A publicação da Lei 14.994/2024 e suas reverberações jurídicas.

28/10/2024 às 16:50

Resumo:


  • A Lei 14.994/2024 modificou diretamente 6 textos legislativos, incluindo o Código Penal, com o intuito de aumentar a severidade em determinadas tipificações e garantias relacionadas à violência contra a mulher.

  • A principal novidade trazida pela lei foi a tipificação do feminicídio como crime autônomo, com pena de reclusão de 20 a 40 anos, visando proteger de forma mais efetiva as mulheres vítimas desse tipo de crime.

  • Alterações também foram feitas na Lei de Contravenções Penais, na Lei de Execuções Penais e no Código de Processo Penal, visando proporcionar maior proteção às vítimas e maior rigor punitivo aos agressores, além de priorizar processos que envolvam crimes hediondos ou violência contra a mulher.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em 9 de outubro, o Presidente da República - Luiz Inácio Lula da Silva – sancionou a Lei 14.994/2024 que incidiu e modificou diretamente outros 6 textos legislativos: Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Contravenções Penais, Lei Maria da Penha, Lei de Execução Penal e Lei de Crimes Hediondos.

A promulgação desse texto legislativo é de suma importância no cenário da violência contra a mulher e em ambientes domésticos, visto que constantemente tem-se ameaças a esse grupo social. Neste sentido, com o intuito de inibir de forma mais incisiva esse tipo de comportamento abusivo e criminoso, a nova lei traz em seu corpo uma maior severidade em determinadas tipificações e garantias, a fim de construir um local propício a devida punição do agressor e ao amparo da vítima por meio de sua rede de apoio.

No âmbito do Código Penal houve modificações em diversos aspectos, iniciaremos, a explicação a partir do artigo 1° da nova lei que alterou os arts. 92, 129, 141 e 147:

a) Tornou-se efeito da condenação “a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente, tutelado ou curatelado, bem como nos crimes cometidos contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.” Possibilitando ainda que - através do § 2º - que seja aplicado como efeito automático, diferente dos demais estabelecidos no dispositivo. Tal disposição possui imensa relação com a necessidade de evitar e mitigar mais danos a vítima e aos dependentes;

b) No crime de lesão corporal (art. 129) deve destacar duas grandes modificações: a qualificadora da violência doméstica teve a pena definida em reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, tornando-se nítido a intenção de preservar ainda mais a integridade física das vítimas, visto que a tipificação anteriormente possuía pena de detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos. Neste mesmo sentido, houve o acréscimo do § 13 – casos de lesão contra mulher por razão do sexo feminino – incidindo a mesma pena (reclusão de 2 a 5 anos);

c) O artigo 141, dispõe sobre pontos comuns nos crimes contra a honra e com o advento da nova lei, se tais crimes (injúria, calúnia e difamação) forem praticados contra a mulher por razão do sexo feminino, a pena deve ser aplicada em dobro. Sob essa ótica, o crime de ameaça também terá a pena aplicada em dobro na mesma situação e fica dispensada a representação para proceder com a denúncia.

Neste viés modificativo e de novos resguardos legais, a principal e mais comentada novidade trazida pela lei é a da tipificação do feminicídio como crime autônomo, anteriormente disposto como qualificadora do homicídio. De tal forma, hoje, tem-se em vigor o art. 121-A, no Código Penal brasileiro, a fim de resguardar de forma mais efetiva os direitos das mulheres que constantemente são violentadas e vítimas desse tipo penal. No intuito de impor maior rigor a nova tipificação, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos e os demais dispositivos do artigo possuem explicações acerca das condições, das causas de aumento de pena - até 1/3 - da tipificação em questão e da comunicação aos coautores e partícipes do crime das circunstâncias pessoais elementares do crime (§ 1º). Desse modo, a nova configuração é crucial no combate ao feminicídio e na violência de gênero, possibilitando uma maior visibilidade deste tipo penal que antes era constantemente alvo de invisibilização e mitigação. Além disso, colocando-o na posição de crime autônomo, escancara-se para sociedade um rol próprio de características para tipificação, auxiliando na educação e conscientização social em busca de uma mudança sociocultural.

Nos demais textos legislativos, como a Lei de Contravenções Penais, tivemos alteração do preceito secundário da contravenção vias de fato, sendo possível a aplicação de até o triplo da pena se ela é praticada contra mulher em razão do sexo feminino.

No cenário de execução penal, tem-se mudanças pertinentes na LEP (Lei de Execuções Penais) e no próprio Código de Processo Penal:

a) Na LEP, houve alteração nos direitos dos presos, possibilitando que o juiz suspenda ou restrinja mediante ato motivado, as seguintes garantias: proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Com relação a esta última garantia, o preso condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino não poderá usufruir da relação à visita íntima ou conjugal;

b) Possibilitou-se também, no contexto da LEP, a transferência para estabelecimento penal distante do local de residência da vítima, ainda que localizado em outra unidade federativa, inclusive da União, o condenado ou preso provisório que, tendo cometido crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, ameace ou pratique violência contra a vítima ou seus familiares durante o cumprimento da pena; o aumento 55% (cinquenta e cinco por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de feminicídio, se for primário, vedado o livramento condicional e o monitoramento eletrônico para o condenado que for usufruir de qualquer benefício que envolva sua saída do estabelecimento prisional;

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c) O Código de Processo Penal garantiu, a partir da nova disposição, a prioridade dos processos que apurem a prática de crime hediondo ou violência contra a mulher terão prioridade de tramitação em todas as instâncias e garante para a vítima ou em caso de morte ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, quando a estes couber o direito de representação ou de oferecer queixa ou prosseguir com a ação, a isenção de pagamento de custas, taxas ou despesas processuais.

Com a inserção de modificações na Lei de Execuções Penais, nota-se que o objetivo é alterar o rito em todas as suas fases e gerar maior proteção as vítimas e maior rigor punitivo aos agressores. Dessa forma, tais alterações servem para evidenciar o empenho e o dever de não só punir inicialmente a conduta, mas de manter a punição e proteção de forma ativa em todo decorrer do processo, evitando o esquecimento, a mitigação e a relativização da conduta.

Ademais, a Lei de Crimes Hediondos foi modificada ao definir quais qualificadoras do crime de homicídio possuem natureza hedionda e ao acrescentar a nova tipificação: feminicídio como crime hediondo. A última reconfiguração pertinente trazida pela 14.994/2024 foi o aumento de pena reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa no crime de descumprimento das decisões judiciais que deferiram medidas protetivas de urgência previstas Lei Maria da Penha.

Por fim, faz-se mister destacar que a vigência dessa nova lei que possui apenas 10 (dez) artigos tem reverberação direta em diversos textos legislativos penais e é de suma importância para o avanço na prevenção e na coibição de crimes praticados contra as mulheres, em razão de gênero ou em ambiente doméstico. Com tais alterações legislativas, busca-se construir um cenário social em que o combate à violência de gênero seja ativo e eficaz, possibilitando uma maior defesa as mulheres e a visibilidade dessa luta tão relevante, antiga e que mesmo assim, não deixa de ser atual. A inserção de políticas públicas incisivas e eficientes e um corpo social consciente são fatores essenciais na construção de uma rede de apoio e de uma sociedade mais justa, igualitária e combativa.

Sobre a autora
Lyvia Lopes da Silva Camilo

Graduanda em Direito – Centro Universitário Frassinetti do Recife (UniFafire).; Monitora de Direito Civil I, Direito Penal I e II; Pesquisadora acadêmica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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