A Conceituação dos crimes falimentares

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Inicialmente, sabe-se que a crise empresarial se faz de condição si ne qua non para, o empresário ou a sociedade empresária recorrer aos institutos da recuperação judicial ou extrajudicial e a falência.

Neste diapasão, assevera Marcelo Sacramone:

“A crise empresarial coloca em risco o patrimônio dos credores que poderão não ter seus créditos satisfeitos; dos empreendedores, que empregaram capital no desenvolvimento das atividades; dos consumidores, diante da perda da oferta dos produtos ou serviços disponibilizados pela empresa em crise no mercado; dos trabalhadores, eventualmente alijados de seus postos de trabalho por conta do fim da produção. A relevância desses interesses envolvidos na preservação da empresa exige a intervenção excepcional do Estado, [...] para assegurar que os interesses relevantes diretamente ligados ao exercício da atividade econômica sejam preservados” (SACRAMONE, 2023, p.127, grifo nosso).

Todavia, em algumas situações determinadas, as pessoas inferem em práticas ilícitas com o intuito de fugir de suas responsabilidades, causando prejuízos a terceiros – são essas práticas as tipificadas como crime falimentar pela Lei de Falência e Recuperação Judicial1.

Por desiderato, a natureza dos crimes falimentares encontra divergências doutrinárias, uma vez que existem autores que os tratam de crime contra o patrimônio enquanto outros levantam a tese de serem crimes contra a fé pública ou contra atividade empresarial.

Em complemento, a legislação brasileira2 não trouxe um conceito para os crimes em análise, mas o que existe são as condutas tipificados como delitos falimentares.

In adstrito, a terminologia de crime falimentar foi substituída, com a nova lei de falência e recuperação judicial, por disposições penais, pois a falência não é a única condição de punibilidade, enquadrando-se também, a recuperação judicial e extrajudicial por determinação do art. 803 da LFR.

De maneira geral, pode-se afirmar que os crimes falimentares têm por objetivo tutelar a massa de credores, visando a instigar a integridade da administração da massa falida, a correção da conduta das pessoas ligadas, direta ou indiretamente, ao evento falência, tais como o devedor ou falido, o curador, o perito, o leiloeiro, enfim; e assegurar um apropriado processamento das medidas aplicáveis à falência e à recuperação, antes, durante e após o reconhecimento judicial.

Logo, essas condutas antijurídicas podem ser conceituadas como atos previstos em lei, praticados pelo empresário ou pela sociedade empresária antes da decretação da falência, recuperação judicial ou extrajudicial, com a finalidade de fraudar credores.

Ou seja, e o crime falimentar é um ilícito penal imediatamente contra o patrimônio (teoria mais difundida e predominante), de tal sorte que o bem jurídico tutelado é justamente o patrimônio dos credores, muito embora se reconheça que em um segundo momento eles possuem natureza pública, gerando instabilidade do crédito público e da economia pública.

Por conseguinte, são crimes falimentares (em acordo a LRF) a fraude a credores4, a violação de sigilo empresarial5, a divulgação de informações falsas6, a indução ao erro7, o favorecimento de credores8, o desvio a ocultação ou apropriação de bens9, a aquisição o recebimento ou uso ilegal de bens10, a habilitação ilegal de crédito11, o exercício ilegal de atividade12, a violação de impedimento13 e a omissão de documentos contábeis14.

Neste contexto, ensina Trajano de Miranda:

“Adere à concepção de que tradicionais figuras, sobretudo da pretensa falência culposa, exprimem crimes de dolo de perigo. Representam conduta incriminável, pelo risco de, vindo a ocorrer a falência, serem manifestamente danosos aos credores. Irrelevante é que, de qualquer desses atos, condicionalmente perigosos, decorra a falência, como o efeito da causa. O prejuízo dos credores, determinável por eles, é inerente à sua prática, quer haja tal decorrência, quer seja mesmo casual a insolvência. É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento vale tanto quanto querê-lo; ainda que sem interesse nele, o agente o ratifica ex ante; presta anuência ao seu advento” (VALVERDE, 1955, p. 83, grifo nosso).

Assim, tais delitos encontram-se previstos nos art. 168 a art. 178 da Lei nº 11.101/2005, podendo ser praticados tanto pelo devedor, quanto por terceiros15, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, conforme disciplinado pelo art. 16816 , caput c/c art. 17717 da LRF.

Neste esteio, fundamental ressaltar que não há crime falimentar sem a referida sentença que decreta a falência ou concede a recuperação, o que não quer dizer que o agente não possa praticar crime antes da sentença, mas que essa sentença é necessária à configuração do crime.

Em mesma monta, pondera Valdinei Coimbra:

“Contudo, não é necessário que haja o trânsito em julgado da sentença declaratória de falência, ou concessiva de recuperação judicial ou extrajudicial. Já basta, desta forma, que seja uma decisão, ainda em 1.º Grau, para que se caracterize crime falimentar alguma das condutas descritas alhures; podendo, ainda, ser cabível eventual recurso” (COIMBRA, 2011, grifo nosso)

Outrossim, a configuração do crime falimentar necessita da presença de três requisitos, quais sejam: a existência de um devedor empresário ou sociedade empresária necessita, tenha sido proferida uma sentença declaratória de falência, ou que tenha concedido a recuperação judicial ou extrajudicial e a ocorrência de fatos e atos provenientes de culpa constantes na lei de falência. 

Por fim, assevera-se que o elemento subjetivo destes tipos penais se emerge pelo dolo ou culpa, sendo que a ausência de um dele, exclui qualquer punição.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COIMBRA, V. C. Os crimes falimentares na nova Lei de Falências (Lei nº 11.101/05). Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 658, 26 abr. 2005. Acesso em: 25 de maio de 2011.

SACARAMONE, M.B. Manual de direito empresarial. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.

VALVERDE, T. J. Comentários à lei de falências. Rio de Janeiro: Forense, 1955.


  1. Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

  2. Há também tal divergência em relação aos crimes tipificados na Lei Federal de Recuperação de Empresas, pois de todos os tipos penais previsto, é possível identificar que alguns deles se aproximam dos crimes Contra o Patrimônio, já outros podem ser considerados como crimes contra a Administração da Justiça, e já outros, contra a fé pública.

  3. Art. 80. Considerar-se-ão habilitados os créditos remanescentes da recuperação judicial, quando definitivamente incluídos no quadro-geral de credores, tendo prosseguimento as habilitações que estejam em curso.

  4. Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.

  5. Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira.

  6. Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem.

  7. Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembleia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial.

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  8. Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais.

  9. Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa.

  10. Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use.

  11. Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado.

  12. Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei.

  13. Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos.

  14. Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

  15. Contadores, técnicos, auditores, juiz, representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, avaliador, escrivão, oficial de justiça, leiloeiro, entre outros.

  16. Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

  17. Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

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