CNJ, the mothership dos predadores de toga

25/10/2024 às 09:38
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Durante quatro anos, entre 2014 e 2018, todos vimos como o CNJ protegeu vergonhosamente Sérgio Moro enquanto ele destroçava os princípios constitucionais do Direito Penal para poder transformar a prisão temporária num instrumento de tortura. O juiz da Lava Jato criminalizou a política, fez acordos nos EUA sem ter competência para isso, ampliou sua própria competência para perseguir Lula e utilizou o cargo para construir uma carreira política ao lado de Jair Bolsonaro. Após o escândalo da Vaza Jato dificilmente alguém pode negar que Sérgio Moro protegeu FHC e conspirou ativamente com Deltan Dellagnol para condenar Lula. 

Pouco antes da eleição de 2018, Moro vazou o áudio do grampo criminoso imposto à presidenta Dilma Roussef. Muitos suspeitam que ele trocou a interferência na eleição em favor de Bolsonaro pelo Ministério da Justiça. O avanço da barbárie judiciária não foi interrompido pelo CNJ, pois aquele órgão arquivou diversas representações contra Moro dando a ele carta branca para fazer o que bem entendesse. 

Criado para controlar as atividades dos juízes, o CNJ foi rapidamente capturado pelos interesses obscuros de uma casta que se coloca acima da Lei e utiliza o órgão para normalizar todo tipo de abuso financeiro cometido pelos Tribunais. Salários acima do teto são tolerados. Penduricalhos abaixo da moralidade são legitimados e até criados pelo CNJ. 

A norma legal que obriga os juízes a proferir decisões em 10 dias mediante provocação (art. 143, parágrafo único, do CPC) foi na prática jogada no lixo. Ao julgar representações, o CNJ criou inúmeros precedentes flexibilizando a aplicação da Lei. Eis alguns deles: 

RECURSO ADMINISTRATIVO. REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO. COMPLEXIDADE DA CAUSA. AUSÊNCIA DE MOROSIDADE INJUSTIFICADA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Representação por Excesso de Prazo autuada em 15/09/2015. Recurso Administrativo concluso ao Gabinete em 29/10/2015.

2. Cinge-se o procedimento a apurar suposta morosidade injustificada na tramitação de processo perante a 19ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ.

3. Dada a complexidade da causa, em virtude de se tratar de processo com sete partes, sendo Réus a União e o Estado do Rio de Janeiro, bem como de haver dúvida com relação ao efetivo julgamento de um dos recursos interpostos pela União, não há falar, na espécie, em morosidade injustificada.

4. Recurso Administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em REP - Representação por Excesso de Prazo - 0004399-77.2015.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - 11ª Sessão Virtual - julgado em 26/04/2016) 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUIZ TITULAR E MOROSIDADE PROCESSUAL. INTERESSE MERAMENTE INDIVIDUAL. REVISÃO DE ATO JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE ARQUIVAMENTO SUMÁRIO.

1. Incidência, in casu, do Enunciado Administrativo n. 17, emanado deste Conselho Nacional de Justiça, segundo o qual "não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria."

2. Ainda que eventualmente superada a questão do interesse meramente individual, os fatos narrados neste expediente denotam que qualquer providência afeta ao CNJ demandaria o reexame de matéria eminentemente jurisdicional. Assim, devem as partes valerem-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

3. No caso em análise, não foi constatado excesso injustificado de prazo para a prática de ato de competência jurisdicional ou administrativa que teria o condão de convolar o feito para a classe processual destinada a tal apuração - a Representação por Excesso de Prazo – REP, prevista no art. 78 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça e 21 do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça (Portaria n. 54/2022).

4. Recurso administrativo não provido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0005116-11.2023.2.00.0000 - Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO - 5ª Sessão Virtual de 2024 - julgado em 12/04/2024) 

Na prática, os juízes estaduais e federais nem se dão mais ao trabalho de tentar cumprir suas obrigações funcionais dentro dos prazos legais. Alguns deles ficam sentados nos processos por meses até despachar ou proferir sentença. Quando alguma reclamação consegue furar o bloqueio da jurisprudência do CNJ, o juiz poderá sempre alegar acumulo de trabalho ou ausência de funcionários no respectivo cartório. 

O CNJ somente se movimenta realmente contra algum juiz quando o caso se torna escandaloso demais despertando atenção da imprensa. Mas para cada processo administrativo julgado com o devido rigor uma infinidade de outros são descartados na lata do lixo como se os cidadãos e advogados não tivessem direito de questionar abusos evidentes cometidos pelos membros do Poder Judiciário. 

De maneira geral, costumo dizer que no Brasil existem uma quantidade imensa de juízes predadores e a missão do CNJ tem sido agir como a mothership dos predadores de toga. Os princípios aplicados pelo órgão comandado por Luís Barroso ao editar resoluções nos últimos meses parecem ser aqueles que orientaram a atuação de Sérgio Moro no auge da Lava Jato. 

“Tá tudo dominado, mano.

É nós na fita, maluco.

Essa boca é nossa, porra.” 

A última norma baixada pelo CNJ reflete bem a vocação neoliberal do órgão. Além de proteger juízes, agora o CNJ se esforça para criminalizar a advocacia. Isso foi feito através da nova resolução aprovada pelo órgão sem qualquer debate série com a OAB e associações de advogados. 

Em primeiro lugar devo dizer aqui que não é possível discutir o tema da litigância predatória esquecendo o fato de que todos os agentes processuais têm obrigações que devem ser respeitadas.

No Brasil, diversas regras do Código de Processo Civil obrigam os atores processuais a preservar a boa-fé. Abaixo citarei alguns deles total ou parcialmente com o devido destaque. 

“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.” 

“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;” 

“Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;” 

“Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal , serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:

§ 1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.” 

Citei aqui o art. 1029, do CPC, porque o advogado não pode inventar um precedente adulterando o conteúdo de Acórdão. Além destas regras processuais existem outras que incidem diretamente sobre a atuação dos juízes, membros do Ministério Público e advogados. 

No caso dos juízes, eles tem o dever funcional de “cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício” (art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura). Os membros do Ministério Público devem “zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções” e “indicar os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos processuais, elaborando relatório em sua manifestação final ou recursal” (art. 43, II e III, da Lei 8.625/93). Ainda no caso dos juízes e membros do MP, nunca é demais lembrar que eles também estão sujeitos ao crime de abuso de autoridade (art. 2º, IV e V, da Lei 13.869/2019). 

Os advogados, por sua vez, cometem infração disciplinar ao “advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior” e “deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa” (art. 34, VI e XIV, da Lei 8.906/1994). Os advogados podem também responder pelo crime de falsificação de documentos (art. 304, do Código Penal), sendo desnecessário citar aqui a vasta jurisprudência sobre o assunto. 

Ao promulgar regras para a identificação de casos de litigância predatória, o CNJ indiretamente definiu critérios para que um advogado seja considerado predador. Todavia, como vimos acima os advogados não são os únicos atores do processo. Existem outros atores cuja atuação também pode ser considerada predatória. 

No caso dos membros do MP, a atuação predatória deles geralmente ocorre na esfera penal e recebe o nome de Lawfare. Todavia, a nova resolução do CNJ não faz menção a esse problema nem no texto dela nem nos anexos que a acompanham. 

Os dois elementos centrais do Lawfare são: a) o uso estratégico do Direito, do Processo e do Sistema de Justiça com finalidade política e; b) a extraterritorialidade da Lei norte-americana é algo que se tornou inevitável. Qualquer instituição privada que também atue nos EUA ou que faça negócios em dólar utilizando o sistema bancário internacional pode acabar se tornando vítima de Lawfare. Essas perseguições jurídicas podem ser motivadas tanto por razões políticas quanto por interesses econômicos e dirigidas contra líderes políticos, administradores de empresas e jornalistas dentro ou fora dos EUA (podemos citar aqui os casos de Lula, José Sócrates, Frédéric Pierucci e, é claro, Julian Assange). O Lawfare rapidamente se transformou na longa mão visível que os EUA empregas seletivamente para garantir a hegemonia financeira invisível norte-americana, inclusive no Brasil.

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O caso mais grotesco de Lawfare ocorrido no Brasil foi sem dúvida alguma a Operação Lava Jato. Ela foi objeto de reflexões importantes no livro escrito por Cristiano Zanin, Valeska Zanin e Rafael Valin. 

“No tocante ao lawfare, o armamento é representado pelo ato normativo escolhido para vulnerar o inimigo eleito – ou, ainda, pela norma jurídica indevidamente extraída pelo intérprete do texto legal. Entre os diplomas legais mais usados pelos praticantes de lawfare destacam-se s anticorrupção, antiterrorismo e relativos à segurança nacional. Isso ocorre porque tais leis, em regra, veiculam conceitos vagos – manipuláveis facilmente -, ostentam violentas medidas cautelares e investigatórias e vulneram gravemente a imagem do inimigo.” (Lawfare: uma introdução, Cristiano Zanin, Valeska Martins e Rafael Valim, editora Contracorrente, São Paulo, 2019, p. 38) 

Também merece destaque aqui o texto de Renata Rolin e Karolina Silva (Lawfare – o calvário da democracia brasileira, p. 321-336). Ambas conseguiram provar as semelhanças entre a Lava Jato e a Operação Calvário. Elas foram ainda mais longe, pois fizeram referências aos estudos de Ran Hirschl, jurista que: 

“…concluiu que a origem da judicialização da política está associada à fenômenos econômicos e políticos que foram dirigidos politicamente para a preservação das elites dominantes. Segundo ele, a ascensão de atores ao Legislativo que expressavam interesses populares ameaçou o controle das elites sobre essa arena. Isso ocorreu no momento em que seria necessário transferir os custos do avanço da crise capitalista para o conjunto da população mediante a desregulação da economia. A constitucionalização de direitos, ao contrário de ampliar a democracia e garantir o bem estar, foi utilizada para a adoção de políticas neoliberais à revelia da maioria. E ela só pôde ser realizada porque contou com a adesão dos membros das altas cortes judiciais, que nisso anteviram a possibilidade de aumentar sua influência e prestígio, até mesmo em instâncias internacionais.” (Lawfare – o calvário da democracia brasileira, editora Meraki, 2020, texto de Renata Rolin e Karolina Silva, p. 326)

O Laware não é apenas o uso político do Direito e do Processo. Esse fenômeno somente se materializa quando a litigância predatória do MP é tolerada ou até encorajada por algum membro do Judiciário (ou por uma quadrilha deles). Mas nada disso parece ser objeto de preocupação do CNJ. Ai editar a nova resolução ele se limitou a criminaliza a advocacia deixando os procuradores, promotores e juízes adeptos do Lawfare fora do alcance da norma. Isso deveria ser o suficiente para a OAB questionar a constitucionalidade da norma no STF. 

A resolução do CNJ mencionada acima começa com uma pérola. Diz o parágrafo único do art. 1º dela: 

“Parágrafo único. Para a caracterização do gênero “litigância abusiva”, devem ser consideradas como espécies as condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória.” 

É curiosa a preocupação do CNJ com “demandas sem lastro, temerárias e artificiais”, porque a esmagadora maioria das denúncias oferecidas pelo MPF e recebidas por Sérgio Moro durante a Lava Jato poderiam ser descritas dessa maneira. Todavia, dificilmente essa norma será aplicada em relação aos promotores de justiça que tem barbarizado a política em diversos municípios paulistas. Luis Nassif que o diga. 

O que são as demandas “procrastinatórias, frívolas, fraudulentas”? Ninguém procrastina mais os processos do que os próprios juízes e, como vimos acima, eles fazem isso certos de que não serão punidos com base no art. 143, parágrafo único, do CPC. É ridículo ver o CNJ criminalizar o exercício do direito de ação com base na procrastinação quando o próprio órgão permite aos juízes procrastinar ilegalmente o andamento dos feitos sem qualquer consequência funcional. 

A frivolidade ou não de uma demanda não pode ser avaliada sumariamente pelo juiz (ou por um robô virtual treinado para substituí-lo) no ato da propositura da ação. Isso porque aquilo que o próprio juiz considera frívolo em virtude de suas preferências políticas, ideológicas, sexuais e religiosas pode muito bem ser considerado dano moral por um cidadão cujas preferências políticas, ideológicas, sexuais e religiosas são muito diferentes de um membro do Poder Judiciário. 

Nós vivemos num país cujos fundamentos democráticos são: a cidadania, o respeito à dignidade humana e o pluralismo político (art. 1°, II, III e V, da CF/88). Nossa Constituição garante tanto a liberdade de consciência, de expressão e de religião (art. 5°, IV, VI, VIII e IX, da CF/88) quanto o direito à indenização por dano material moral (art. 5°, V e X, da CF/88). Os juízes não podem definir que uma ação é frívola só porque discordam das preferências políticas, ideológicas, sexuais e religiosas. Mas é exatamente isso que acontecerá assim que a nova norma do CNJ começar a ser aplicada. 

Na prática, o órgão comandado por Luís Barroso deu aos juízes a possibilidade de utilizar uma desculpa esfarrapada para jogar no lixo qualquer ação judicial de um advogado que infelizmente não compartilhe o mesmo conceito de futilidade que ele tem. Isso obviamente aumentará a quantidade de recursos, encarecendo desnecessariamente os processos. Quem indenizará os advogados submetidos a um nível maior de estresse por causa os juízes podem resolver qualquer coisa dizendo que o caso é de litigância predatória? 

A Constituição outorga aos cidadãos o direito de ação e todos os meios de defesa de seus interesses. Quando contesta uma ação judicial posteriormente julgada procedente um banco, empresa de energia privatizada, plano de saúde, etc...  não o faz porque pretende exercer irregularmente seu direito de defesa. O fato de uma fraude ter sido praticada contra o consumidor antes do ajuizamento da ação é irrelevante para a aferição do exercício fraudulento do direito de defesa. 

Dificilmente passará pela cabeça do juiz que julgou procedente a ação contra um plano de saúde criminalizar o exercício do direito de defesa porque a empresa sistematicamente se recusa a cuidar de crianças autistas. Porque então o CNJ criou uma norma vaga suscetível de interpretação abusiva contra os advogados que atuam em defesa dos clientes de planos de saúde? Os conselheiros daquele órgão tem consciência de que os advogados dessas empresas já estavam se organizando para explorar esse novo filão argumentativo? Como é que os advogados das pessoas lesadas por planos de saúde conseguirão descrever situações juridicamente semelhantes de maneira suficientemente diferente para não ser tratados como predadores? 

Segundo um dos anexos da resolução, a distribuição de ações semelhantes é um indício de litigância predatória. Todos os dias milhares de execuções fiscais idênticas são ajuizadas na justiça estadual pelos municípios e estados brasileiros. A União faz o mesmo na justiça federal. A semelhança nesses casos não despertará nenhuma reação do Judiciário, quer porque ela é inevitável quer porque os órgãos públicos gozam de uma presunção de honestidade (apesar de muitos deles agirem de maneira extremamente desonesta em relação aos contribuintes). Num país em que todos fossem realmente iguais a nova resolução também deveria ser empregada para filtrar a litigância fiscal predatória dos municípios, estados e da União. Todavia, isso provavelmente não ocorrerá. 

Todos são iguais perante a Lei, mas tudo indica que o CNJ é pró-mercado. Os membros do MP podem assediar políticos com demandas claramente abusivas, porque o Lawfare se tornou o novo normal. Mesmo após tudo o que aconteceu, se um juiz seguir o exemplo de Sérgio Moro dificilmente ele será punido pelo CNJ. As grandes empresas certamente podem prejudicar e assediar sistematicamente seus clientes sem sofrer qualquer punição processual, mas não devem ser processadas demais. Isso configurará assédio judicial. A falta de reação da OAB nesse contexto completa a tragédia. 

O que acontecerá se o juiz de primeira instância interpretar a resolução comentada de maneira abusiva proferindo uma decisão posteriormente reformada pelo Tribunal? Nada. Ele não indenizará o advogado injustamente tratado como predador, nem será obrigado a ressarcir as custas adicionais impostas ao cidadão que foi obrigado a recorrer. Caso seja representado no CNJ aquele órgão certamente atuará como um escudo, porque a missão dele não é proteger os cidadãos dos predadores de toga e sim facilitar a criminalização da advocacia porque isso garante os lucros como de costume.

Antes da promulgação da Constituição Cidadã o exercício do direito de greve era quase impossível. As obrigações que os Sindicatos tinham que cumprir antes de parar uma empresa ou uma categoria profissional eram tantas que os sindicalistas simplesmente ignoravam a Lei de Greve. Todas as greves eram inevitavelmente julgadas abusivas, mas como os Sindicatos nem deixavam intimidar pelos TRTs os juízes foram obrigados a minimizar os efeitos da decretação de abusividade da greve. Na época, trabalhei com um advogado que gostava de zombar do TRT/SP dizendo que aquele Tribunal podia ser substituído por um servidor com o carimbo GREVE ABUSIVA.

Essa curiosa resolução do CNJ que provavelmente instrumentalizará perseguições contra advogados considerados “inimigos dos juízes” é o mais novo golpe dado para esvaziar o conteúdo civilizatório da Constituição Cidadã. O avanço impoluto do neoliberalismo jurídico precisa ser freado, mas desgraçadamente a OAB e as associações de advogados não têm a mesma combatividade que os Sindicatos em meados da década de 1980.

Primeiro o Judiciário criminalizou a política para facilitar a farsa do Impeachment sem crime de responsabilidade contra Dilma Rousseff. Depois, os juízes do STF descumpriram uma decisão da Comissão de Direitos Humanos da ONU em favor de Lula para facilitar a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro. Agora o CNJ age no varejo, criminalizando a advocacia para desestimular os cidadãos de perseguir seus direitos no Judiciário e facilitar a vida dos predadores de toga que decidirem trabalhar menos carimbando “DEMANDA TEMERÁRIA, SEM LASTRO, FRÍVOLA, PROCRASTINATÓRIA ou FRAUDULENTA” em milhares de processos.

E para piorar, me parece evidente que em breve todas essas regras absurdas criadas pelo CNJ serão automatizadas dentro dos sistemas dos Tribunais Federais e Estaduais. Inteligências Artificiais filtrarão os processos ajuizados, o assistente robô do juiz fará a sugestão de decisão (o réu deve ser citado, a inicial deve ser emendada e, é claro, esse é um caso típico de litigância predatória) e o chefe do cartório proferirá a decisão utilizando o cartão de assinatura virtual do juiz anexando-a aos autos. Mas o Judiciário brasileiro continuará a ser um dos mais caros do mundo justamente porque é pró-mercado.

A imprensa aplaudiu a Lava Jato, comemorou o golpe de estado contra Dilma Rousseff e soltou rojões no dia da prisão de Lula. Ninguém deve ficar surpreso se os jornalistas se aliarem agora à mothership dos predadores de toga em favor da criminalização da advocacia. Sem defesa, os cidadãos recorrerão a quem?

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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