Do seguro obrigatório para proteção de vítimas de acidentes de trânsito (SPVAT) - análises preliminares da Lei Complementar n. 207/2024.

23/10/2024 às 17:34

Resumo:


  • A Lei Complementar n. 207, publicada em 16 de maio de 2024, instituiu o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), substituindo o extinto DPVAT.

  • O SPVAT garante indenizações por danos pessoais relativos a acidentes de trânsito causados por veículos automotores em vias terrestres, sendo de contratação obrigatória por todos os proprietários de veículos automotores.

  • O pagamento das indenizações do SPVAT é efetuado mediante simples prova do acidente e do dano dele decorrente, independentemente da existência de dolo ou culpa, e o valor da indenização será calculado de acordo com a incapacidade da vítima, conforme estabelecido pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

INTRODUÇÃO.

A Lei Complementar n. 207, cercada de muita polêmica, foi publicada no dia 16 de maio de 2024, instituindo o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), em substituição ao extinto DPVAT.

DPVAT era o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores, um seguro obrigatório a todo proprietário de veículos automotivos, que garantia assistência financeira a vítimas de acidentes de trânsito, tais como despesas médicas, invalidez permanente e morte. 

Previsto na Lei n. 6.194/1974 – hoje revogada – o DPVAT era cobrado anualmente de todos os donos de veículos terrestres, tais como motocicletas, automóvel particular, táxi e carro de aluguel, ônibus, micro-ônibus e lotação com cobrança de frete, junto com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). O valor variava conforme o tipo de veículo e era corrigido anualmente.

O seguro DPVAT foi instituído com o fito de compensar uma externalidade negativa causada pelos proprietários de veículos, representada pelas vítimas dos acidentes de trânsito. 

O DPVAT parou de ser cobrado em 2020. Em 2024, ele foi recriado pela Lei Complementar n. 207, passando a se chamar SPVAT (Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito). 

O presente ensaio tem por objetivo fazer uma análise da nova lei, em cotejo com a legislação anterior. Evidentemente que a jurisprudência que existe em torno da matéria foi criada na égide da lei revogada, e será inserida aqui como referência histórica.

I. GENERALIDADES.

A LCp 207, de 16 de maio de 2024, passa a regular o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), em substituição ao extinto DPVAT, entrando em vigor na data da sua publicação (art. 29), revogando a antiga Lei do DPVAT – Lei n. 6.194, de 19 de dezembro de 1974 – (art. 28, I).

A finalidade do SPVAT, conforme § 1º do art. 1º, é de garantir indenizações por danos pessoais relativos a acidentes ocorridos no território nacional em vias públicas urbanas ou rurais, pavimentadas ou não, causados por veículos automotores de vias terrestres, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não, bem como a seus beneficiários ou dependentes.

O SPVAT é um seguro impositivo, pois é de contratação obrigatória por todos os proprietários de veículos automotores de vias terrestres, como determinando pelo § 2º do art. 1º, sendo comprovado com o simples pagamento do prêmio, não havendo a necessidade de emissão de bilhete ou apólice de seguro.

Na definição do § 3º do art. 1º, são considerados veículos automotores, para efeitos da LCp 207, todos os veículos dotados de motor de propulsão que circulam em vias terrestres por seus próprios meios e que são utilizados para o transporte viário de pessoas e cargas ou para a tração viária de veículos utilizados para esses fins, sujeito a registro e a licenciamento perante os órgãos de trânsito.

Pelo § 4º, a configuração ou o reconhecimento do evento ensejador das indenizações de que trata a LCp 207 como acidente do trabalho não afasta a cobertura do SPVAT, situação que já era reconhecida pelo STJ, em relação ao DPVAT1.

Serão aplicadas ao SPVAT, subsidiariamente, as normas previstas no Código Civil, no que não conflitarem com as disposições da LCp 207 (art. 21, § 2º).

Mas, não serão aplicadas às operações do SPVAT e ao agente operador, as disposições do Código de Defesa do Consumidor, por vedação expressa do art. 21, caput.

II. DA VIGÊNCIA E DA COBERTURA.

A vigência do SPVAT corresponde ao ano civil, com início em 1º de janeiro e encerramento em 31 de dezembro do mesmo ano (art. 2º, primeira parte).

A cobertura do SPVAT, conforme o art. 2º, segunda parte, abrange:

i. indenização por morte;

ii. indenização por invalidez permanente, total ou parcial, assim considerados, pelo § 2º, a perda, a redução ou a impotência funcional definitiva, total ou parcial, de membro ou órgão, apurada após o término do tratamento cabível.

iii. reembolso de despesas com:

iii.a) assistências médicas e suplementares, inclusive fisioterapia, medicamentos, equipamentos ortopédicos, órteses, próteses e outras medidas terapêuticas, desde que não estejam disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Município de residência da vítima do acidente;

iii.b) serviços funerários;

iii.c) reabilitação profissional para vítimas de acidentes que resultem em invalidez parcial.

Os valores das indenizações referentes aos itens cobertos pelo SPVAT serão estabelecidos pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).

O pagamento da indenização do SPVAT, na forma do § 3º, será efetuado em favor:

i. do cônjuge ou da pessoa a ele equiparada e aos herdeiros da vítima, na forma disposta no art. 792 do Código Civil, no caso de cobertura por morte e de reembolso de despesas com serviços funerários; ou

ii. da vítima do acidente de trânsito, nos demais casos.

No caso de invalidez permanente, o art. 2º, § 4º, determina que o valor da indenização será calculado a partir da aplicação do percentual correspondente à incapacidade que houver sobrevindo à vítima, conforme estabelecido pelo CNSP. Isso significa que se a invalidez for parcial, o beneficiário receberá o benefício de maneira proporcional

Assim, quando a invalidez é permanente e total, fará jus o beneficiário à integralidade do benefício concedido. Mas, quando a invalidez permanente for parcial, o benefício a ser concedido também deverá ser parcial, na mesma proporção da invalidez. Assim, apurada uma invalidez parcial de 40%, receberá um benefício equivalente a 40% do valor total previsto.

Na vigência da extinta Lei do DPVAT, o STJ firmou entendimento de que em caso de invalidez parcial, o pagamento do seguro DPVAT deve observar a respectiva proporcionalidade2, e que é válida a utilização de tabela para redução proporcional da indenização a ser paga por seguro DPVAT, em situações de invalidez parcial3, sumulando a questão à seguinte forma:

STJ, súmula 474. A indenização do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial do beneficiário, será paga de forma proporcional ao grau da invalidez.

STJ, súmula 544. É válida a utilização de tabela do Conselho Nacional de Seguros Privados para estabelecer a proporcionalidade da indenização do seguro DPVAT ao grau de invalidez também na hipótese de sinistro anterior a 16/12/2008, data da entrada em vigor da Medida Provisória n. 451/2008.

No caso de vir a ocorrer a morte da vítima em decorrência do mesmo acidente que tiver ensejado o pagamento de indenização por invalidez permanente, o beneficiário poderá receber a diferença entre os valores de indenização, se houver.

Em se tratando de reembolso de despesas, a cobertura será disciplinada pelo CNSP, que disporá sobre os valores máximos e as despesas reembolsáveis, as quais não estarão cobertas:

i. quando forem cobertas por outros seguros e planos privados de assistência à saúde, ressalvada eventual parcela não coberta por estes;

ii. quando não houver a especificação individual, inclusive quanto aos seus valores, pelo prestador de serviço na nota fiscal e no relatório que a acompanha;

iii. quando o atendimento da vítima for realizado pelo SUS, sob pena de descredenciamento do estabelecimento de saúde, sem prejuízo das demais penalidades previstas em lei.

Em nenhuma hipótese será permitida a cessão do direito ao recebimento da indenização do SPVAT.

Da indenização.

Qualquer indenização decorrente da LCp 207 é devida simplesmente por conta do acidente. Esse seguro surgiu exatamente para cobrir os riscos que a circulação de veículos automotores traz.

STJ, jurisprudência em teses, edição 8. 2) O fato gerador da cobertura do seguro obrigatório (DPVAT) é o acidente causador de dano pessoal provocado por veículo automotor terrestre ou por sua carga, em movimento ou não.

Por isso mesmo que o art. 3º, caput, estabelece que o pagamento da indenização do SPVAT será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano dele decorrente, independentemente da existência de dolo ou culpa.

A responsabilidade, aqui, é contratual, decorrente do contrato de seguro, cuja cobertura implica tão somente na ocorrência do sinistro. Para fazer jus ao recebimento da indenização, basta a vítima ou o beneficiário fazer prova do acidente e do dano dele resultante.

Não se discute culpa, que é irrelevante para o desiderato.

O pagamento se fará, mesmo que o proprietário do veículo não venha pago o prêmio do seguro, ou que o veículo não tenha sido identificado. O § 1º do art. 3º, prevê que, sem prejuízo das sanções cabíveis pelo não pagamento do prêmio, a indenização do SPVAT será devida ainda que no acidente estejam envolvidos veículos não identificados ou inadimplentes com o seguro.

Na égide da Lei revogada do DPVAT, surgiu uma discussão judicial para estabelecer se a falta do pagamento do prêmio por parte do proprietário do veículo impediria ou não o recebimento da indenização pela vítima. E a resposta dada pelo STJ foi negativa: A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório do DPVAT não é motivo para a recusa do pagamento da indenização.

O fundamento principal é de o DPVAT é seguro de caráter social, que visa indenizar as vítimas de acidente de trânsito, mediante simples prova do acidente e do dano dele decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado. Do mesmo modo, sabe-se o Seguro DPVAT tinha sua gênese na orientação universal de que certas relações jurídicas devem ser regidas pelo princípio da solidariedade. A sua finalidade precípua é a de auxiliar as vítimas de acidentes de trânsito, independentemente de quem seja o culpado pelos acidentes, fundamentado no princípio do mutualismo.

Por conta disso, sumulou-se a questão à seguinte forma:

STJ, súmula 257. A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização.

O Superior Tribunal de Justiça possui, inclusive, entendimento consolidado no sentido de que a falta de pagamento do prêmio não impossibilita o recebimento de indenização por seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores, ainda que o proprietário do veículo seja a vítima do acidente.4 

Aquela súmula foi convalidada pela novel LCp 207, art. 3º, § 1º.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Do pagamento da indenização.

De acordo com o § 2º do art. 3º, a indenização devida será paga com base no valor vigente na data da ocorrência do acidente, no prazo de até 30 (trinta) dias, contados do recebimento pela Caixa Econômica Federal (que é o agente operador do SPVAT) de todos os documentos exigidos, na forma estabelecida pelo CNSP.

Serão aceitos para fins de prova perante o agente operador do SPVAT os documentos assinados de forma eletrônica, desde que atendidos os requisitos da legislação específica e, no que couber, o disposto na Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020 (art. 3º, § 5º). No caso de morte, se não for comprovado o nexo de causa e efeito entre o acidente e a morte por meio da certidão de óbito, deverá ser acrescida, entre os documentos exigidos, a certidão de auto de necropsia, fornecida diretamente pelo Instituto Médico Legal, independentemente de requisição ou de autorização da autoridade policial ou da jurisdição do acidente (art. 3º, § 3º).

Ainda, de acordo com o § 2º do art. 3º, o pagamento se dará exclusivamente mediante crédito em conta, de titularidade da vítima ou do beneficiário, dos seguintes tipos:

i. conta bancária;

ii. conta de poupança;

iii. conta de pagamento; ou

iv. conta poupança social digital.

De nossa parte, entendemos que esse dispositivo que determina o depósito exclusivamente na conta da vítima ou do beneficiário, fere as prerrogativas do advogado, violando seus direitos, previstos no Estatuto da Advocacia (EAOAB), especialmente os arts. 2º, § 2º-A, 5º e 7º, II. Fere, igualmente, o disposto no CC, art. 653, que trata do mandato e da procuração.

É que a vítima ou o beneficiário pode querer contratar advogado para receber o SPVAT, administrativamente. É um direito dele e uma atribuição lícita da atividade da advocacia. Outorgando uma procuração ao advogado (CC, art. 653 + EAOAB, art. 5º), ele o constitui seu mandatário e bastante procurador, para em seu nome praticar atos e administrar interesses. Na qualidade de procurador, o advogado tem o direito de receber pessoalmente, em nome do mandante, o dinheiro da indenização, que pode ser depositada na sua própria conta bancária.

Por outro lado, a vítima ou beneficiário pode não ter nenhum tipo de conta bancária – e nem querer ter – não podendo ser compelida a tê-la apenas para receber a indenização securitária em tela. Isso viola o princípio da legalidade previsto na CF/1988, art. 5º, II, o que torna aquele dispositivo inconstitucional.

Os valores de indenização do SPVAT, na hipótese de não cumprimento do prazo para o pagamento previsto acima, sujeitam-se a atualização monetária de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou outro índice que o substitua, e a juros moratórios, com base em critérios estabelecidos pelo CNSP (art. 3º, § 4º).

Caso a indenização não seja paga administrativamente, sendo necessário buscar socorro no Poder Judiciário, haverá a incidência de juros de mora, contados a partir da citação. É que a obrigação da seguradora em pagar o DPVAT é contratual – ela decorre do contrato de seguro que mantém com o proprietário do veículo causador do acidente – e por essa razão, os juros de mora são devidos a partir da citação válida, que é o ato que lhe constitui em mora (CC, art. 405 + CPC, art. 240).

O STJ também sumulou esse tema, ainda na vigência da lei anterior:

Súmula 426. Os juros de mora na indenização do seguro DPVAT fluem a partir da citação.

A principal razão, aqui, é de que, não sendo a seguradora a causadora dos danos que ensejaram o pagamento do seguro, não há que se cogitar na aplicação de juros de mora contados desde a data do evento danoso.

A obrigação de indenizar decorrente do evento danoso, imputada a quem deu causa ao mesmo, não se confunde com a obrigação de pagar a importância segurada devida em razão do acidente, lastreada em contrato de seguro DPVAT.

Aquela súmula mantém sua validade em face da novel LCp 207, que em nada munda sua essência.

Da prescrição.

Prescrição é o fenômeno jurídico que acarreta a perda do direito de ação por conta de não sê-lo exercido dentro de um prazo fixado por lei. Ela se materializa na perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia de seu titular no decurso de certo período. Com isso, evita-se a perpetuação das certas relações jurídicas, que só poderão ser questionadas dentro do lapso temporal previsto em lei, estando regulada, principalmente, pelo Código Civil, que a prevê no art. 189.

A prescrição começa no mesmo momento em que ocorre a violação do direito e a sua ocorrência atinge a pretensão e não a exigibilidade, e tal como a decadência, são temas de direito material e não de direito processual. Em geral, a prescrição atinge a pretensão condenatória. Pretensões meramente declaratórias não prescrevem.

Consuma-se a prescrição com o decurso do prazo previsto em lei, sendo regulada pela lei em vigor no momento dessa consumação.

A prescrição é fato extintivo do direito do autor. O CPC, art. 487, II, menciona que, na ocorrência de prescrição, há a extinção do processo com resolução do mérito. A prescrição envolve o exame do mérito da ação, não sendo pressuposto processual ou condição da ação.

Trata-se de matéria que o juiz deve conhecer e pronunciar de ofício, consubstanciando matéria de ordem pública, e pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita (CC, art. 193).

Pelo art. 21, § 1º, a prescrição da pretensão ao recebimento de indenização do SPVAT reger-se-á pelo disposto no inciso IX do § 3º do art. 206 e no art. 206-A, todos do Código Civil. Dispõe o CC, art. 206, § 3º, que prescreve em três anos, a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

A prescrição é, portanto, de três anos.

Na vigência da extinta Lei do DPVAT, o STJ já havia sumulado o mesmo entendimento, apenas reproduzindo e aplicando o texto legal:

Súmula 405. A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos

Algumas outras importantes decisões do STJ, da época do DPVAT, mas que continuam validas em face da nova lei:

STJ, jurisprudência em teses, edição 6. 2) A ação de cobrança da complementação do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos a contar do pagamento feito a menor.

STJ, jurisprudência em teses, edição 6. 4) A verificação da data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral, para fins de contagem do prazo prescricional da ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT), demanda reexame fático-probatório, vedado em Recurso Especial.

STJ, jurisprudência em teses, edição 6. 5) O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo prescricional da ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) até que o segurado tenha ciência da decisão.

III. DO PRÊMIO.

Chama-se prêmio o valor a ser pago pela contratação do seguro. Aqui, é o valor que o proprietário do veículo pagará anualmente pelo seguro SPVAT.

O valor do prêmio anual do SPVAT, conforme dispõe o art. 4º:

i. terá como base de cálculo atuarial o valor global estimado para o pagamento das indenizações e das despesas relativas à operação do seguro, incluídas as despesas de que trata o § 1º do art. 6º da LCp 207;

ii. será de abrangência nacional e poderá ser diferenciado por categoria tarifária do veículo, conforme definido pelo CNSP.

O SPVAT é um seguro obrigatório, a que estão sujeitas quaisquer pessoas que sejam proprietárias de um veículo automotor. O pagamento será feito por veículo, e não por pessoa. Quem for proprietário de vários veículos deverá pagar o prêmio referente a cada um dos automóveis. A obrigação, no caso, é propter rem, como já assentou o STJ em relação ao DPVAT, mas que se mantém válido: a obrigação do seguro DPVAT seria propter rem (não dependente da vontade das partes, mas de obrigação legal anterior), ou seja, ele é imposto ao proprietário do veículo...5.

Como estabelece o art. 5º, caput, a quitação do prêmio do SPVAT constitui requisito essencial para o licenciamento anual, para a transferência de propriedade e para a baixa de registro de veículos automotores de vias terrestres. Tendo em vista que o seguro SPVAT é obrigatório para qualquer proprietário de veículo automotor, o não pagamento do prêmio vai acarretar uma série de sanções e restrições, tal como a proibição de efetuar o licenciamento do veículo ou de transferi-lo a terceiros, e para a baixa do registro do veículo no DETRAN.

Para fazer cumprir o disposto acima, o parágrafo único do art. 5º, dispõe que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) adotará medidas com vistas a garantir que veículos automotores de vias terrestres que não estiverem quites com o pagamento do prêmio do SPVAT não sejam licenciados nem possam circular em via pública ou fora dela.

Pelo art. 6º, a Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador do fundo mutualista (art. 7º), e os Estados, enquanto unidades da federação, poderão firmar convênio para realizar a cobrança do prêmio do SPVAT em conjunto com a taxa de licenciamento anual de veículo automotor de vias terrestres ou com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), observando-se o seguinte:

i. a título de restituição das despesas provenientes da sistemática de cobrança prevista no caput deste artigo, as unidades federativas que efetuarem a cobrança do prêmio do SPVAT farão jus a percentual do valor do prêmio recebido, a ser estabelecido em decreto do Presidente da República, limitado a, no máximo, 1% (art. 6º, § 1º);

ii. as unidades federativas repassarão ao fundo mutualista de que trata o art. 7º, até o segundo dia útil subsequente à arrecadação, os valores dos prêmios recebidos, descontado o valor de que trata o item anterior (art. 6º, § 2º);

iii. para a implementação do disposto no caput deste artigo, a formalização do convênio deverá ser realizada até 31 de agosto do ano civil anterior ao ano de início da cobrança do prêmio pela unidade federativa (art. 6º, § 3º);

iv. implementado o convênio, a arrecadação dos prêmios será realizada pela unidade federativa até que haja comunicação formal em sentido contrário ao agente operador, o que deverá ocorrer necessariamente até 31 de agosto do ano civil anterior à interrupção da arrecadação (art. 6º, § 4º).

IV. DO FUNDO MUTUALISTA.

O prêmio pago anualmente pelos proprietários de veículo automotores (art. 1º, § 2º + art. 4º) formará um fundo único, chamado pela lei de fundo mutualista.

O mutualismo representa a contribuição de várias pessoas, expostas aos mesmos tipos de risco (massa de segurados), para a formação de um fundo comum, composto pela soma dos prêmios pagos à seguradora. Na ocorrência de um sinistro, será este fundo comum e mútuo que suportará as perdas. Na essência, todos os participantes contribuem com um valor relativamente baixo, em relação ao bem segurado, para que a pessoa que tenha o prejuízo naquele período receba a indenização, baseado no princípio da solidariedade. E é por essa razão que não se discute culpa para a gerar a responsabilidade de pagar a indenização (art. 3º).

Como se vê do art. 7º, o SPVAT será coberto por fundo mutualista e terá como agente operador a Caixa Econômica Federal, à qual caberá especialmente:

i. criar e gerir fundo de natureza privada e sem personalidade jurídica, destinado a assegurar o pagamento das indenizações previstas na LCp 207;

ii. elaborar e apresentar o cálculo atuarial necessário à definição do valor dos prêmios do seguro pelo CNSP;

iii. cobrar os prêmios do seguro dos proprietários de veículos automotores de vias terrestres, exceto quando ocorrer a cobrança pela unidade federativa em que o veículo estiver licenciado, e comunicar sua quitação ao órgão máximo executivo de trânsito da União de que trata o art. 19 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro);

iv. recepcionar, processar e responder, preferencialmente por canal eletrônico próprio, os pedidos de indenização por danos pessoais diretamente decorrentes de acidente de trânsito provocado por veículo automotor de vias terrestres;

v. efetuar, no prazo de até 30 (trinta) dias, contados do recebimento de todos os documentos exigidos, na forma estabelecida pelo CNSP, (§ 2º do art. 3º), os pagamentos de indenização por danos pessoais diretamente decorrentes de acidente de trânsito provocado por veículo automotor de vias terrestres, quando os postulantes preencherem os requisitos exigidos;

vi. debitar os valores correspondentes à sua remuneração pelos serviços de operação do SPVAT do fundo mutualista, na forma estabelecida pelo CNSP;

viii. elaborar e encaminhar ao CNSP, anualmente, o relatório de administração sobre a operação do SPVAT;

viii. encaminhar ao CNSP, até 31 de março do exercício subsequente, as demonstrações financeiras de 31 de dezembro, acompanhadas de relatório de auditor independente sobre essas demonstrações;

ix. atender às diretrizes e às demais normas técnicas e operacionais do SPVAT estabelecidas em regulamentação;

x. fornecer ao CNSP e à Superintendência de Seguros Privados (Susep) os dados e as informações requeridos sobre a operação do SPVAT;

xi. disponibilizar, em seu sítio eletrônico, relatório anual com dados da operação do SPVAT, incluídos os indicadores de eficiência e de despesas da operação.

O patrimônio do fundo mutualista do SPVAT, nos termos do art. 9º:

i. será contábil, administrativa e financeiramente segregado, para todos os fins, do patrimônio do agente operador, de forma que, encerrados os seus ativos, não haverá qualquer outra obrigação a ser adimplida;

ii. será formado por:

ii.a) recursos oriundos dos pagamentos dos prêmios do seguro pelos proprietários de veículos automotores de vias terrestres;

ii.b) recursos oriundos do rendimento de suas aplicações financeiras;

ii.c) demais recursos recebidos direta ou indiretamente pelo fundo.

O fundo mutualista terá direitos e obrigações próprios, pelos quais responderá com seu patrimônio até o limite de seus bens e direitos, e o agente operador não responderá por quaisquer obrigações do fundo (art. 9º, § 1º) e o pagamento das indenizações do SPVAT ocorrerá até o limite do patrimônio do fundo (art. 9º, § 2º).

A Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador do SPVAT:

i. exercerá a representação judicial e extrajudicial do fundo mutualista e de toda a operação do SPVAT e será autorizado a realizar acordos, judicial ou extrajudicialmente, com vistas a resguardar os interesses do referido fundo (art. 7º, § 1º);

ii. deverá aprovar políticas e adotar medidas que assegurem a integridade, a segurança, a agilidade e a prevenção de fraudes no pagamento das indenizações do SPVAT (art. 7º, § 2º);

iii. deverá remunerar as pessoas por ele diretamente contratadas (art. 7º, § 3º);

iii.a) a remuneração será debitada dos valores correspondentes à sua remuneração pelos serviços de operação do SPVAT do fundo mutualista, na forma estabelecida pelo CNSP, sem onerar diretamente os recursos do fundo mutualista.

iii.b) no caso de contratação de pessoa jurídica para prestar de forma terceirizada serviço de sua responsabilidade relacionado à operação do SPVAT, poderá efetuar o pagamento pelo referido serviço com recursos debitados diretamente do fundo mutualista, desde que (art. 7º, § 4º):

iii.b.1. o serviço seja caracterizado como despesa relacionada diretamente à regulação de sinistro;

iii.b.2. o serviço tenha cobrança variável por número de atendimentos prestados; e

iii.b.3. a cobrança diretamente do fundo tenha especificação detalhada na metodologia de remuneração do agente operador de que trata o art. 8º.

iv. fara o pagamento das indenizações e das despesas relacionadas ao SPVAT à conta e no limite dos recursos disponíveis no fundo mutualista (§ 5º).

Pelos serviços de operação do SPVAT, a Caixa Econômica Federal será remunerada de acordo com a metodologia por ela proposta e aprovada pelo CNSP (art. 8º), sendo que:

i. o CNSP poderá dispor sobre os serviços a serem prestados pela Caixa Econômica Federal quanto às diretrizes de atuação, às responsabilidades, à metodologia e à forma de remuneração (§ 1º);

ii. à Caixa Econômica Federal cabe contratar, conforme necessidade, pessoas jurídicas com o objetivo de auxiliar no desempenho de suas atividades relacionadas ao SPVAT, incluindo pessoas jurídicas especializadas em recepcionar, processar e enviar documentos necessários ao atendimento dos pedidos de indenização de que trata o inciso IV do caput do art. 7º (§ 2º).

Na gestão dos recursos do fundo mutualista do SPVAT, a Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador deverá, por força do art. 10:

i. observar os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez, diversificação, transparência e adequação à natureza de suas obrigações;

ii. exercer suas atividades com boa-fé, lealdade e diligência;

iii. zelar por elevados padrões éticos;

iv. adotar práticas que visem a garantir o cumprimento de suas obrigações, considerada sua política de investimentos e observados as modalidades, os segmentos, os limites e os demais critérios e requisitos estabelecidos pelo CNSP;

v. observar os aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos;

vi. observar as demais diretrizes e determinações expedidas pelo CNSP

V. DA GOVERNANÇA E DA FISCALIZAÇÃO.

O CNSP é o órgão responsável pela governança do fundo mutualista do SPVAT. A ele compete, conforme art. 11:

Art. 11. São competências do CNSP, como órgão de governança do, entre outras:

I - examinar, anualmente, as contas relativas à gestão dos recursos do fundo e deliberar sobre as demonstrações financeiras e sobre o relatório de administração apresentados pelo agente operador;

II - estabelecer e divulgar os valores anuais dos prêmios do SPVAT até o último dia útil do ano anterior ao do pagamento, com base em estudo atuarial apresentado pelo agente operador;

III - estabelecer as datas de vencimento anual dos prêmios do SPVAT;

IV - estabelecer regulamentação, diretrizes, regras e responsabilidades sobre a operacionalização do SPVAT e sobre outros aspectos que exijam regulamentação;

V - estabelecer diretrizes e normas necessárias ao funcionamento do fundo;

VI - deliberar sobre fusão, incorporação, cisão, transformação, dissolução ou liquidação do fundo.

Essa relação é meramente exemplificativa, não excluindo ou

Parágrafo único. Não compete ao CNSP a revisão administrativa das decisões proferidas pelo agente operador e relacionadas à operação do SPVAT.

Art. 12. Compete à Susep:

I - prestar assessoramento técnico ao CNSP relativamente às matérias de sua competência;

II - propor medidas para deliberação do CNSP relativas à operação do seguro SPVAT e ao funcionamento do fundo mutualista;

III - fiscalizar as operações do fundo mutualista do SPVAT, nos termos estabelecidos pelo CNSP. 

VI. DAS NORMAS CONTÁBEIS E DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS 

Art. 13. O fundo mutualista do SPVAT terá escrituração contábil em conformidade com as normas brasileiras de contabilidade aplicáveis, destacada da escrituração relativa ao agente operador.

Parágrafo único. O exercício social do fundo mutualista compreende o período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada ano.

Art. 14. O agente operador elaborará as demonstrações financeiras do fundo mutualista do SPVAT na data-base de 31 de dezembro, acompanhadas de relatório de auditor independente.

Parágrafo único. O CNSP disporá sobre as demonstrações financeiras de que trata o caput deste artigo.  

VII. DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS 

Art. 15. As indenizações do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou não (DPVAT) referentes a acidentes ocorridos durante o período de vigência da Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974 (Lei do DPVAT), permanecerão por ela regidas, considerada a regulamentação complementar aplicável.

Art. 16. Os ativos, os passivos, os direitos, os deveres e as obrigações do Fundo do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou não (FDPVAT), atualmente administrado pela Caixa Econômica Federal, serão transferidos automaticamente para o fundo mutualista do SPVAT.

Art. 17. Os prêmios do SPVAT poderão ser estabelecidos com vistas ao equacionamento de eventual déficit do DPVAT referente a sinistros ocorridos até 31 de dezembro de 2023, nos termos da regulamentação do CNSP.

Parágrafo único. Os valores de que trata o caput deste artigo serão destinados a pagamento de indenizações, incluídas as decorrentes de ações judiciais posteriormente ajuizadas, bem como a provisionamento técnico e a despesas de liquidação de sinistros e de administração do DPVAT, observada a regulamentação do CNSP.

Art. 18. As indenizações decorrentes de acidentes ocorridos entre 1º de janeiro de 2024 e a data de início de vigência desta Lei Complementar serão também cobertas pelo SPVAT com vigência no ano civil de 2024 com base nas coberturas e nos valores aplicáveis a este exercício.

Parágrafo único. Aos casos previstos no caput deste artigo, aplicar-se-ão as disposições desta Lei Complementar e da regulamentação complementar a ser expedida.

Art. 19. Os pagamentos das indenizações previstas nesta Lei Complementar para os acidentes ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2024 e os pagamentos das indenizações do DPVAT referentes a acidentes ocorridos entre 15 de novembro de 2023 e 31 de dezembro de 2023 serão iniciados somente após a implementação e a efetivação de arrecadação de recursos ao fundo mutualista do SPVAT.

Parágrafo único. O CNSP estabelecerá critérios para a retomada dos procedimentos de recepção, de processamento e de pagamento dos pedidos de indenização de que trata o caput deste artigo pelo agente operador.

Art. 20. (VETADO).

Art. 22. Aos Municípios e aos Estados onde houver serviço municipal ou metropolitano de transporte público coletivo serão repassados de 35% (trinta e cinco por cento) a 40% (quarenta por cento) do montante do valor arrecadado do prêmio do SPVAT, nos termos do regulamento.


  1. REsp 1.245.817.

  2. AgRg no Ag 1341965-MT.

  3. REsp 1101572-RS.

  4. AgInt no REsp 1827316-PR.

  5. REsp 436.201.

Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Código Civil comentado [em 3 vols], Manual de Direito do Consumidor, Direitos da pessoa com câncer, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos