lei municipal, que desafetou 19 áreas públicas municipais ocupadas por favelas 10, concedendo um titulo pelo prazo de 90 anos para fins de habitação de interesse social. Em 1989 um decreto inovou a CDRU permitindo o exercício de atividades profissionais ou comerciais lícitas em um terço da área do lote, desde que morador continuasse a destinar o lote de forma predominante habitacional, com o objetivo de potencializar e regularizar as atividades geradoras de emprego e renda.
Foi a primeira aplicação do instituto em larga escala, e serviu de modelo para outros mais que vieram. O Ministério das Cidades inclusive passou a recomendar que a politica de regularização ocorra sempre de forma planejada envolvendo politicas de infraestrutura urbana para o desenvolvimento local, sob pena de novo processo de favelização.
A rigor regularização fundiária é o processo de intervenção pública, no aspecto jurídico, físico e social, que visa legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação implicando melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária. (12)
Outra preocupação do Poder Publico relacionada ao processo é o instituto da gentrificação:
Gentrificação refere-se à transformação de bairros, frequentemente caracterizada pela substituição de residentes de menor renda por outros de maior poder aquisitivo. Este processo acarreta efeitos negativos, como o deslocamento de comunidades estabelecidas e a perda da identidade cultural local.(13)
A preocupação se baseia no fato de terceiros investirem na area regularizada, exercendo seu poder econômico para adquirir as propriedades a valores menores que o mercado e gerando novas ocupações irregulares pelos mesmos que haviam sido beneficiados. Nesse sentido, a lei buscou criar mecanismos para evitar esse tipo de problema.
Um instituto que já se mostra eficiente nessa questão é o do Direito de Superfície, que originariamente define que “o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis”. (Art 21)
O instituto cria uma separação entre a propriedade do terreno e o direito de usar a superfície daquele, e no âmbito da regularização fundiária permite ao poder Poder Público, manter a propriedade do terreno, considerado de interesse social, e conceder ao morador o direito de construir a sua moradia, podendo comercializá-la apenas sobre determinadas condições, impedindo assim a desvirtuação do instituto, e a citada gentrificação.
Outro instituto relevante na questão da regularização é o da Legitimação Fundiária que preve uma nova forma de reconhecimento de aquisição originaria de propriedade, em que o municipio reconhece as ocupações urbanas como consolidadas e irreversíveis, localizadas em areas publicas ou particulares, com ou sem registro e com destinação urbana, desde que integrante de núcleo urbano informal consolidado e existente até 22 de dezembro de 2016.
Trata-se de ato do poder público destinado a conferir título conversível em direito real de propriedade, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse. O ocupante adquire a unidade imobiliária com destinação urbana livre e desembaraçada de quaisquer onus, direitos reais, gravames ou inscrições em sua matricula de origem. Decorrido o prazo de 5 anos de seu registro, terá a conversão automática dele em titulo de propriedade. Nesse caso não ha previsão de aplicação para imoveis do Poder Publico, deferentemente da Regularização.
Por fim, instituto que não se enquadra exatamente na questão da regularização fundiária mas que tem natureza de intervenção publica em favor da população de baixa renda, o Usucapião Urbano que tem previsão na própria CF alcançando o possuidor de imóvel urbano de até 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) que não tem outro imóvel, que ocupe o imóvel ha cinco anos, de forma pacifica e que utilize para moradia, desde que ainda não tenha sido beneficiada pelo instrumento.
O Estatuto da Cidade prevê, na linha da regularização fundiária, o usucapião urbano com condições e requisitos específicos e especiais, por exemplo a previsão de gratuidade de atos judiciais e administrativos no cartório de imoveis. A ideia do legislador é viabilizar e estimular a proposição de ações coletivas de usucapião urbano.
REFERÊNCIAS
1. Site WWF Brasil, disponivel em: https:// www.wwf.org.br/participe/porque_participar/sustentabilidade/#:~:text=Sustentabilidade%20%7C%20WWF%20Brasil&text=Desenvolvimento%20sustent%C3%A1vel%20%C3%A9%20o%20desenvolvimento,os%20recursos%20para%20o%20futuro
2. A história da sustentabilidade e sua importância nas escolas. Disponivel em https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/13/8/a-histoacuteria-da-sustentabilidade-e-sua-importacircncia-nas-escolas
3. Noticia disponivel em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos /noticias/reciclagem-de-latas-de-aluminio-bate-recorde-no-brasil-em-2020#:~:text= Segundo%20dados%20divulgados%20pela%20Associa%C3%A7%C3%A3o,97%2C4%25%20das%20latinhas
4. MOREIRA, L V. D., Vocabulário basico de Meio Ambiente. Rio de janeiro: Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, 1990
5. Operação urbana consorciada / Karlin Olbertz; prefácio de Marçal Justen Filho; apresentação de Odete Medauar. Belo Horizonte: Fórum. 2011.
6. Disponivel em: https://capital.sp.gov.br/web/sp_urbanismo
7. Disponivel em https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/
8. Disponivel em https://www.saopaulo.sp.leg.br/zoneamento/dicionario/
9. Cartilha de Educação Ambiental para Militares da Marinha do Brasil. Disponivel em https://www.marinha.mil.br/cppb/sites/www.marinha.mil.br.cppb/files/ cartilha_gestao_ambiental.pdf
10. Ministerio das Cidades. Disponivel em https://www.gov.br/cidades/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/desenvolvimento-regional/regularizacao-fundiaria/1-o-que-e-regularizacao
11. Eduardo Marques. Cidades, Politicas Urbanas redistributivas e a crise.
12. Alfonsin, B. de M. (2005). Depois do Estatuto da Cidade: ordem jurídica e política urbana em disputa, Porto Alegre e o urbanizador social. Revista Brasileira De Estudos Urbanos E Regionais.
13. Gentrificação: o que é, como ocorre e impactos sociais. Disponivel em: https://habitatbrasil.org.br/gentrificacao/#:~:text=Originada%20do%20termo%20ingl%C3%AAs%20%E2%80%9Cgentrification,outros%20de%20maior%20poder%20aquisitivo.