A prosa jurídica em Machado de Assis

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29/10/2024 às 13:59
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                                              “O coração humano é a região do inesperado”.

                                                                 Machado de Assis.  Iaiá Garcia (1878).

Legal prose in Machado de Assis

                                               “The human heart is the region of the unexpected”.

                                                             Machado de Assis. Iaiá Garcia (1878).

Resumo:

Sob a máscara esgarçada e múltipla, a voz e legado de Machado de Assis trouxe uma consciência aguda ao reverberar as mazelas da realidade político-social do país. E, apesar de ter sido uma alma mal nascida retomou uma leitura sociológica e profunda da  sociedade dominante brasileira. Trouxe à baila dimensões existenciais e, sinalizou com genialidade em toda sua obra e, suas denúncias sutis e inteligentes. A contemporaneidade de Machado de Assis ainda suscita questões jurídicas que ainda hoje luta a jurisprudência pátria para pacificar.

Palavras-chave: Machado de Assis. Direito. Literatura. Jurisprudência. Sociologia[1]. Filosofia.

Abstract:

Under the frayed and multiple mask, the voice and legacy of Machado de Assis brought an acute awareness by reverberating the ills of the political and social reality of the country. And, despite having been an ill-born soul, he resumed a sociological and profound reading of the dominant Brazilian society. He brought existential dimensions to the forefront, and he signaled with genius throughout his work and his subtle and intelligent denunciations. The contemporaneity of Machado de Assis still raises legal issues that even today the homeland jurisprudence struggles to pacify.

Keywords: Machado de Assis. Right. Literature. Jurisprudence. Sociology . Philosophy.

 

Há diversos aspectos filosóficos, sociológicos e jurídicos na obra do Bruxo do Cosme Velho[2]. Aliás, a filosofia de Machado de Assis não surpreende, pois todas as perplexidades, paradoxos, contrastes da condição humana permeiam seus romances[3], contos, crônicas, poesias e até as críticas.

Ao reler as obras machadianas identifiquei que o autor utiliza o vocábulo "filosofia" em três acepções distintas, porém, complementares.

A primeira acepção apud Reale é usada em tom jocoso e irônico quando se referiu ao grunhir dos porcos, como sendo espécie de troça filosófica, ou, ou quando se referiu ao asno de Sancho que tinha teor filosófico, ou ainda, quando mostrou em Quincas Borba a traçar uma asa de frango como serenidade filosófica.

Não se deve acreditar que o Bruxo tivesse desapreço pela Filosofia, pois demonstrou relevante e constante preocupação, apesar de rabugento e pessimistas.

A transparência dos romances machadianos nos faz identificar os valores introspectivos de Machado de Assis, que ilumina os episódios, e ora oculta o sentido ou nos apresente um interessante leque de perspectivas.

Lembremos da crítica mordaz de Sílvio Romeno que rejeitava com elegância o que expunha Lafayette Rodrigues Pereira[4] nas páginas de Vindíciae, o que resta de válido é apenas reparo sobre "a mania de filosofar" que se insinuara, de forma inquietante, na obra de Machado de Assis.

É a razão[5] pela qual a palavra filosofia adquire, em sua pena, também uma acepção ampla, a que recorre toda vez que deseja nos oferecer o sentido essencial ou dominante de algo.

É a filosofia como “forma de compreensão” ou até mesmo como “súmula de significado”, tal como ocorre quando evoca a “filosofia das folhas velhas”, ou a “filosofia dos epitáfios” (M.P., CXVI e CLI).

Segundo os invocados versos de Camões, a indagação sobre, in litteris: “Uma verdade que nas coisas anda, Que mora no visível e invisível.”

É recorrente o uso da palavra "metafísica" por Machado de Assis sendo entendida como uma tresloucada busca de uma "substância"

que é sempre a mesma, levando muitos indivíduos que, paradoxalmente, em suas bolhas transitórias, mas, isto não obstante, constituem o resumo do universo, visto que o universo é o homem. Contemporaneamente, o homem é o multiverso.

Cumpre esclarecer que a exposição machadiana obedece a uma compreensão da natureza que se subordina sempre a uma teoria do homem, a um certo antropocentrismo fundamental.

A palavra “metafísica” também é usada para indicar algo que se afirma com profundidade, sem maior esforço, nem obrigação de se demonstrar a verdade das asserções realizadas.

Assim, a metafísica política[6], quando desenvolveu a teoria do medalhão, apaixona naturalmente os partidos políticos e o público, chama os apartes e as respostas[7]. Não obriga a pensar nem descobrir.  Por vezes, nem transcende ao nível raso da vulgaridade nem devassa os alforjes da memória.

O alforje ou alforge é um tipo de sacola grande, dividida em dois compartimentos ou bolsas, cada qual com a sua respectiva abertura. O alforge encontra-se fechado nas extremidades e aberto ao meio, por onde se dobra, de feição a manter os compartimentos separados entre si e a fazer uma distribuição equânime do peso.

Machado de Assis é um antidogmático por natureza, apesar de não se considerar cético, o Bruxo do Cosme Velho amava a filosofia, mas desde que fosse, conforme ele advertiu "leve e ridente", como a do gato que por lhe parecer ser um animal metafísico sem jamais ter lido Immanuel Kant (Cf. A Semana, ed. coligida por Mário de Alencar, em 1910,crônica de 18 de novembro de 1894,p. 175,e Q.B.,LXXX.)

Pode-se dizer que ele mesmo cuidou de situar sua atitude perante as perquirições metafísicas nas palavras de Brás Cubas sobre “uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, cousa que não edifica nem destrói, não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado” (M.P., IV).

Apesar dos muitos sentidos atribuídos por Machado de Assis aos vocábulos filosofia e metafísica, esses não se conflitam, mas antes se combinam num plexo pleno de imagens e identificação, ao mesmo tempo,, que se revela como uma cosmovisão transfigurada em representação romântica e artística.  O realismo inicial de Machado padece de um romantismo infectocontagioso.

A constante preocupação por saber o sentido da vida humana, o significado do mundo, o drama vital da humanidade quando se pretende cogitar em filosofia de Macha do Assis, que cotejou os pensamentos de Montaigne[8], Pascal e Schopenhauer, sem esquecer os ensinamentos bíblicos.

Aliás, sobre essa temática há estudos como os de Afrânio Coutinho[9] que abordou os ensaios de Barreto Filho, Augusto Meyer, Lima e Raymundo Faoro .

Todo o mundo conhece o delírio de Brás Cubas: num deserto, o personagem encontra-se em face de um “vulto imenso, figura de mulher”, de impassibilidade egoísta, de eterna surdez; reconhece-a como a natureza, sua mãe e inimiga; ela lhe explica a lei cruel que rege o Universo (“A onça mata o novilho porque o raciocínio é que ela deve viver”); mas afinal o pesadelo cede, e o monstro que trouxe Brás Cubas para aquele deserto transforma-se, sempre diminuindo, na figura familiar do seu gato.

— Agora, num outro documento literário, menos famoso entre nós, leio de um sujeito que encontrou no deserto “um vulto grandíssimo, figura desmesurada de mulher”, de impassibilidade cruel (“Acreditaste que este mundo tenha sido criado para ti?”), mãe mas inimiga de todas as criaturas; ela lhe explica a lei cruel que rege o Universo (“que é um círculo perpétuo de produção e destruição”).

Aí também aparecem monstros, dois leões, que teriam devorado o infeliz, se um vento de areia não o tivesse encoberto e mumificado; “mais tarde, viajantes encontraram a múmia, trazendo-a para a Europa, colocando-a no museu não sei de que cidade” — não importa, porque todos os museus se parecem, assim como, conforme Machado de Assis, todos os cemitérios se parecem.

Esse outro documento, que o autor das Memórias póstumas de Brás Cubas deve ter conhecido, é o Dialogo della Natura e di una islandese, que faz parte do volume Operette morali, de Leopardi.

As poesias de Giacomo Leopardi não eram ignoradas no Brasil, na época do romantismo; até hoje, o maior poeta que a Itália produziu depois de Dante é considerado no Brasil como um romântico melancólico e um poeta elegíaco.

Talvez porque se desconheçam os seus diálogos em prosa, aquelas Operette morali[10] que são uma das grandes obras da literatura universal. Machado de Assis as teria conhecido? Machado foi leitor assíduo de Schopenhauer, e este, por sua vez, foi grande admirador de Leopardi.

Em todo caso, o autor do delírio de Brás Cubas reconhecido teria em Leopardi mais que um poeta melancólico e, sim um pensador poético ao qual o ligavam profundas afinidades.

O delírio de Brás Cubas é da mesma lucidez das Operette morali que são o documento principal da filosofia leopardiana[11].

Pode-se viver com uma filosofia assim no coração? Contudo, esse diálogo do vendedor de almanaques encontra-se traduzido no último livro de Jean Paulhan, que foi editor das Éditions de Minuit e um dos chefes intelectuais da Resistência Francesa, exemplo de comportamento ativo, apesar dos motivos mais fortes de desespero definitivo, “com ânimo forte e sereno”.

Eis a única maneira possível de um pessimista achar (como Machado na agonia) que “a vida é boa”. Pelo menos como filósofo Leopardi não foi elegíaco.

Daí a diferença, já observada por De Sanctis[12], entre o poeta italiano e Schopenhauer, que também foi ateu mas espiritualista: dá testemunho disso a metafisica, “multicolor como a pele de uma onça”, do filósofo alemão.

Toda elegia é, por índole, espiritualista. Mas a filosofia de Leopardi — a unidade filosófica da sua obra já foi demonstrada pelos mais agudos críticos italianos — é o materialismo. No Frammento apocrifo di Stratone di Lampsaco, Leopardi já fala da eternidade da matéria.

Apenas esse materialismo não se baseia no cientificismo físico e biológico do século XIX, que Leopardi ainda ignorava, e sim nos seus estudos de filosofia grega.

E os versos do coro dos mortos, no diálogo deles com o anatomista Ruysch, não deixam dúvidas quanto à fonte dessa filosofia, materialismo cuja finalidade ética é apenas a ausência da dor:

Nostra ignuda natura — Lieta no, ma sicura Dall’antico dolor…”

"Nossa natureza nua - Não feliz, mas segura Da dor antiga..."

Surge um delicado problema, que é o de saber se há efetivamente identidade ou correspondência entre o que Machado de Assis pensa e aquilo que ele põe na boca de suas personagens.

Ao contrário de termos seis personagens à procura de um autor, à maneira de Pirandello, mas com o mesmo intrincado perspectivismo da arte pirandelliana, tenta-nos a aventura de procurar o autor através de suas personagens, que ora manifestam, ora dissimulam as suas reais convicções.

É claro que uma reconstrução desse tipo corre sempre o risco da mediação hermenêutica, podendo haver tantos Machados de Assis quantos são os seus intérpretes.

Por vezes, há um exagero em ver a vinculação com pensamento de Pascal ou Schopenhauer[13], afinal, a constante teorética dos escritos machadianos, apontada por Silvio Romero[14], como simples mania de filosofar, ou como afirmou Lúcia Miguel-Pereira, como mania raciocinante.

Enfim, temos a teoria da teoria ou a metateoria, isto é, para indicar a inclinação que vai além da explicação do real, a fim de se elaborar, sobre essa base teórica, uma teoria de valor mais amplo e simbólico.

Aliás, Machado reiteradas vezes, a propósito dos temas ou episódios aparentemente banais, eleva-se à instância simbolizante que, atua, como complemento necessário dos tipos e modelos de sua ficção artística.

E, sob esse ângulo, na obra machadiana há muita teoreticidade bem justificável do que a deliberada colocação de temas em termos apropriadamente filosófico.

Assiste, pois, razão a Afrânio Coutinho quando nos diz que ele “transfigura a realidade”, afastando-se, assim, da assepsia egológica que Flaubert estabelecera como regra de seus romances, onde o “ego” é posto entre parênteses para que o real possa surgir em toda a sua pureza original.

Não é o caso de aqui indagarmos se essa já não era uma forma singular de “vivência” da realidade, por parte de um espírito tão subtil como o esteta de Madame Bovary[15], porquanto o que me interessa, a esta altura, por via de contraste, é acentuar que Machado de Assis, por sua natural atitude teorética, não poderia jamais ser um “realista” autêntico, e muito menos poderia aceitar o “naturalismo”, o que, aliás, ele timbrou em deixar claro nas páginas penetrantes dedicadas à “O Primo Basílio”[16] de Eça de Queirós.

É claro que não estou empregando o termo “teoria” no sentido aristotélico de especulação, contemplação, ou mesmo beatitude.

Desde Kant o conceito de teoria implica o de hipótese, podendo ser vista como uma hipótese verificada ainda que provisoriamente. Na teoria estética, porém, as hipóteses científicas sublimam-se na arte.

É inegável, pois, que havia entre o admirável cinzelador de Pensées e o autor de Quincas Borba forre afinidade espiritual, sendo certo, no entanto, que nossa sensibilidade atraída, às vezes, não por motivos de identidade, mas por inexplicáveis razões de contraste.

Pode acontecer, outrossim – e parece ser esse o caso de Machado de Assis perante Pascal –sentido de procura” que domina um filósofo, embora nos divorciemos dele quanto ao “sentido final” de suas meditações.

Afrânio Coutinho exagera, até certo ponto, a correlação “Pascal-Machado”, como o advertiu Sérgio Buarque de Holanda, sobretudo por faltar ao nosso maior prosador qualquer forma de inquietação religiosa, sendo essa “a diferença profunda, vital, que na realidade os separa”.

Lembrando que todo pensamento pascaliano se vincula à “sua fé convulsiva no Cristo, na crença profunda em Deus, no “Deus sensível ao coração”, Sérgio pondera: “Comparado ao de Pascal[17], o mundo de Machado de Assis é um mundo sem paraíso.

De onde uma insensibilidade incurável a todas as explicações que baseiam no pecado e na queda a ordem em que foram postas as coisas no mundo.

Seu amoralismo tem raízes nessa insensibilidade fundamental.” Acrescenta, como fato de suma importância, que o mundo de Machado “não conhece a tragédia”, ou melhor, que “nele, o trágico dissolve-se no absurdo e o ridículo tem gosto amargo”.

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Não assiste razão a Afrânio Coutinho quando descobre tanto em Pascal como em Machado “ódio à vida”, “ódio intenso à humanidade”, ou “ódio radical da vida e dos homens”.

Ambos teriam amado o homem e a vida a seu modo; Pascal, tragicamente, na incessante indagação do “Deus absconditus”;

Machado, ironicamente, num halo de absurdo, devendo ser captado o ponto nuclear do pensamento machadiano sobre a existência humana não nas queixas de Ahasverus, mas sim no diálogo das águias:

“– Ai, ai, ai deste último homem, está morrendo e ainda sonha com a vida.

– Nem ele a odiou tanto, senão porque a amava muito.”

Concluiu Sérgio Buarque de Holanda sua crítica, um tanto acerba, afirmando que, se Afrânio Coutinho tem razão ao dizer que a atitude cética não explica toda a obra de Machado, o que prevalece nesta é a ideia de um mundo, não trágico, mas absurdo, somada a um sentimento de penúria encoberta pela ironia, na qual “deveriam ser procuradas as origens do homem de Machado de Assis e também as fontes de sua filosofia’’.

Se Machado não chegou à fé, não é dito que não a tivesse procurado, nem que o desacerto do mundo não lhe gerasse no espírito desconsolada renúncia ao refúgio da crença.

Se, na verdade, como o próprio Sérgio Buarque de Holanda o assinala, “Machado de Assis não parece deliciar-se profundamente em sua própria descrença”, reside nesse inconformismo o elo que o prende a Pascal, por mais diversos que haja sido os respectivos caminhos. outro ponto de contato entre Machado de Assis e Pascal[18]: é a fascinação pela figura de Jesus.

O romancista brasileiro despe-o de sua divindade, mas em bem poucas páginas de nossas letras ressoa, com tanta comoção, a tragédia do Gólgota.

O recalque do ceticismo, em particular  na obra de um monumento da literatura[19] brasileira, não deve surpreender tanto assim.

A postura  cética, por definição, põe sob suspeita todos os  dogmas, sejam eles pedagógicos, patrióticos, ideológicos[20], religiosos ou filosóficos, dificultando sínteses ou classificações a ponto de tirar o chão do  analista.

Logo, suspeito que ainda haja o que dizer a respeito. Como veremos, Machado de Assis  escreve no século XIX, absorvendo aspectos dos  ceticismos moderno e contemporâneo mas tendendo a dar um passo atrás: é ateu, ainda que  não militante, mas desconfia profundamente da  ciência e do cientificismo.

Seu suposto ceticismo  irritou a maioria dos seus comentadores, a ponto  de mais de um ler toda a sua obra e escrever livros inteiros só para combatê-lo, como, por exemplo, Octávio Brandão.

Os argumentos céticos costumam provocar irritação, o que produz um paradoxo: os  céticos procuram a tranquilidade, mas geram dissensão e controvérsia.

Renato Lessa observou, em  recente colóquio sobre o ceticismo realizado na  UERJ, que quem se irrita com os céticos reivindica, com razão, a necessidade do dogmatismo  para qualquer postura civilizatória. De fato, sem  dogmas não se fundam religiões, escolas, filosofias e economias.

Acontece que os céticos não pretendem vencer os dogmáticos, primeiro porque  essa seria uma pretensão vã, e segundo porque,  se vencessem, se tornariam aquilo que combatem.  O ceticismo é antes uma espécie de terapia  da hybris, da razão dogmática e suas manifestações arrogantes.

Para Bertrand Russell, o ceticismo[21] é logicamente impecável mas psicologicamente impossível  (em Watkins, 1984: 16). Não se pode ser cético o  tempo todo, não se pode ser cético sequer na  maior parte do tempo[22].

Enquanto as filosofias dogmáticas supõem implicitamente a possibilidade de cada uma ser a única a ter razão, o ceticismo  é forçado a abdicar dessa possibilidade, logo, de  qualquer pretensão à hegemonia ou à unanimidade. Não faz sentido se pensar em uma eventual vitória do ceticismo.

Ceticismo e responsabilidade se relacionam  estreitamente e intimamente.

A relevância do trabalho filosófico se dá a partir de imperativo duplo: "não desconhecer os fenômenos e objetos da vida ordinária e percebê-los ao mesmo tempo como itens  contingentes de apenas um dos muitos mundos possíveis".

Enquanto o  primeiro imperativo impede um relativismo  absoluto (mas contraditório nos próprios termos) no qual nada possua qualquer valor de  referência, o segundo imperativo impede que  se reifiquem os fenômenos considerados.

Enquanto absolutistas creem que a verdade seja  una e encouraçada, relativistas a afirmam ora  inexistente, ora múltipla: ambos incorrem em  erro. O cético não se pode contentar com a  afirmação fácil de que todas as verdades seriam  iguais ou equivalentes.

Considerar que os primeiros romances de  Machado de Assis pertenciam à fase romântica  e, portanto, são inferiores, enquanto os segundos  pertenciam à fase realista e, portanto, são superiores, leva à conclusão inevitável de que o realismo é superior ao romantismo.

Essa conclusão é  um equívoco porque, como já demonstraram vários pensadores, o realismo não é na essência diferente do romantismo.

Ambos os estilos são no  fundo o mesmo estilo burguês, ocupado em fetichizar a realidade e denegar a imaginação: vistos da altura de hoje, romantismo e realismo  "aproximam-se e descobrem a sua comum raiz  realista" (Ortega Y Gasset, 1925: 28).

No caso específico de Machado de Assis, a  persistência no equívoco realismo versus romantismo  é mortal não apenas para a parte supostamente  menor da sua obra, mas também para a parte supostamente maior, monumentalizada ao ponto de  se tornar inócua ou insuportável.

O equívoco,  todavia, é tão forte, que os estudantes de Letras  saem da faculdade, onde aprenderam a questionar o realismo de Machado, e caem no ensino  médio esquecendo tudo o que discutiram: voltam a repetir que Machado é realista.

A especificação de Alfredo Bosi, atribuindo  ao estilo machadiano a designação de realismo  de sondagem moral, qualifica a discussão, mas  ainda reputo melhor ser o comentário de Gledson (1986: 23):  "encontram-se muitos críticos que nos dizem que  Machado é realista [mas esse realismo] é sobretudo enganoso".

O epíteto de "realismo enganoso", contraditório nos próprios termos, me parece  mais adequado para esta obra, bem como para a  melhor ficção.  Talvez fosse enganoso por apontar para desagradáveis quadros da realidade social que sofriam de invisibilidade diante dos poderosos e intelectuais.

Machado de Assis engana quando é lido  como realista, assim como engana quando é lido  como conservador e até mesmo reacionário.

Essa  última leitura é atualmente facilitada pela sua  condição de monumento da literatura brasileira, mas já se dava com o escritor ainda vivo.

Sua ironia, propriamente cética, complica sua  recepção, uma vez que dificulta encaixá-lo em  qualquer gaveta estética ou ideológica — exatamente por isto, são a sua ironia e o seu ceticismo, combinados, que configuram a sua qualidade e o seu poder.

A frase final da sua crônica — "se eu pudesse ter esta opinião!" — deixa claro que Machado gostaria de ser cético, como se não o fosse... Sua educada ironia se deflagra delicadamente...

Como se ele não suspeitasse de todas as  opiniões, apesar de, ou exatamente por, considerá-las mais necessárias do que a realidade,  como comentara no conto "O segredo do bonzo": "se uma cousa pode existir na opinião, sem  existir na realidade, e existir na realidade, sem  existir na opinião, a conclusão é que das duas  existências paralelas a única necessária é a da  opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente". Desse modo, o escritor defende-se  da recorrente acusação de ceticismo, respondendo: quem me dera...

O cético não apenas não tem mestre ou  guru, como não forma discípulos. Ele sabe que  as escolas, tanto faz se políticas, religiosas ou  literárias, se constituem tão-somente sobre dogmas, jamais sobre dúvidas.

Muitos cogitaram da  forte influência do filósofo pessimista Schopenhauer sobre Machado[23], mas poucos observam  como, na crônica "O autor de si mesmo", o escritor leva tanto o seu tema quanto o próprio  Schopenhauer ao absurdo

Defendendo que o amor seja pensado pela  filosofia, o filósofo constrói uma concepção próxima do naturalismo: apenas a metafísica da vontade poderia dar a chave do grande enigma do  amor, que não é função do espírito nem desejo  de unidade no outro, mas, bem o oposto, implica um engenhoso artifício da natureza para preservar a existência.

Na síntese de Rosa Dias, "a  ilusão do amor é um estratagema biológico, por  meio do qual a natureza atinge seus fins”. [24]

O indivíduo pensa perseguir os seus fins próprios,  quando na verdade trabalha para algo universal: a espécie. A vontade atua, dessa maneira,  enganando a consciência do amante no que diz  respeito à perfeição da pessoa amada, a fim de  dirigir seu apetite sexual para os fins da reprodução.

A conversa da criança com o filósofo tem um tom  cômico que contrasta fortemente quer com a gravidade da filosofia, quer com a gravidade do acontecimento.

Não é que Machado de Assis faça o procedimento inverso e desconstrua o pessimismo do  filósofo, mas sim que ele, levando-o ao absurdo e  reforçando-o pela crueldade do próprio humor, acaba por mostrar que o pessimismo também não é uma  explicação suficiente.

Em outras palavras, que a  solene metafísica schopenhaueriana do amor é  "apenas mais uma teoria" no concerto diafônico da  filosofia, restando inexplicado o amor, o ódio, a vida  e a morte — tudo, enfim.

Mesmo numa crônica sobre o terrível, e  terrível de ler, o escritor brasileiro não nos parece isto ou aquilo, pessimista ou otimista, revolucionário ou conservador, promovendo antes 'uma permanente suspensão do juízo tipicamente cética, que não o impede, como a nenhum cético, de continuar pensando, se espantando e levantando dúvidas fundamentais, ou  seja: que fundam o pensamento dos seus leitores de então e de agora[25].

O suposto adultério de Capitu.  "Dom Casmurro” é o romance mais famoso e polêmico de Machado de Assis. Ambientado no Rio de Janeiro do século XIX, é narrado por seu protagonista: Dom Casmurro, um velho solitário e frustrado que, em virtude de sua “simpatia”, recebe esse apelido de um conhecido.

O personagem busca, por meio da narrativa, rememorar e compreender fatos do seu passado, principalmente os que envolvem uma mulher: Capitu, a personagem mais intrigante e misteriosa da literatura brasileira. A polêmica toda se centraliza em uma dúvida:

Capitu é ou não é culpada de adultério? Os fatos até podem indicar que sim, mas o leitor não pode deixar de atentar para um fato: Bento Santiago (o Dom Casmurro), além de narrador, é advogado. A questão relativa à paternidade e, os novos meios de identificação de paternidade, por meio de exame de DNA.

A personalidade de Quincas Borba. Em Quincas Borba, a crítica ao comportamento humano é evidente. Agindo para satisfazer seus interesses, o homem se mostra animal ao extremo. Enquanto isso o cão, solidário e fiel, esbanja afetividade e apreço.

“Quincas Borba” é considerado um dos melhores romances de Machado de Assis, consolidando a chamada segunda fase machadiana, iniciada com a publicação de “Memórias póstumas de Brás Cubas” (1881).

Marcas registradas de suas criações, Machado faz uso do pessimismo e da ironia para criticar os costumes e a filosofia de seu tempo, parodiando o cientificismo e o evolucionismo da época, bem como o positivismo de Comte e a lei do mais forte, com uma prosa bem humorada e de altíssima qualidade.

A obra retrata a figura de Pedro Rubião de Alvarenga, um modesto professor que herda do dia para a noite a fortuna de seu amigo Quincas, passando de professor a capitalista.

No estilo irônico-satírico de Machado, o cão Quincas representa o homem e o cachorro e, de certa maneira, atua como uma resposta à filosofia  do Humanitismo criada por Quincas Borba, na qual o ser humano não é superior ao animal; o que importa é a espécie, e não o indivíduo.

Já em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é um defunto e narrador,  oriundo de família rica do Rio do Janeiro mas sem tradição na política, que não gostava de trabalhar, gozava de vários privilégios com os pais, formou-se bacharel em Coimbra, o pai queria casá-lo com uma filha de político e fazê-lo deputado. Era um típico cidadão da sociedade política, social e cultural do século XIX.

O finado Brás Cubas decide contar sua história por uma ótica bastante inusitada: em vez de começar pelo seu nascimento, sua narrativa inicia-se pelo óbito. Enquanto rememora as experiências que vivera, entre uma digressão e outra, o defunto-autor tece uma série de reflexões sobre a vida e sobre a sociedade da época, com serenidade e bom-humor, e o leitor se surpreenderá ao constatar a atualidade de suas observações.

“Memórias póstumas de Brás Cubas” pôs em xeque o conceito de Realismo literário, de romance e a própria forma de se fazer literatura. Representa um divisor de águas na literatura brasileira, é uma obra à qual não se pode ficar indiferente.

Os relatos do Conselheiro Aires percorrem os anos de 1888 e 1889, ou seja, anos em que ocorreram dois fatos importantes na história[26] do Brasil: a abolição da escravatura e a Proclamação da República.

Os aspectos sucessórios em Esaú e Jacó. A relação parental de irmãos. Em “Iaiá Garcia” que foi o derradeiro[27] romance de Machado de Assis. Publicado no ano de 1878, é considerado como uma obra da fase romântica do escritor. O espaço em que a história se passa é Santa Teresa, bairro tradicional do Rio de Janeiro.  Iaiá era filha de Luís Garcia, viúvo e funcionário público, que nela concentrava todos os seus afetos, a fonte de toda a alegria do pai. Luís Garcia tem uma amiga, também viúva, Valéria Gomes, mãe de Jorge. Jorge está apaixonado pela filha de um ex-empregado de seu falecido pai, Estela, que vive na mesma casa.

O romance Helena revela aspectos socioculturais da sociedade do século XIX, na qual a mulher ocupa uma posição de dona de casa, mãe e esposa dedicada. Helena (1876) é um romance diferente na primeira fase de Machado de Assis, pois, embora tenha inspiração romanesca e o próprio autor reconheça que foi uma fase mais ingênua de sua criação literária, ele foge do romantismo melancólico, optando pela tragicidade na vida da protagonista.

Helena após a morte de seu pai não biológico fica destinada a viver numa nova casa com uma nova família, a qual não sabia de sua existência.

O mote principal é o segredo de Helena, que após ser descoberto culmina com um desfecho inesperado pelos leitores. Machado de Assis foi um assíduo observador dos costumes e da condição humana, e Helena é um retrato analítico do drama da mulher no século XIX.

Machado de Assis utilizou a ironia em seu conto “A Igreja do Diabo”, para compreender a contraditória natureza humana.

Os homens conhecem sua própria natureza, por isso escolheram alguns para serem chamados legisladores, criaram um ordenamento sistêmico de normas para garantir o mínimo bem-estar social, definiram aqueles que terão autoridade para julgar o semelhante. Toda execução é regulada.

O caos pressupõe o cosmo, porque toda definição de alguma coisa evoca seu contraditório, não é possível dizer que algo é “escuro” sem ter a mínima noção do que seja o “claro”. Ou, ainda, todas as coisas tendem ao seu contrário. Machado de Assis usou da contraditória natureza humana com ironia em seu conto “A Igreja do Diabo”, em que o conceito, a definição ou a busca por uma compreensão da natureza humana é o centro. Além de se discutir sobre a liberdade religiosa.

Em tal obra o diabo decide organizar sua igreja, pois seus “meios discípulos” agem indiscriminadamente, algumas vezes obedecendo a Deus outras vezes ao diabo. A luta contra do bem contra o mal aparece numa alternância pacífica e mansa, sem nada lembrar as odisseias.

Em a “Mão e a Luva”, verificamos a importância do casamento e seu significado social. O enredo gira em torno da personagem Guiomar, uma jovem ambiciosa que busca ascender socialmente por meio do casamento.

Machado de Assis explorou a psicologia dos personagens, revelando suas motivações, desejos e conflitos internos e, principalmente, as relações sociais e jurídicas do século XIX, mas que encontram pertinência na contemporaneidade.

Nota-se o uso recorrente de linguagem jurídica na produção literária de Machado de Assis  não pode deixar de ser notado.

Diversas expressões e entendimentos são dados com base na atividade do jurista e, existe uma relação inseparável entre o uso da linguagem e a  atuação  neste  ambiente.  Há  que  se atentar  também para  o  uso  da retórica.

Machado de Assis é todo direito, por isso, ousei chamá-lo de Bruxo Jurídico[28], o que pareceu-me ser mais simpático do Bruxo do Cosme Velho[29].

A parte do “bruxo” é um pouco mais curiosa e até mesmo divertida: afirmam que certa vez, quando morava no Cosme Velho, Machado de Assis queimou algumas cartas em um caldeirão no sobrado onde vivia. A vizinhança viu o ato e passou a chamá-lo de bruxo a partir daquele dia[30].

Em outras funções, o escritor trabalhou no Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas e, ficou encarregado dos mais aprofundados pareceres, essencialmente os de ordem jurídica[31].

‘Grande escritor, mas péssimo secretário!’, escreveu o ex-presidente da República sobre Machado de Assis. Disse Epitácio Pessoa[32].

“É verdade que uma vez, em conversa, qualifiquei Machado de Assis, não de péssimo funcionário, mas de péssimo secretário” apud França Filho. Esta qualificação, talvez um tanto severa demais, fundava-a eu na falta de método e na demora e confusão de que se ressentia a sua ação no preparo, exposição e despacho no expediente do Ministério da Viação, pelo menos durante os três meses que ali serviu como meu secretário, afirmou de certa feita Presidente Epitácio Pessoa[33].

Machado segundo Magalhães Jr.[34], passou vários anos constrangido e humilhado até encontrar, em Lauro Müller – o grande ministro da Viação que iniciou as obras do Porto do Rio de Janeiro e fez construir a avenida Central, hoje avenida Rio Branco – quem lhe fizesse justiça. Lauro Müller fez Machado voltar a ser diretor.

E diretor-geral de Contabilidade. O sucessor de Lauro Müller, Miguel Calmon, a 16 de dezembro de 1907, aumentou ainda mais suas responsabilidades, nomeando-o juntamente com Luís Rodolfo Cavalcanti de Albuquerque (diretor das Rendas Públicas do Tesouro Nacional) e com o engenheiro Francisco Bicalho, para exercer as funções de membro da Comissão Fiscal e Administrativa das Obras do Porto do Rio de Janeiro, sem prejuízo de suas funções de diretor-geral de contabilidade.

Morreu Machado de Assis sem ter se aposentado, porque teve a preocupação de ser útil à pátria, enquanto teve forças para tanto.

Seus funerais foram custeados pelo governo federal e o Ministério da Viação, Indústria e Obras Públicas, em que ele trabalhava (o da Agricultura já tinha então existência à parte). O expediente da Diretoria Geral de Contabilidade foi encerrado ao meio-dia, para que os funcionários subordinados a Machado de Assis pudessem comparecer ao enterro, que saiu do Silogeu Brasileiro, à rua Augusto Severo, onde então a Academia Brasileira de Letras tinha a sua sede.

Com o direito contemporâneo brasileiro temos a tipificação do crime de racismo, de injúria racial, de assédio moral.

Assédio moral é a exposição de alguém a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas. Geralmente, tal expressão se refere a atos ocorridos durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções. No Brasil, não há uma lei específica para assédio moral, mas esta pode ser julgada por condutas previstas no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A primeira lei brasileira específica para o tema, contudo, é datada de 2000, no município de Iracemápolis, de autoria do professor João Renato Alves Pereira, que é também autor do primeiro livro publicado no Brasil, sendo palestrante na área do aperfeiçoamento das relações de trabalho.

Há alguns Estados do Brasil, como Pernambuco, que já publicaram lei específica tratando sobre o tema. A lei estadual nº 13.314, de 15 de outubro de 2007, de autoria do deputado Isaltino Nascimento, foi regulamentada pelo governador Eduardo Campos através da lei nº 30.948, de 26 de outubro de 2007. Foi a primeira lei sobre o tema a ser regulamentada em todo Brasil.

Também no Estado de São Paulo, há lei que veda o assédio moral no âmbito da administração pública estadual direta, indireta e fundações públicas. O projeto de lei criado em 2001 de autoria do deputado Antonio Mentor tornou-se a lei 12 250, de 9 de fevereiro de 2006. Atualmente, está em contestação no Supremo Tribunal Federal pela ADIN 3.980, de 23 de outubro de 2007 (Ação Direta de Inconstitucionalidade).

Em Minas Gerais, foi publicada a Lei Complementar 116/2011, que cuida da prevenção e da punição do assédio moral na administração pública estadual.

Extraímos um trinômio para caracterização do assédio moral no trabalho: a conduta abusiva (não eticamente esperada), desempenho desse assédio por meio do comportamento (palavras, ações, gestos que reforçam as características básicas de assédio moral e visibilidade) e o fator temporal (repetidamente, por tempo prolongado). Provas de assédio moral geralmente são comprovadas por meio de testemunhos puros.

Segundo, a comprovação também pode ser feita fornecendo documentos (por exemplo, e-mails) ou gravações que demonstrem o comportamento do assediador. Nesse último caso, relativo às gravações, é bom o advogado tomar muito cuidado, pois há jurisprudência que considera a gravação (via celular ou gravação em tempo real) como prova legal, mas há alguns tribunais que podem contradizer isso.

No direito positivo brasileiro, in litteris:

Lei 9.029/1995: “Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no Inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal”.

Vide Jurisprudência: “O assédio moral pode ser conceituado como o abuso praticado no ambiente de trabalho, de forma antiética, intencional e maliciosa, reiterado no tempo, desvinculado da conotação sexual ou racial (que configuram hipóteses com definições específicas, quais sejam, assédio sexual e racismo, respectivamente), com o intuito de constranger o trabalhador, através de ações hostis praticadas por empregador, superior hierárquico ou colega de trabalho, que causem intimidações, humilhações, descrédito e isolamento, provocando na vítima um quadro de dano físico, psicológico e social. Sua natureza é predominantemente psicológica, atentando sempre contra a dignidade da pessoa humana.” (TRT-2, 1001119-20.2017.5.02.0028, Rel. RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS – 4ª Turma – DOE 05/06/2018)”.

Já a Lei nº 14.532/2023, que equipara a injúria racial ao crime de racismo, foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União em 11.01.2013. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao final da cerimônia de posse das ministras Anielle Franco (Igualdade Racial) e Sonia Guajajara, (Povos Indígenas), realizada no Palácio do Planalto, a legislação já está em vigor.

A norma altera a Lei do Crime Racial (7.716/1989) e o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) para tipificar como racismo a injúria racial. A mudança aprofunda a ação de combate ao racismo, porque cria elementos para interpretação dos contextos e evidencia algumas modalidades de racismo que não eram, propriamente, evidentes.

A agressão a atletas, juízes, torcedores e torcidas, em um ambiente de prática de esportes, é compreendido como racismo esportivo. O deboche ou as piadas ofensivas disfarçadas de humor caracterizam o racismo recreativo. O preconceito e a desqualificação das religiões afrobrasileiras é racismo religioso.

Os crimes previstos na Lei terão penas aumentadas de um terço (1/3) até a metade, quando ocorrerem "em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação". Da mesma forma, terão as penas aumentadas os crimes praticados por funcionário público, conforme definição prevista no Código Penal, "no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las".

O STF decide que crime de injúria racial não pode prescrever O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (28), por 8 votos a 1, que o crime de injúria racial pode ser equiparado ao de racismo e ser considerado imprescritível, ou seja, passível de punição a qualquer tempo. (Vide: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=475646&ori=1 ).

Infelizmente, ainda não existe legislação brasileira específica para punir o racismo institucional.

Já o racismo estrutural é a discriminação racial sistemática presente nas estruturais sociais. Ou seja, é o racismo enraizado na sociedade, que acaba estando presente em todas as instâncias sociais, sejam institucionais, políticas ou econômicas.

Trata-se do tipo de racismo[35] que já faz parte da cultura de um povo e contribui para a perpetuação de desigualdades. O racismo estrutural no Brasil tem origem no processo de colonização e escravização da população indígena e africana a partir do século XV.[36]

 

Obs.: Aproveito a oportunidade para parabenizar minha filha Ingrid Louise Alves Pereira que é meu maior tesouro afetivo e humano.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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