O tema suscita debates complexos sobre a interação entre normas trabalhistas e familiares, sendo um ponto importante para discussões jurisprudenciais e acadêmicas.
A relação de emprego doméstico no Brasil é regida pela Lei Complementar n.º 150/20151, que regulamenta direitos trabalhistas específicos para essa categoria.
E as questões relacionadas à responsabilidade de ex-cônjuges pelas verbas trabalhistas devidas a empregados domésticos que atuam no ambiente familiar trazem desafios adicionais no campo do Direito do Trabalho e do Direito de Família.
A compreensão a respeito da divisão de responsabilidades após a dissolução da união conjugal é essencial para definir o alcance das obrigações trabalhistas, especialmente em situações de divórcio ou separação.
A Relação de Emprego Doméstico no Contexto Familiar
O contrato de trabalho doméstico comumente é firmado entre o trabalhador e a pessoa ou família para a qual presta serviços de natureza contínua. Quando há dissolução de uma união estável ou casamento, o(a) empregado(a) doméstico(a) pode continuar prestando serviços para um dos ex-cônjuges, o que suscita a questão sobre quem é responsável pelas verbas trabalhistas que venham a ser exigidas, como salários, 13º, férias, FGTS e demais direitos previstos em lei.
Solidariedade e Responsabilidade Trabalhista
Antes de abordar especificamente qual o tipo de responsabilidade a ser aplicada neste caso. É importante ter conhecimento e entendimento sobre quais são os tipos de responsabilidade existentes e o que as difere.
Responsabilidade solidária - havendo pluralidade de devedores, o credor pode cobrar o total da dívida de todos ou apenas do que achar que tem mais probabilidade de quitá-la. A dívida não precisa ser cobrada em partes iguais para cada um. Todos os devedores são responsáveis pela totalidade da obrigação. O devedor que pagar o total deve receber dos demais a parte que pagou por eles. Esse tipo de responsabilidade não pode ser presumido, suas hipóteses estão previstas em lei, ou podem ser pactuadas entre as partes em contratos ou outros tipos de negociações.
Responsabilidade subsidiária - tem caráter acessório ou suplementar. Há uma ordem a ser observada para cobrar a dívida, na qual o devedor subsidiário só pode se acionado após a dívida não ter sido totalmente adimplida pelo devedor principal.
Além da previsão no Código Civil2, ambos os institutos jurídicos estão previstos no Código de Defesa do Consumidor-CDC3, na Consolidação das Leis Trabalhistas-CLT4 e em outras normas do nosso ordenamento jurídico5.
No Direito Trabalhista, a responsabilidade solidária ocorre quando duas ou mais pessoas respondem conjuntamente pelos débitos trabalhistas. No caso dos ex-cônjuges, essa solidariedade pode ser discutida dependendo da forma como o vínculo de trabalho foi estabelecido e se ambos eram beneficiários dos serviços prestados.
Quando a empregada doméstica foi contratada durante o período de convivência do casal e prestava serviços para ambos, há majoritária jurisprudência que reconhece a responsabilidade solidária entre os cônjuges. Nesse caso, ambos respondem pelas verbas devidas até a data da separação ou do divórcio.
Após a dissolução da união, a responsabilidade trabalhista poderá6 ser individualizada, cabendo àquele que continuar usufruindo dos serviços da empregada doméstica arcar com as obrigações trabalhistas decorrentes desse período. Caso a empregada continue a prestar serviços somente para um dos cônjuges, este poderá ser reconhecido como o responsável exclusivo pelas verbas trabalhistas relacionadas ao período posterior à separação.
Jurisprudência Sobre a Responsabilidade dos Ex-Cônjuges
A jurisprudência trabalhista brasileira tem consolidado o entendimento de que, quando o contrato de trabalho foi firmado durante a vigência do casamento ou união estável, ambos os cônjuges respondem solidariamente pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que a empregada prestou serviços para o núcleo familiar.
Após a separação, a responsabilidade poderá ser atribuída exclusivamente aquele que continuar empregando a trabalhadora. Cabendo ao advogado habilitado o estudo do caso concreto e o emprego da tese que melhor atenda a defesa dos interesses do seu cliente.
Neste sentido, são os entendimentos dispostos nos precedentes que seguem:
“EMPREGADOR DOMÉSTICO. INCLUSÃO DA CÔNJUGE NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO. A teor do art. 1º da Lei Complementar 150/2015, o empregador doméstico é composto por todo o conjunto familiar que se beneficia com a força de trabalho. Dessa forma, a ex-cônjuge tem responsabilidade pelo efetivo cumprimento das obrigações de correntes do vínculo empregatício doméstico, e, portanto, pode compor o polo passivo da execução.” (TRT da 12ª Região; Processo: 0001199-24.2018.5.12.0016; Data de assinatura: 17-11-2022; Órgão Julgador: Gab. Des. Gracio Ricardo Barboza Petrone - 4ª Câmara; Relator(a): GRACIO RICARDO BARBOZA PETRONE)
“EXECUÇÃO FRUSTRADA. TRABALHO DOMÉSTICO. Prevalece nesta Seção Especializada em Execução o entendimento da existência de presunção de que o trabalho prestado pela exequente na condição de empregada doméstica beneficiou todos os integrantes do grupo familiar que coabitavam o imóvel à época da vigência do contrato de trabalho, o que legitima o redirecionamento da execução contra o ex cônjuge, se este era um dos beneficiários dos serviços prestados pela trabalhadora doméstica”. (TRT da 4ª Região, Seção Especializada em Execução, 0020532-46.2017.5.04.0233 AP, em 06/12/2023, Desembargador Luis Carlos Pinto Gastal)
“DOMÉSTICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO NÚCLEO FAMILIAR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS BENEFICIADOS. A Lei Complementar nº 150/2015, com vigência a partir de 01.06.2015, conceituou o empregado doméstico como "aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana". Destarte, demonstrada a prestação de serviços contínua ao núcleo familiar, impõe-se reconhecer a responsabilidade solidária dos beneficiados.” (TRT da 2ª Região; Processo: 1000724-97.2023.5.02.0034; Data: 15-04-2024; Órgão Julgador: 10ª Turma - Cadeira 3 - 10ª Turma; Relator(a): KYONG MI LEE)
“EMPREGADOR DOMÉSTICO. SUCESSÃO TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA. BENS DO CÔNJUGE. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE. A sucessão trabalhista pode ser reconhecida em fase de execução, mesmo que o sucessor não tenha participado do processo de conhecimento, contudo, não há falar em sucessão trabalhista no âmbito da relação de emprego como doméstica. Podem existir outros responsáveis pelo crédito trabalhista do doméstico que não tenham participado do processo de conhecimento? No âmbito das demais relações de emprego, as formas de responsabilizar terceiros que não participaram do processo de conhecimento, como parte passiva da lide, consistem nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para captar bens dos sócios, que não é o caso, a toda evidência e, ainda, na sucessão trabalhista, que também não é o caso. Então, o fato de a executada manter um cônjuge, casada em regime de comunhão universal de bens, durante a prestação de serviços da empregada doméstica, autoriza o prosseguimento da execução em relação a ele. Nos termos do art. 3o., inciso II, do Decreto 71.885/73, o empregador doméstico não é, necessariamente, o membro da família destacado para proceder às anotações na CTPS obreira, mas todo o conjunto familiar que se beneficia com a força de trabalho. Por outro lado, não faz sentido que todos os membros da família componham o pólo passivo da reclamação ajuizada. E é forçoso reconhecer que o cônjuge usufruiu dos serviços da empregada doméstica, ainda que, originariamente, não tenha sido o responsável pela admissão da obreira. O cônjuge da empregadora doméstica, condenada judicialmente, que não satisfaz o crédito trabalhista pode ser equiparado a um sócio da empresa insolvente. Tal interpretação é a mais razoável e sistêmica que se faz da ordem jurídica - hipótese que viabiliza a responsabilização do cônjuge da executada, empregadora doméstica inadimplente. O cônjuge do empregador doméstico é diretamente interessado, beneficiário da prestação de serviços do doméstico. Este trabalhador é muitas vezes responsável pelo conforto, pelo equilíbrio do lar e das relações familiares. Reconhecidamente, a sua falta gera muito transtorno. O transtorno também é grande e maior ainda para quem não tem seus direitos trabalhistas respeitados e depende de um processo judicial para a satisfação de seus créditos e ainda sim não consegue recebe-los. Por todos estes motivos, é juridicamente possível o prosseguimento da execução em relação aos bens do cônjuge que é casado ou foi casado com a executada durante a prestação dos serviços pelo empregado doméstico, diante da inadimplência dessa. O casamento é uma sociedade, ou seja, o cônjuge é sócio do empregador(a) doméstico(a). (TRT da 3.ª Região; Processo: 0019900-73.2007.5.03.0079 AP; Data de Publicação: 12/05/2011; Disponibilização: 11/05/2011, DEJT, Página 126; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator Taisa Maria M. de Lima; Revisor: Convocada Wilmeia da Costa Benevides)
Decisões recentes têm reconhecido a importância de analisar cada caso específico, considerando as circunstâncias da contratação e da prestação de serviços.
Divisão de Bens e Pensão Alimentícia: Reflexos na Responsabilidade Trabalhista
Outra questão importante envolve a partilha de bens e a fixação de pensão alimentícia após o divórcio ou separação. Em alguns casos, o cônjuge responsável pelo pagamento da pensão pode argumentar que essa obrigação já inclui a parte correspondente às despesas com empregados domésticos, caso o pagamento seja destinado ao sustento de filhos menores. No entanto, esse argumento não costuma prevalecer em demandas trabalhistas, pois a relação empregatícia possui natureza distinta e autônoma, sendo regulada por normas específicas.
Conclusão
A responsabilidade do ex-cônjuge sobre as verbas trabalhistas devidas à empregada doméstica depende da análise de vários fatores, incluindo o período em que os serviços foram prestados e quem, de fato, era o beneficiário desses serviços. A jurisprudência tende a imputar responsabilidade solidária ao casal durante o período de convivência, podendo vir a reconhecer que após a separação, a responsabilidade é individualizada conforme o ex-cônjuge que mantém a empregada doméstica em sua residência.
É recomendável que tais situações e eventual contrato de trabalho da empregada doméstica existente, sejam discutidos durante o processo de separação, de forma que busquem formalizar a situação do contrato, evitando futuras disputas judiciais. A clareza quanto a quem será o empregador após o término da união pode prevenir litígios e assegurar o cumprimento adequado das obrigações trabalhistas.
Desse modo, o acompanhamento por advogados especializados tanto na área trabalhista quanto na área de família é essencial para a correta definição das responsabilidades, assegurando os direitos da empregada doméstica e a proteção jurídica dos ex-cônjuges.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/responsabilidade-solidaria-x-responsabilidade-subsidiaria
Mediante a demonstração de elementos que possibilitem ao julgador chegar a esta conclusão.