Todos os meus irmãos concordam em deixar a herança só para mim. Como fazer isso? Cessão de Direitos Hereditários ou Renúncia?

23/10/2024 às 18:06

Resumo:


  • A transmissão patrimonial por falecimento cria um condomínio entre os herdeiros, chamado de Comunhão Hereditária.

  • A partilha põe fim ao estado de indivisão dos bens herdados, permitindo diferentes desfechos no inventário.

  • Os herdeiros podem renunciar à herança ou ceder seus direitos hereditários, sendo a renúncia isenta de impostos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

VIA DE REGRA a transmissão patrimonial que ocorre com o falecimento do proprietário dos bens em favor dos seus herdeiros emula a criação de um "condomínio" entre todos esses destinatários de modo que todos eles terão uma cota igualitária naquele conjunto. É o que a doutrina especializada chama de "Comunhão Hereditária". Não por outra razão a Lei é impecável ao falar em "todo unitário", indivisibilidade e aplicação das regras relativas ao condomínio enquanto não chegarmos à PARTILHA:

"Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio".

O ilustre professor e Advogado, Dr. LUIZ PAULO VIEIRA DE CARVALHO em sua irretocável obra sobre o assunto (Direito das Sucessões. 2019) assim esclarece:

"Com a abertura da sucessão, como visto alhures, havendo mais de um herdeiro legal ou testamentário, de vez que a herança transfere-se como UM TODO UNITÁRIO, instaura-se a COMUNHÃO HEREDITÁRIA entre eles, através de CONDOMÍNIO SUCESSÓRIO e FORÇADO, bem como a COMPOSSE dos bens que compõem a herança (arts. 1.791, 1.314 e 1.199, todos do CC), de vez que, antes da partilha (arts. 2.013 e ss. do CC e arts. 1.022 e ss. do CPC), não há como se determinar e individuar os bens que tocarão a cada um deles".

Com efeito, é a partilha que põe fim ao estado de indivisão dos bens que o morto, por Lei, transfere para seu herdeiros observando a ordem de vocação hereditária estampada no art. 1.829 do Códex. É importante saber, todavia, que a partilha igualitária é apenas um dos resultados possíveis para o desfecho num Inventário seja ele JUDICIAL ou EXTRAJUDICIAL. Na verdade, como sempre falamos, manter todos os bens em condomínio não costuma ser uma boa ideia, especialmente entre familiares...

Não é incomum que os herdeiros queiram abrir mão da herança ou mesmo vendê-la ou doá-la, seja em favor de outro herdeiro, seja em favor de estranhos. Para tais situações a Lei apresenta dois remédios: RENÚNCIA e CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS.

A renúncia vem delineada no artigo 1.806 e seguintes do Código Civil. Basicamente ela deve ser manifestada por Instrumento Público (ESCRITURA PÚBLICA, em qualquer Cartório de Notas) ou Termo Judicial (e aqui já devemos compreender que só terá lugar o Termo Judicial se estivermos falando de Inventário Judicial). A renúncia, diferentemente da Cessão de Direitos, não deve direcionar a cota hereditária repudiada em favor de alguém especificamente, mas sim ao MONTE. Essa é a verdadeira Renúncia (também chamada de Renúncia Pura). Há quem defenda existir a "Renúncia Translativa" que na verdade traveste uma Cessão de Direitos Hereditários. Nesse aspecto aplaudimos a regra do art. 382 do atual Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro que alerta:

"Art. 382. A renúncia de direitos hereditários somente pode ser feita de forma pura e simples em favor do monte-mor.

§ 1º. A renúncia em que se indique beneficiário constitui cessão de direitos hereditários e deverá observar a forma prevista para este ato, seja a título gratuito ou oneroso".

Outro ponto que merece destaque é que na renúncia não se paga imposto, diferentemente da Cessão de Direitos Hereditários (onde o imposto pode ser o ITCMD ou ITD no caso de Cessão Gratuita - uma verdadeira doação do Direito Hereditário - ou ITBI no caso de Cessão Onerosa - uma verdadeira venda do Direito Hereditário). De se observar por importante: se a renúncia representa repúdio, não deve haver mesmo imposto por recebimento de herança e com muito mais razão, imposto por transmissão já que não se está transmitindo algo recebido: se está apenas repudiando, repelindo, rejeitando. Na Cessão de Direitos Hereditários primeiro se recebe/aceita a herança (e aqui temos um fato gerador) para depois manifestar a transmissão em favor de outrem (então mais um fato gerador). Tanto a Cessão de Direitos (que tem regras claras a partir do art. 1.793 do Código Civil) quanto a Renúncia (seja à herança, seja à meação) não devem ser manifestadas antes da ocorrência do falecimento do autor da herança - ainda que alguns Códigos de Normas Extrajudiciais admitam curiosamente, ao arrepio do art. 426 do Código Civil, essa aberração - como acontece lamentavelmente no § 3º do art. 390 do mesmo Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro:

"§ 3º. A cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia".

Importa destacar que recentemente por ocasião do Boletim "Jurisprudência em Teses" nº. 243 do STJ foram apresentadas as seguintes teses:

"7. É nula a disposição sobre renúncia a futuro direito hereditário.

8. Não é possível renúncia à herança de pessoa viva, pois esta pressupõe abertura da sucessão e só pode ser realizada por aqueles que ostentam condição de herdeiro".

Dessa forma, pode ser plenamente possível abrir mão da herança através da RENÚNCIA ou ainda, vendê-la ou doá-la, conforme o caso, através da CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, conforme as peculiaridades do caso e anseio dos envolvidos, desde que observadas as regras aplicáveis a cada recurso que a Lei disponibiliza, não devendo descurar de uma regra importante também trazida pelo Código que trata da Aceitação Tácita (que é também irrevogável, como a renúncia, cf. art. 1.812): é que depois de manifestados atos próprios de herdeiros já não se poderá falar em renúncia. Ora, quem aceita a herança (e isso pode ser feito tanto de forma expressa como tácita, por atos próprios de herdeiro que não repudia a herança) não pode posteriormente renunciar a tal direito. Nesse sentido a jurisprudência mineira, indecotável:

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"TJMG. 20747832320228130000. J. em: 06/10/2022. AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO SUCESSÓRIO - ABERTURA DE INVENTÁRIO - PEDIDO DE ABERTURA DE INVENTÁRIO E HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS - ACEITAÇÃO TÁCITA DA HERANÇA - RENÚNCIA POSTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Ocorrendo o requerimento da abertura de inventário pelos herdeiros, bem como a prática de atos referentes à partilha, evidencia-se a presença de aceitação tácita da herança do de cujus. 2. A renúncia só é possível na hipótese do herdeiro manifestar seu interesse em renunciar à herança anteriormente à prática de atos no inventário incompatíveis com a renúncia. 2. Uma vez aceita a herança de forma tácita, através da prática de atos que denotem esse intento, não se admite retratação. Inteligência do art. 1.812, do Código Civil. Precedente".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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