Relacionamentos abusivos: características, dinâmicas e aspectos jurídicos

21/10/2024 às 13:50
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Resumo: O presente artigo aborda a dinâmica dos relacionamentos abusivos, destacando seus aspectos psicológicos, sociais e jurídicos. Para tanto, explora-se a literatura sobre violência doméstica, relacionamentos abusivos e as proteções legais oferecidas no ordenamento jurídico brasileiro, com foco na Lei Maria da Penha. Analisam-se também jurisprudências relevantes e doutrinas que fundamentam as discussões, enfatizando o papel do direito e das políticas públicas no enfrentamento dessa problemática.

1. Introdução

Os relacionamentos abusivos configuram uma das formas mais complexas de violência interpessoal, caracterizando-se por padrões de controle, manipulação e, frequentemente, violência física, psicológica e sexual. Segundo o Relatório Global sobre Violência Contra a Mulher da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada três mulheres em todo o mundo já foi vítima de violência por parte de um parceiro íntimo ao longo da vida (OMS, 2021). No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) oferece um importante arcabouço jurídico para a proteção de mulheres em situação de violência doméstica, representando um marco na legislação de direitos humanos no país.

Este artigo visa examinar as características e dinâmicas dos relacionamentos abusivos, discutindo também os dispositivos legais e jurisprudenciais aplicáveis, com base em doutrinas e decisões judiciais que tratam do tema.

2. Características dos Relacionamentos Abusivos

Os relacionamentos abusivos se caracterizam por um padrão de comportamentos controladores, manipulação emocional, agressão física e psicológica, além de violência sexual. Autores como Walker (1979) discutem o “ciclo da violência”, composto por três fases: a tensão crescente, o incidente violento e a lua de mel. Esse ciclo repete-se e aprisiona a vítima, criando uma dinâmica onde o agressor alterna momentos de violência e de arrependimento, dificultando a percepção da vítima sobre a gravidade da situação e sua capacidade de sair do relacionamento.

Segundo Medina (2020), o abuso emocional é a principal ferramenta de controle no relacionamento abusivo, sendo mais prejudicial que o próprio abuso físico, uma vez que mina a autoestima da vítima e gera dependência psicológica. No plano jurídico, o Código Penal brasileiro, em seu artigo 129, § 9º, prevê penas para a violência doméstica e familiar, inclusive nos casos de lesão corporal decorrente de relações abusivas, além de proteção em âmbitos não penais, como na tutela da dignidade e integridade psicofísica do indivíduo.

3. Violência Psicológica e Gaslighting

Um dos aspectos centrais dos relacionamentos abusivos é a violência psicológica, conforme define a Lei Maria da Penha (art. 7º, II), que consiste em atos que causam dano emocional à vítima e diminuem sua autoestima, prejudicando seu desenvolvimento pessoal. A prática do gaslighting é uma forma específica dessa violência, na qual o agressor manipula a percepção da vítima sobre a realidade, fazendo-a duvidar de suas próprias memórias e julgamentos. Essa técnica é amplamente discutida na doutrina por autores como Hirigoyen (2006), que alerta sobre os danos duradouros desse tipo de abuso no bem-estar mental da vítima.

A jurisprudência brasileira já reconheceu a gravidade da violência psicológica em diversas ocasiões. No julgamento do Habeas Corpus nº 399.109/SP, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) destacou que “a violência psicológica é caracterizada pelo controle emocional que o agressor exerce sobre a vítima, desestruturando sua capacidade de decisão autônoma” (STJ, HC 399.109/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 13/03/2018).

4. Dependência Econômica e Isolamento Social

Outro aspecto relevante dos relacionamentos abusivos é a dependência econômica da vítima, que frequentemente é impedida de trabalhar ou estudar, conforme abordado por Diniz (2015). O agressor utiliza essa dependência para exercer controle e dificultar a saída da vítima do relacionamento. O isolamento social é igualmente comum, sendo um mecanismo para enfraquecer as redes de apoio da vítima e reforçar sua vulnerabilidade.

No campo jurídico, a Lei Maria da Penha prevê medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor do lar, proibição de contato e a prestação de alimentos provisionais (art. 22), que visam reduzir a dependência econômica da vítima.

5. Ciclo de Violência e a Teoria de Lenore Walker

O ciclo de violência, conforme descrito por Walker (1979), é composto por três fases principais: 1) a fase de tensão crescente, onde o agressor se torna mais agressivo e irritado; 2) a fase do incidente agudo, onde ocorre o abuso físico, verbal ou sexual; e 3) a fase de “lua de mel”, em que o agressor pede desculpas e promete mudar. Esse ciclo se repete, levando a vítima a crer que o comportamento abusivo é temporário e, assim, dificultando sua decisão de deixar o relacionamento.

No caso brasileiro, a aplicação da Lei Maria da Penha se encaixa bem dentro dessa teoria, com medidas preventivas e de proteção. Jurisprudências como a da Ação Penal nº 2006.01.1.099.0006/DF reforçam a importância de quebrar esse ciclo, destacando que o reconhecimento da violência psicológica e física é fundamental para a concessão de medidas protetivas.

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6. O Papel do Judiciário e da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha foi criada com o objetivo de prevenir e combater a violência doméstica contra a mulher. A legislação não se restringe à violência física, abrangendo também a violência psicológica, patrimonial, sexual e moral. Conforme destaca Celerino (2021), a lei foi um marco no enfrentamento da violência de gênero no Brasil, ao estabelecer medidas protetivas de urgência e aumentar a pena para crimes cometidos no contexto doméstico.

A jurisprudência recente tem contribuído significativamente para a aplicação dessa lei. No REsp nº 1.097.042/MG, o STJ consolidou o entendimento de que a aplicação da Lei Maria da Penha se dá independentemente da coabitação entre a vítima e o agressor, desde que a relação de afeto e convivência seja caracterizada como doméstica.

7. Considerações Finais

O enfrentamento dos relacionamentos abusivos demanda um esforço conjunto entre os diversos ramos do direito e da sociedade. É imprescindível o fortalecimento das políticas públicas e das redes de apoio às vítimas, bem como o avanço na aplicação de medidas legais que visem a proteção e a responsabilização dos agressores. A Lei Maria da Penha e a jurisprudência brasileira têm evoluído, mas ainda há muito a ser feito no sentido de garantir a segurança e os direitos das vítimas.

Referências Bibliográficas

• Celerino, C. R. (2021). Violência doméstica e familiar: uma análise da Lei Maria da Penha. Editora JusPodivm.

• Diniz, D. (2015). Mulheres e direitos humanos: a luta pela dignidade. Lumen Juris.

• Hirigoyen, M. F. (2006). A assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Bertrand Brasil.

• Medina, J. (2020). Violência psicológica: aspectos jurídicos e sociais. Saraiva.

• Walker, L. E. (1979). The Battered Woman. Harper and Row.

Jurisprudências Citadas

• STJ, Habeas Corpus nº 399.109/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 13/03/2018.

• STJ, Recurso Especial nº 1.097.042/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 25/06/2019.

Sobre o autor
Ademarcos Almeida Porto

Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP Título de Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia - OABSP. Pós-graduação em Direito Constitucional Cursos de extensão em: Direito imobiliário; Direito da Família e Sucessões; Direito do Consumido; Estatuto da Criança e do Adolescente e Direito do Trabalho. Especializando em Direito da Família e das Sucessões.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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