A equidade de gênero no direito público brasileiro: Desafios estruturais e o papel do estado na promoção de políticas públicas

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15/10/2024 às 17:22
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Introdução

A equidade de gênero, no contexto jurídico contemporâneo, é mais do que um ideal de justiça: ela reflete uma exigência normativa e ética que busca superar as desigualdades estruturais entre homens e mulheres, as quais são historicamente perpetuadas por meio de processos sociais, culturais e econômicos. No Brasil, essa questão assume especial relevância, visto que, apesar dos avanços na legislação e das políticas públicas voltadas para o tema, a desigualdade de gênero permanece enraizada nas estruturas institucionais e na vida cotidiana de milhões de brasileiras. O Direito Público, como ramo responsável pela regulação das relações entre o Estado e a sociedade, desempenha um papel fundamental na formulação e execução de estratégias para a promoção da igualdade de gênero.

As desigualdades de gênero no Brasil estão presentes em diferentes esferas: na política, no mercado de trabalho, na educação, na saúde e, de maneira ainda mais preocupante, no âmbito da violência doméstica e familiar. De acordo com o Atlas da Violência 2021, o Brasil possui uma das maiores taxas de feminicídio do mundo, refletindo a urgência de políticas públicas mais eficazes na proteção das mulheres. Além disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que as mulheres continuam ganhando, em média, 20,5% menos que os homens em trabalhos de igual valor, e estão sub-representadas nos espaços de poder, como nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional, onde constituem apenas 15% dos parlamentares, muito aquém do ideal democrático.

Nesse sentido, este trabalho busca explorar de forma aprofundada a relação entre a equidade de gênero e o Direito Público no Brasil, analisando a função do Estado na criação e implementação de políticas que promovam a igualdade substancial entre os gêneros. A Constituição Federal de 1988 estabelece, em diversos dispositivos, a necessidade de eliminar a discriminação de gênero, e o Brasil também é signatário de importantes tratados internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), que impõe obrigações concretas aos Estados para garantir a igualdade de gênero.

Apesar das garantias legais, a realidade mostra que a implementação dessas normas e políticas enfrenta barreiras estruturais significativas, como a cultura patriarcal profundamente enraizada e a falta de efetividade nas ações estatais voltadas à proteção dos direitos das mulheres. O conceito de "equidade de gênero" envolve não apenas o tratamento igualitário formal perante a lei, mas também a adoção de medidas concretas que levem em conta as desigualdades históricas e culturais que afetam mulheres de maneira desproporcional. Para garantir a equidade substancial, é necessário um aparato estatal comprometido com ações afirmativas e políticas públicas que combatam essas disparidades.

Neste trabalho, serão discutidos os principais desafios enfrentados na promoção da equidade de gênero por meio das políticas públicas no Brasil. A análise será embasada em dados empíricos, com destaque para a atuação do Poder Executivo na formulação de programas específicos, como o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), e a resposta do Poder Judiciário na aplicação de leis que visam garantir a proteção e os direitos das mulheres, como a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006). Também será discutido o papel da sociedade civil, cuja pressão tem sido decisiva para a criação de mecanismos legais e institucionais de combate às desigualdades de gênero. Além disso, o estudo abordará as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em diferentes setores, como o mercado de trabalho e a política, e as estratégias que podem ser adotadas para superar esses desafios.

A pesquisa será guiada pelos seguintes questionamentos: (1) Quais são os principais obstáculos estruturais que impedem a efetiva promoção da equidade de gênero no Brasil? (2) Como o Direito Público pode ser utilizado para enfrentar essas barreiras? (3) De que maneira as políticas públicas brasileiras têm sido eficazes na promoção da igualdade de gênero e quais os limites dessas políticas? Para responder a essas questões, será utilizado um enfoque interdisciplinar, combinando uma análise jurídica com insights sociológicos e econômicos, de modo a oferecer uma visão abrangente e crítica da situação atual.

A importância do tema é inegável, considerando que a equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também um indicador essencial para o desenvolvimento sustentável de uma sociedade. Como afirmou a socióloga Heleieth Saffioti, “a igualdade entre homens e mulheres é um dos termômetros para a medição do grau de civilização de um país”. A persistência de desigualdades estruturais entre homens e mulheres impede que o Brasil atinja um patamar mais elevado de desenvolvimento humano e democrático, pois essas desigualdades perpetuam não apenas injustiças sociais, mas também ineficiências econômicas e institucionais.

Dessa forma, este trabalho pretende contribuir para a compreensão das dinâmicas que cercam a equidade de gênero no Brasil e o papel do Estado na formulação de soluções jurídicas e políticas. A análise de dados empíricos, como estatísticas sobre desigualdade de gênero e casos jurisprudenciais, será complementada por uma reflexão crítica sobre a eficácia das políticas públicas existentes. Espera-se que, ao final deste estudo, seja possível identificar as principais falhas e potencialidades das políticas de gênero no Brasil e apontar caminhos para um futuro mais igualitário, em consonância com os princípios constitucionais e as obrigações internacionais do país.


1. A Equidade de Gênero no Direito Internacional e sua Influência no Direito Público Brasileiro

O conceito de equidade de gênero transcende a simples ideia de igualdade formal entre homens e mulheres, demandando ações substantivas que considerem as disparidades históricas e estruturais. No Direito Internacional, esse princípio é amplamente reconhecido e fundamentado por meio de diversas convenções e tratados, dos quais o Brasil é signatário. Essas normativas internacionais têm influenciado diretamente a formulação de políticas públicas e legislações voltadas para a promoção da equidade de gênero no Brasil, principalmente no campo do Direito Público. Esse processo de internacionalização dos direitos das mulheres é crucial para a compreensão de como as normativas globais se refletem no ordenamento jurídico interno e moldam a atuação do Estado brasileiro.

1.1 O Direito Internacional e a Proteção dos Direitos das Mulheres

A proteção dos direitos das mulheres no âmbito do Direito Internacional começou a ganhar relevância a partir da metade do século XX, com a criação de organismos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), que passaram a promover e proteger os direitos humanos em uma escala global. Um marco nesse sentido foi a adoção da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), em 1979, que estabeleceu diretrizes amplas para a eliminação da discriminação de gênero em todos os campos da vida pública e privada. A CEDAW é frequentemente referida como uma "carta internacional dos direitos das mulheres", sendo um dos tratados mais importantes para a promoção da equidade de gênero.

O artigo 1º da CEDAW define discriminação contra a mulher como "qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha como objetivo ou efeito prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou em qualquer outro campo" (CEDAW, 1979). Essa definição ampla cria um compromisso dos Estados signatários com a erradicação da discriminação de gênero, tanto nas esferas públicas quanto privadas.

Além da CEDAW, outros tratados internacionais e declarações fortaleceram a promoção da equidade de gênero. A Declaração de Beijing, adotada na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, em 1995, é um marco que reafirma o compromisso global com os direitos das mulheres, incluindo a participação plena e equitativa das mulheres em todas as esferas da sociedade, a eliminação da pobreza feminina e a erradicação da violência contra as mulheres. A Declaração de Beijing, juntamente com a Plataforma de Ação, estabeleceu um plano para os governos e instituições públicas implementarem políticas de igualdade de gênero.

Outro instrumento significativo é a Convenção de Belém do Pará (1994), que se concentra na prevenção, punição e erradicação da violência contra as mulheres nas Américas. A ratificação desta convenção pelo Brasil reforçou o compromisso do país em adotar medidas concretas para prevenir e punir a violência de gênero, especialmente no âmbito doméstico e familiar, questões que são de grande relevância no contexto brasileiro, onde altos índices de violência contra a mulher persistem.

1.2 A Influência das Normas Internacionais no Direito Público Brasileiro

A ratificação de tratados internacionais voltados para a promoção da equidade de gênero impactou diretamente a formulação de políticas públicas e a criação de leis no Brasil. A Constituição Federal de 1988, que pode ser vista como um marco de transformação democrática e de inclusão de direitos fundamentais no país, foi diretamente influenciada por esses compromissos internacionais. O texto constitucional adotou, em diversos artigos, a igualdade de gênero como um princípio fundamental, além de prever a adoção de políticas públicas para promover a equidade.

O artigo 5º, inciso I da Constituição de 1988 estabelece que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". Esse dispositivo garante a igualdade formal entre homens e mulheres, uma norma que reflete o compromisso do Brasil com o cumprimento dos tratados internacionais, especialmente a CEDAW. No entanto, a igualdade formal não é suficiente para garantir a verdadeira equidade de gênero, exigindo a adoção de medidas concretas que combatam as desigualdades históricas e estruturais.

Além do artigo 5º, o artigo 7º, inciso XX assegura medidas de proteção ao trabalho da mulher, demonstrando o reconhecimento da necessidade de políticas que levem em consideração as diferenças específicas de gênero no ambiente de trabalho. Essa proteção do mercado de trabalho feminino é uma das muitas áreas onde o Brasil, ao ratificar convenções internacionais como a CEDAW, comprometeu-se a adotar políticas afirmativas que promovam a equidade de gênero.

A jurisprudência também reflete a influência dos tratados internacionais de direitos humanos e de proteção às mulheres. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que introduziu o conceito de "bloco de constitucionalidade", possibilitou que os tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil passassem a ter status supralegal. Isso significa que as normas da CEDAW, da Convenção de Belém do Pará e de outros tratados de direitos humanos podem ser aplicadas diretamente pelo Poder Judiciário, fortalecendo ainda mais os direitos das mulheres no Brasil.

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1.3 Políticas Públicas e o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM)

No Brasil, a implementação de políticas públicas que promovem a equidade de gênero foi intensificada a partir da década de 2000, especialmente com a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e o lançamento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM). O PNPM, criado em 2004, é resultado direto das pressões internacionais e da adoção de compromissos firmados em convenções como a CEDAW e a Declaração de Beijing. O plano reflete a necessidade de criar políticas públicas coordenadas que enfrentem os múltiplos aspectos da desigualdade de gênero.

O PNPM é um instrumento abrangente que envolve diferentes áreas de atuação, como saúde, educação, trabalho, e combate à violência contra a mulher. A sua criação visou institucionalizar as políticas de igualdade de gênero no Brasil e garantir que o Estado, em suas várias esferas, estivesse comprometido com a promoção da equidade. O plano baseia-se em quatro eixos fundamentais: (i) autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho; (ii) educação inclusiva e livre de discriminação de gênero; (iii) saúde integral das mulheres; e (iv) o enfrentamento à violência de gênero.

Um dos maiores avanços proporcionados pelo PNPM foi a criação de mecanismos específicos para lidar com a violência de gênero, como a implementação das Casas da Mulher Brasileira e dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Esses espaços são fundamentais para a acolhida e o atendimento de mulheres vítimas de violência, oferecendo serviços jurídicos, psicológicos e sociais, e exemplificam a tentativa de institucionalizar os compromissos internacionais firmados pelo Brasil no combate à violência de gênero.

No entanto, apesar do avanço representado pela criação do PNPM e de outras políticas públicas voltadas para a equidade de gênero, o Brasil ainda enfrenta sérios desafios em termos de implementação efetiva dessas políticas. A falta de financiamento adequado e a insuficiência de mecanismos de monitoramento e avaliação são alguns dos principais obstáculos à plena eficácia das políticas de gênero no Brasil. Além disso, há uma disparidade significativa na implementação dessas políticas entre os diferentes estados e municípios, o que revela a necessidade de uma maior coordenação entre os diferentes níveis de governo.

1.4 Desafios à Implementação das Normas Internacionais no Brasil

Embora o Brasil tenha ratificado importantes tratados internacionais e incorporado muitos de seus princípios na legislação nacional, a plena implementação dessas normas enfrenta uma série de desafios. Um dos principais obstáculos é a persistência de uma cultura patriarcal que, muitas vezes, se traduz em resistências políticas e institucionais à promoção da equidade de gênero. Essa resistência pode ser vista na dificuldade de aprovar e aplicar leis que protejam os direitos das mulheres, bem como na lentidão do sistema judiciário em lidar com questões de gênero. A cultura patriarcal enraizada na sociedade brasileira se reflete tanto nas estruturas formais de poder quanto nas práticas cotidianas, perpetuando desigualdades e impedindo o avanço substancial das políticas públicas voltadas para a equidade de gênero. Esse cenário revela um descompasso entre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a sua efetiva aplicação em nível nacional.

1.4.1 A Persistência da Cultura Patriarcal e os Estereótipos de Gênero

A implementação de políticas públicas e normas legais voltadas para a equidade de gênero no Brasil esbarra frequentemente em barreiras culturais. A cultura patriarcal, profundamente enraizada na sociedade brasileira, legitima e perpetua uma divisão de papéis de gênero que subordina as mulheres, restringindo suas oportunidades e consolidando práticas discriminatórias. De acordo com a socióloga Heleieth Saffioti, a cultura patriarcal "não só define a divisão sexual do trabalho, mas também estabelece hierarquias entre os sexos, com a desvalorização de tudo que é associado ao feminino" (SAFFIOTI, 2004).

Esses estereótipos de gênero impactam diretamente a forma como as políticas públicas são implementadas e percebidas. Muitas vezes, as ações afirmativas voltadas para mulheres são vistas com desconfiança ou até mesmo resistência por parte de setores da sociedade, que mantêm uma visão tradicional sobre o papel da mulher. Essa resistência pode ser observada, por exemplo, na sub-representação feminina em cargos de liderança e na política, onde a presença das mulheres ainda é vista como uma ameaça à estrutura de poder predominantemente masculina.

A naturalização das desigualdades de gênero na cultura brasileira também contribui para a ineficácia de algumas políticas públicas. Estudos revelam que, apesar da existência de leis como a Lei Maria da Penha e políticas de combate à violência de gênero, a subnotificação de casos de violência doméstica ainda é alta, em grande parte devido à relutância das vítimas em denunciar os agressores, em razão do estigma social e da falta de apoio estrutural adequado. De acordo com o Atlas da Violência 2021, em média, uma mulher é vítima de feminicídio a cada sete horas no Brasil, indicando que a violência de gênero continua sendo um problema grave e de difícil solução no país.

1.4.2 A Sub-representação Feminina nos Espaços de Poder

Outro desafio à plena implementação das normas internacionais e políticas públicas voltadas para a equidade de gênero no Brasil é a sub-representação feminina nos espaços de poder, particularmente na política. A Lei nº 9.504/1997, que regulamenta as eleições, estabelece uma cota mínima de 30% para candidaturas de mulheres em todos os partidos políticos. Embora essa lei tenha sido um avanço importante, sua aplicação prática enfrenta dificuldades.

Em muitos casos, as cotas de candidaturas para mulheres são preenchidas de maneira simbólica, sem a real intenção de eleger essas candidatas. O fenômeno das "candidaturas laranjas", em que mulheres são inscritas apenas para cumprir o percentual mínimo exigido, mas não recebem apoio efetivo dos partidos, é um exemplo claro dessa distorção. Em 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) investigou vários casos de fraude envolvendo candidaturas femininas fictícias, o que revela a resistência de setores políticos à participação efetiva das mulheres na política.

A sub-representação feminina também é visível em cargos de liderança no setor público e privado. Segundo dados do IBGE de 2019, as mulheres ocupam apenas cerca de 37,4% dos cargos de liderança e gestão no Brasil, e a discrepância é ainda maior quando se analisa a participação feminina em altos cargos políticos. No Congresso Nacional, a participação das mulheres é de apenas 15%, o que é extremamente baixo se comparado a outros países da América Latina, como Argentina e Bolívia, onde a representação feminina é significativamente maior.

Essa falta de representatividade afeta a formulação de políticas públicas. A ausência de mulheres nos espaços de poder significa que as questões de gênero muitas vezes não recebem a devida atenção no processo de tomada de decisões. Políticas públicas voltadas para as necessidades específicas das mulheres, como saúde reprodutiva, igualdade no mercado de trabalho e combate à violência, tendem a ser marginalizadas ou tratadas de forma inadequada, o que contribui para a perpetuação das desigualdades de gênero.

1.4.3 A Efetividade do Sistema Judiciário na Proteção dos Direitos das Mulheres

O Poder Judiciário tem um papel central na implementação das normas internacionais de direitos humanos e na proteção dos direitos das mulheres no Brasil. No entanto, a efetividade do sistema judiciário brasileiro em garantir esses direitos é muitas vezes comprometida por uma série de fatores, incluindo a lentidão dos processos, a falta de sensibilidade de alguns operadores do Direito em relação às questões de gênero, e a escassez de recursos para a aplicação de leis como a Lei Maria da Penha.

A jurisprudência brasileira em matéria de direitos das mulheres tem se expandido nos últimos anos, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424, por exemplo, foi um marco na proteção dos direitos das mulheres, ao declarar a constitucionalidade da aplicação da Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica, mesmo sem a denúncia formal da vítima. Essa decisão reforçou o entendimento de que a violência doméstica não é uma questão meramente privada, mas um problema de interesse público, que exige uma intervenção estatal robusta para proteger a vida e a dignidade das mulheres.

Contudo, a aplicação dessas decisões nem sempre é uniforme em todo o território nacional. A desigualdade regional no Brasil impacta diretamente a efetividade das políticas públicas e da atuação do sistema judiciário. Em regiões mais pobres ou com menor infraestrutura estatal, como o Norte e o Nordeste, a proteção dos direitos das mulheres é ainda mais precária, com a falta de delegacias especializadas e de abrigos para vítimas de violência. Essa disparidade reforça a necessidade de uma ação coordenada entre os diferentes níveis de governo para garantir que os direitos das mulheres sejam protegidos em todas as partes do país.

1.4.4 A Iniciativa Legislativa e o Papel do Poder Executivo

A promoção da equidade de gênero no Brasil também depende fortemente da atuação do Poder Executivo, que é responsável pela formulação e implementação de políticas públicas em várias áreas. Programas como o Bolsa Família, que agora foi substituído pelo Auxílio Brasil, mostraram-se instrumentos importantes para a inclusão social e econômica das mulheres, especialmente nas regiões mais pobres do país. A maioria dos beneficiários desses programas são mulheres, o que revela a importância de políticas públicas que levem em consideração as necessidades específicas das mulheres em situação de vulnerabilidade social.

No entanto, a implementação dessas políticas enfrenta desafios financeiros e políticos. O desmonte de estruturas voltadas para a promoção da igualdade de gênero, como o enfraquecimento da Secretaria de Políticas para as Mulheres, durante o governo de Michel Temer, e o impacto de cortes orçamentários em programas sociais durante a pandemia de COVID-19, são exemplos de como o contexto político pode enfraquecer os avanços na equidade de gênero. A falta de continuidade nas políticas públicas e a mudança de prioridades políticas entre diferentes governos afeta diretamente a capacidade do Estado de implementar os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em relação à promoção da igualdade de gênero.

1.5. Conclusão do Capítulo

A influência das normas internacionais no ordenamento jurídico brasileiro foi fundamental para a inclusão do princípio da equidade de gênero no Direito Público. Contudo, o Brasil enfrenta uma série de desafios para a efetiva implementação dessas normas, desde a resistência cultural patriarcal até a falta de representatividade política das mulheres e as falhas na atuação do sistema judiciário. Embora as políticas públicas voltadas para a equidade de gênero tenham avançado nas últimas décadas, ainda há uma lacuna significativa entre a legislação formal e sua aplicação prática.

O Brasil precisa fortalecer seus mecanismos institucionais e políticos para garantir que os direitos das mulheres, consagrados tanto na Constituição quanto em tratados internacionais, sejam efetivamente protegidos e promovidos. Isso exige um compromisso constante do Estado, não apenas com a formulação de leis e políticas públicas, mas com a implementação de ações afirmativas que enfrentem de maneira concreta as desigualdades de gênero.

Além disso, é essencial que o debate sobre a equidade de gênero continue a ser ampliado em todos os níveis da sociedade, promovendo uma mudança cultural que, a longo prazo, possa contribuir para a superação das estruturas patriarcais que ainda permeiam o Brasil. O fortalecimento da educação inclusiva, o incentivo à participação política das mulheres e a garantia de recursos adequados para a implementação de políticas públicas são passos essenciais para alcançar uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária.

Sobre a autora
Helena Figueiredo

Advogada (UCAM). Mestranda em Política Social (UFF). Especialização em Direito Previdenciário (CBPJUR/OAB). Sempre em busca do melhor benefício previdenciário. Contato: (021) 99794-2067

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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