Descomplicando a identidade: Como a Lei nº 14.382/2022 transformou a mudança de nome no Brasil

18/10/2024 às 12:04

Resumo:


  • A Lei nº 14.382/2022 promoveu mudanças significativas na alteração de nomes civis, desburocratizando e ampliando as possibilidades de alteração sem autorização judicial.

  • Com a nova legislação, o titular do nome, maior de idade, pode alterar seu prenome diretamente no cartório, conferindo maior autonomia e liberdade ao indivíduo.

  • Os cartórios de registro civil enfrentam desafios operacionais e jurídicos para se adaptarem às novas exigências da lei, demandando atualização constante e investimento em tecnologia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Reflexões iniciais

A modificação do nome civil é um direito fundamental que se relaciona diretamente à identidade e à dignidade da pessoa humana, sendo um reflexo da personalidade e da autonomia individual. O nome, além de ser um identificador social, representa um vínculo pessoal, familiar e histórico, integrando o conjunto de direitos da personalidade tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme ensina Gonçalves (2020, p. 115), “o nome civil, por ser expressão da identidade pessoal, goza de proteção constitucional e registral, cabendo ao Estado a função de garantir sua integridade e inviolabilidade”.

No Brasil, a regulação do nome civil encontra-se na Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que disciplina, entre outros aspectos, a forma e as hipóteses para a alteração do nome.

Com o advento da Lei nº 14.382/2022, houve significativa reforma nesse aspecto, visando a desburocratizar e flexibilizar os procedimentos de mudança de nome, especialmente no que tange à dispensa de autorização judicial para certas alterações.

De acordo com Almeida (2021, p. 88), “as recentes modificações visam atender às novas demandas sociais, reconhecendo o direito ao nome como um elemento dinâmico e em constante adaptação às realidades contemporâneas”.

O presente artigo tem como objetivo analisar as alterações trazidas pela Lei nº 14.382/2022 no que se refere à mudança de nome, destacando os avanços e desafios decorrentes dessas novas disposições. A partir de uma abordagem doutrinária e normativa, busca-se compreender como tais modificações impactam a prática notarial e registral, assim como os efeitos jurídicos e sociais da desjudicialização dos procedimentos de alteração de nome.


Evolução Legislativa

A Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, conhecida como Lei de Registros Públicos, foi instituída com o propósito de regulamentar e padronizar os procedimentos relativos ao registro civil de pessoas naturais, estabelecendo um sistema de segurança jurídica para a sociedade brasileira.

À época de sua promulgação, a lei buscava consolidar um arcabouço normativo capaz de conferir autenticidade, publicidade e eficácia aos atos e documentos registrados, com base na fé pública atribuída aos registradores civis (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020, p. 341).

Ao longo das décadas seguintes, a sociedade brasileira passou por transformações significativas, especialmente no que se refere à diversidade e pluralidade de identidades e estruturas familiares, o que pressionou o legislador a revisar as normas relativas à modificação do nome civil, a fim de adequá-las às realidades contemporâneas.

Em meio a essa evolução, a necessidade de maior celeridade e acessibilidade aos serviços públicos, aliada à busca pela desjudicialização de atos que não necessariamente exigem a intervenção do Poder Judiciário, culminou na promulgação da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022.

A Lei nº 14.382/2022, fruto de um contexto de modernização dos serviços notariais e registrais, foi motivada pela crescente demanda por simplificação dos processos administrativos e pela necessidade de se adequar aos preceitos constitucionais de eficiência e acessibilidade (art. 5º, LXXVIII, CF/88).

A reforma buscou conferir aos indivíduos maior autonomia para a realização de alterações em seus dados pessoais, possibilitando a concretização de direitos fundamentais e alinhando o direito registral às novas perspectivas de cidadania.

Entre as principais inovações introduzidas pela Lei nº 14.382/2022, destaca-se a ampliação das hipóteses de mudança de nome sem a necessidade de autorização judicial, permitindo, por exemplo, que a alteração do prenome seja feita diretamente no cartório, desde que respeitadas certas condições e prazos.

Tal medida visa não apenas à desburocratização, mas também a democratização do acesso aos serviços notariais e registrais, garantindo que esses atos sejam realizados de forma mais célere e acessível.

A reforma também se insere em um movimento mais amplo de desjudicialização e modernização do direito notarial e registral no Brasil, integrando uma série de mudanças que visam a digitalizar e automatizar os procedimentos, tornando-os mais eficientes e acessíveis ao público.

Assim, a atualização legislativa não apenas acompanha a transformação digital dos serviços públicos, mas também se alinha aos compromissos constitucionais e internacionais assumidos pelo Brasil quanto à proteção e promoção dos direitos humanos.


As Principais Alterações na Mudança de Nome

A Lei nº 14.382/2022 trouxe inovações relevantes ao sistema registral brasileiro, promovendo alterações significativas na Lei nº 6.015/73, especialmente no que se refere aos procedimentos para a mudança de nome.

Anteriormente, as modificações do nome, sobretudo o prenome, eram restritas e dependiam, em grande medida, de autorização judicial, salvo em casos específicos, como erro evidente, exposição ao ridículo ou proteção de vítimas de violência doméstica. Com a nova redação dada pela Lei nº 14.382/2022, buscou-se desburocratizar e ampliar as possibilidades de alteração, sem comprometer a segurança jurídica.

Dentre as principais mudanças, destaca-se a autorização para que o titular do nome, uma vez maior de idade, possa realizar a alteração de seu prenome diretamente no cartório de registro civil, independentemente de decisão judicial. Essa inovação visa a conferir maior autonomia e liberdade ao indivíduo, reconhecendo que o nome é um elemento essencial de sua identidade pessoal e que, em muitos casos, o titular pode ter um desejo legítimo de ajustá-lo sem a necessidade de intervenção judicial (ALMEIDA, 2023, p. 75).

Esta flexibilização visa a atender a situações nas quais o prenome, embora adequado quando da infância e adolescência, não mais corresponda à identidade ou à vontade pessoal do indivíduo ao alcançar a vida adulta, permitindo que o sistema registral se adapte de forma mais eficaz às demandas sociais.

A Lei nº 14.382/2022, ao facilitar o processo de mudança de nome diretamente no cartório, também estabelece condições que devem ser observadas para garantir a segurança jurídica e evitar fraudes, a saber: “a alteração imotivada de prenome poderá ser feita na via extrajudicial apenas 1 (uma) vez, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial” (art. 56, § 1° da Lei nº 6.015/73).

Ademais, o registrador tem o dever de verificar a autenticidade dos documentos apresentados e a conformidade do pedido com a nova regulamentação, inclusive por disposição expressa do § 2° do art. 56 da Lei nº 6.015/73: “averbação de alteração de prenome conterá, obrigatoriamente, o prenome anterior, os números de documento de identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de passaporte e de título de eleitor do registrado, dados esses que deverão constar expressamente de todas as certidões solicitadas”.

Por fim, a lei estabelece que as alterações de sobrenome, como inclusão ou exclusão de elementos familiares, continuam a ser possíveis mediante justificativa, mas, em certos casos, também podem ser realizadas de forma administrativa. A flexibilização em relação aos sobrenomes pretende não apenas atender a demandas por inclusão de parentes ou de correção, mas também a atualizar os registros familiares em conformidade com as dinâmicas sociais contemporâneas.


Impacto das Modificações na Prática Notarial e Registral

As inovações introduzidas pela Lei nº 14.382/2022 impuseram aos cartórios de registro civil um processo de adaptação, tanto do ponto de vista operacional quanto jurídico. Com a desburocratização e a ampliação das possibilidades de alteração de nome sem a necessidade de autorização judicial, os registradores passaram a assumir um papel ainda mais ativo e decisivo na análise e efetivação dos atos registrais, o que demanda atualização constante de conhecimentos e capacitação profissional.

A modernização do marco legal, ao transferir a responsabilidade de averiguação e de decisão aos cartórios, exige maior preparo técnico dos notários e registradores para que possam agir com celeridade, sem comprometer a segurança jurídica.

Os registros civis têm se esforçado para atender às novas exigências, implementando sistemas digitais de atendimento, treinamento de pessoal e novas rotinas de verificação documental, a fim de garantir que os pedidos de alteração de nome sejam processados de forma ágil e precisa.

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A importância do papel dos registradores é central nesse processo. A função desses profissionais vai além da mera formalização de atos; eles são responsáveis por garantir que as alterações realizadas atendam aos princípios fundamentais da publicidade, autenticidade e continuidade dos registros. A nova legislação impôs a esses profissionais o dever de atuar com diligência, verificando cuidadosamente a documentação apresentada e assegurando que a alteração não seja utilizada para fins fraudulentos ou para ocultação de identidade, o que poderia prejudicar terceiros e comprometer a fé pública dos registros (FARIAS; ROSENVALD, 2022, p. 267).

Outro desafio enfrentado pelos cartórios está relacionado à adaptação tecnológica. Com a digitalização crescente dos serviços registrais e a possibilidade de realização de atos de forma eletrônica, os cartórios precisam investir em infraestrutura e segurança digital para que as transações online sejam seguras e confiáveis. A Lei nº 14.382/2022, ao incentivar a modernização tecnológica, impôs aos cartórios a necessidade de incorporar soluções digitais que permitam a efetiva prestação de serviços com segurança, sem desconsiderar a complexidade e a sensibilidade das informações manuseadas.

Dessa forma, pode-se afirmar que, embora a reforma legislativa tenha como objetivo a simplificação e a celeridade dos procedimentos, a eficácia dessa mudança depende da atuação diligente e capacitada dos registradores. O cumprimento rigoroso das normas e a adaptação às novas demandas tecnológicas e operacionais são essenciais para garantir a efetividade e a segurança jurídica dos atos realizados.


Conclusão

Do panorama narrado, as alterações promovidas pela Lei nº 14.382/2022 representam um avanço significativo na modernização do sistema registral brasileiro, especialmente no que tange à desburocratização e à facilitação dos procedimentos de alteração de nome.

Ao conferir maior autonomia ao cidadão e aos cartórios, a reforma fortalece o princípio constitucional da eficiência e da desjudicialização, alinhando-se às demandas de celeridade e praticidade que marcam a sociedade contemporânea.

Dessa forma, a possibilidade de mudança de nome sem a necessidade de decisão judicial, quando observadas as condições legais, evidencia um progresso na simplificação dos atos registrais e na promoção do direito de personalidade.

Em arremate, embora a Lei nº 14.382/2022 represente um avanço importante, sua efetividade depende da implementação de medidas adicionais que garantam a segurança jurídica e a universalidade do acesso aos serviços registrais, permitindo que a modernização alcance todo o seu potencial em benefício da sociedade.


Referências

ALMEIDA, João. O nome civil e sua proteção no ordenamento jurídico brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: parte geral. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2022.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

OLIVEIRA, João Batista. Direito Notarial e Registral Brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

Sobre a autora
Leidiane Antônia Guimarães

Analista do MPU/Direito, lotada na Procuradoria Regional do Trabalho da 18ª Região. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Especialista em: Docência do Ensino Superior, Direito Processual Constitucional e Direito Notarial e Registral. Mestranda em Estudos Jurídicos com ênfase em Direito Internacional - MUST University (Florida-USA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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