RESUMO
A usucapião revela-se uma forma de aquisição originária da propriedade, de tal modo que, preenchidos os seus requisitos, não se pode obstar o reconhecimento da aquisição do domínio imobiliário sob o pretexto de estar ele submetido ao parcelamento irregular do solo urbano. Não podem, portanto, normas de cunho administrativo derruir a norma civil-constitucional que garante o reconhecimento da propriedade e o amplo acesso ao direito de moradia, sobretudo em função da finalidade prática que o instituto da usucapião guarda consigo, que é justamente a regularização fundiária urbana. A jurisprudência, tanto do Tribunal de Justiça de Santa Catarina quanto do Superior Tribunal de Justiça, em nível nacional nesse último caso, caminha nesse mesmo sentido de que as normas de parcelamento do solo urbano, sejam elas federais, regionais ou locais, não prejudicam a aquisição da propriedade imobiliária pela via da usucapião, em qualquer das modalidades possíveis.
Palavras-chave: Jurisprudência; Usucapião; Solo urbano.
ABSTRACT
Usucapion is a form of original acquisition of property, such that, once its requirements are met, the recognition of property acquisition cannot be hindered by the pretext that it is subject to irregular land subdivision. Therefore, administrative norms cannot undermine the civil-constitutional rule that guarantees the recognition of property and broad access to the right to housing, especially given the practical purpose that the usucapion institution serves, which is precisely the regularization of urban land. Jurisprudence, both from the Court of Justice of Santa Catarina and from the Superior Court of Justice at the national level, follows this same direction: that urban land subdivision norms, whether federal, regional, or local, do not impair the acquisition of real property through usucapion, in any of its possible forms.
Keywords: Jurisprudence; Usucapion; Urban land.
EXPOSIÇÃO INTRODUTÓRIA
O direito de propriedade, além de ser o principal dentre os direitos reais, previsto expressamente pelo art. 1.225, inciso I, e no art. 1.228, ambos do Código Civil (Brasil, 2002), caracteriza-se verdadeiro direito fundamental individual, assim consagrado pela Constituição da República Federativa do Brasil no seu art. 5º, inciso XXII (Brasil, 1988). É também princípio elementar da ordem econômica brasileira, tal como assevera o art. 170, inciso II, do mesmo corpo normativo (Brasil, 1988). Quando se trata da propriedade imobiliária, a temática ganha relevância maior ainda por conta do direito fundamental social de moradia, estampado no caput do art. 6º da Carta Magna Brasileira (Brasil, 1988).
Segundo orienta Fachin (2001 apud Tartuce, 2021, v. 4), toda pessoa tem direito a um mínimo patrimonial, sob pena de se esvair o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. Nessa sistemática, o direito real de propriedade revela sua forte aproximação com os direitos existenciais de personalidade.
É nesse contexto que será abordado o instituto da usucapião durante este singelo trabalho, que, conforme será objeto de destaque no item subsequente, estabelece uma relação de simbiose entre o direito de propriedade e a máxima constitucional da dignidade da pessoa humana, já que garante, pragmaticamente, o acesso à propriedade e à própria moradia, mormente em se considerando a realidade brasileira hodierna. Inclusive, é aí que mora um dos sentidos práticos da máxima da função social da propriedade, norma que, ladeada pela função econômica, detém status igualmente constitucional, cuja previsão repousa no art. 5º, inciso XXIII, da Constituição (Brasil, 1988).
Logo, o objetivo desta abordagem é justamente expor e analisar a problemática enfrentada no âmbito da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Superior Tribunal de Justiça quando se envolve usucapião de imóveis urbanos inseridos em área de parcelamento clandestino do solo, tema muito recorrente no cotidiano do direito civil-imobiliário
Doravante, então, se passará a tecer comentários expositivos sobre a usucapião imobiliária, também sobre o parcelamento do solo urbano e, ao final, a jurisprudência catarinense e superior.
USUCAPIÃO IMOBILIÁRIA
A usucapião nada mais é do que uma forma de aquisição originária do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real que por esse meio possa ser adquirido, em razão do exercício prolongado da posse (no tempo ditado pela lei), e desde que observados os demais pressupostos previstos pelo ordenamento jurídico.
A esse propósito e com a mesma essência concepcional, leciona Lôbo (2022, p. 139, v. 4) que
A usucapião é o modo de aquisição originária da coisa imóvel, em virtude da posse contínua de alguém no tempo estabelecido em lei. São seus elementos: posse, continuidade e consumação do tempo legal. O elemento principal é a posse, para se adquirir originariamente, sem relação com o possuidor anterior. A posse, para fins de usucapião, é, consequentemente, a posse própria, que não se confunde com a posse do proprietário, pois este não precisa usucapir para adquirir a propriedade. Se a posse foi descontínua ou interrompida, não podem ser somados os respectivos períodos de tempos. Apenas se considera o último período temporal, para sua aferição.
O instituto em análise sedimenta-se na linha da prescrição aquisitiva, já que o fator tempo (de exercício possessório ininterrupto) é que a caracteriza na espécie. Revela-se o oposto da prescrição extintiva – com regulamentação entre os arts. 205 e 206 do Código Civil (Brasil, 2002) – esta que, ao invés de fazer adquirir um direito, o faz padecer (neutraliza a pretensão do titular de um direito subjetivo).
Não se olvide que a usucapião também se aplica aos bens móveis, contudo, para fins de análise neste trabalho, apenas importará a usucapião imobiliária, prevista em lei e na Constituição para bens imóveis. Nesse contexto, podemos subdividi-la em usucapião extraordinária, ordinária, tabular, especial urbana e especial rural, coletiva (urbana), indígena e, por fim, familiar.
Pouco importa qual das modalidades listadas se verse no plano concreto, a posse ad usucapionem (oposto da ad interdicta) sempre deverá estar presente e, segundo dispõe a lei geral privada, a sentença da respectiva ação de usucapião imobiliária tem natureza declaratória e constitui título hábil para registro no cartório de imóveis competente, exegese do art. 1.241 do Código Civil (Brasil, 2002). É por isso que, preenchidos os requisitos legais, incluído o tempo necessário, reputa-se adquirida a propriedade da coisa imóvel pela usucapião, ainda que não haja sentença que a reconheça, de tal sorte que o dito proprietário de fato poderá manejar, se for o caso, ação publiciana, de natureza eminentemente petitória, com o fim de retomar a coisa para si.
A referenciada posse ad usucapionem se desdobra em posse com ânimo de dono (animus domini), mansa/pacífica e contínua/ininterrupta durante um interregno temporal determinado, assim como a possibilidade de usucapir a coisa, já que ela deve ser alienável e, regra geral, não pode ser pública.
A despeito de qualquer relação jurídica com o proprietário anterior, não incidirá o fato gerador do ITBI (a transmissão da propriedade, a teor do art. 35 do CTN), já que o usucapiente não adquire a coisa do antigo proprietário, mas contra o antigo proprietário. Outrossim, se existir eventual ônus real sobre o imóvel, em razão de negócio jurídico praticado pelo antigo proprietário (v.g., hipoteca, servidão), não subsistirá o gravame perante o usucapiente, que receberá a propriedade límpida, isenta de máculas (Farias; Netto; Rosenvald, 2018, p. 1450).
Quanto às específicas modalidades de usucapião de bens imóveis, a primeira é a extraordinária comum, prevista no art. 1.238, caput, do Código Civil, e que exige, para sua caracterização concreta, o exercício da posse ad usucapionem por 15 (quinze) anos, independentemente de justo título e boa-fé. O parágrafo único do dispositivo em tela consagra a usucapião extraordinária por posse-trabalho, reduzindo o lapso para 10 (dez) anos se o possuidor estabeleceu no imóvel a sua moradia habitual ou se nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo (Brasil, 2002). Essa última previsão traz consigo a função social da posse.
A usucapião ordinária, por sua via, tem seus requisitos estampados no art. 1.242 do Código Civil, em que a posse ad usucapionem deve ser exercida por um interregno decenal, acrescida da existência de um justo título e boa-fé (Brasil, 2002). Entende-se por justo título aquele documento que, se não fosse o vício que lhe acomete, seria hábil à transferência do domínio e, por boa-fé, a ignorância do possuidor acerca do vício que macula sua posse (aqui o princípio assume feição subjetiva).
O parágrafo único do dispositivo em referência prevê no seu âmago a usucapião tabular, que, segundo a doutrina, caracteriza-se pela espécie “[...] de usucapião que provoca o convalescimento de uma nulidade absoluta registral em favor daquele de que de boa-fé tiver o seu título registrado no cartório imobiliário” (Melo; Porto, 2021, p. 120). O usucapiente deverá possuir a coisa, segundo o dispositivo legal, por um período mínimo de 5 (cinco) anos, além de que se faz necessário o estabelecimento de sua moradia ou, então, a realização de investimentos de interesse social e econômico. Mais uma vez, se consagra nesse último ponto a função social da posse.
A usucapião especial rural, também denominada pró-labore, está prevista no art. 191, caput, da Constituição da República, pelo qual “aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade” (Brasil, 1988) pela via da usucapião. A norma foi literalmente repetida no art. 1.239 do Código Civil (Brasil, 2002).
Já a usucapião especial urbana, também denominada pró-misero, repousa no art. 183, caput, também da Constituição, segundo o qual “aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural" (Brasil, 1988). O § 2º prevê a unicidade do exercício desse direito, razão tal que não se reconhece a usucapião especial urbana mais de uma vez ao mesmo possuidor. Guise-se, outrossim, de que a norma é repetida, na íntegra, pelo art. 1.240 do Código Civil (Brasil, 2002) e pelo art. 9º do Estatuto da Cidade (Brasil, 2001).
A usucapião especial coletiva urbana, ou simplesmente usucapião coletiva, está substancialmente tratada no art. 10 da Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), cujo caput dispõe “os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural” (Brasil, 2001). A norma, como está citada, teve sua redação atualizada pela Lei n. 13.465/2017, que além das diversas modificações que promoveu no sistema legislativo pátrio, disciplinou a regularização fundiária rural e urbana (Brasil, 2017).
A usucapião especial indígena, apesar de pouco comentada na doutrina e pouco usual na praxe forense, é regulamentada pelo art. 33, caput, da Lei n. 6.001/1973 (Estatuto do Índio), que dispõe, in verbis, “o índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena”. O parágrafo único traz a excepcionalidade, pelo qual “o disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal” (Brasil, 1973).
Por derradeiro, a usucapião familiar, também conhecida como usucapião por abandono do lar, está prevista no art. 1.240-A da lei geral privada. Seu prazo bienal é o menor dentre todas as modalidades até então indicadas e, nesse caso, só se adquire a propriedade correspondente a quota-parte do outro consorte (que abandonou o lar). Prevê o dispositivo:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez (Brasil, 2002).
O tempo de exercício de posse pode ser somado pela cadeia de possuidores de um determinado bem para fins de contagem do prazo mínimo exigido pela lei para aquisição do respectivo domínio pela usucapião – o instituto chama-se acessio possessionis –, desde que todas essas posses (somadas) sejam contínuas, pacíficas e, no caso da usucapião ordinária, com justo título e boa-fé, exegese literal do art. 1.243 do Código Civil (Brasil, 2002).
Convém registrar, todavia, que o regramento é excepcionado (portanto não se aplica) para a usucapião especial urbana e para a usucapião especial rural, dado o tratamento específico dessas modalidades na norma constitucional (Tartuce, 2020, v. 4) e na legislação extravagante. Nesse diapasão, dispõe o Enunciado n. 317 do CJF/STJ, aprovado na IV Jornada de Direito Civil: “a accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente” (Conselho da Justiça Federal, 2006).
Ademais, encerrando o estudo do instituto da usucapião, deveras rememorar que, por força do art. 1.244 do Código Reale, “estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião” (Brasil, 2002). Guise-se de que as referidas causas impeditivas, interruptivas e suspensivas da prescrição estão previstas entre os arts. 197 a 201 do diploma privado.
PARCELAMENTO DO SOLO URBANO
O parcelamento do solo urbano é disciplinado, em linhas gerais, pela Lei n. 6.766/1979 (Brasil, 1979), sem prejuízo da legislação regional ou local a dispor do assunto de forma mais específica e de modo a lhe complementar. Com efeito, o parágrafo único do art. 1º da lei em referência elucida que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e locais”.
Efetiva-se, no plano concreto, pelo desmembramento ou pelo loteamento. Desmembrada ou loteada a gleba, passam a existir os denominados lotes. Existe ainda, como espécie do gênero parcelamento do solo urbano, a figura do desdobro, em que pese não regulamentado pela lei federal indigitada.
Para fins elucidativos, extrai-se da própria lei (em seu art. 2º) os conceitos das espécies mencionadas:
Art. 2º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§ 1º Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
[...]
§ 4º Considera-se lote o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.
[...] (Brasil, 1979).
Didaticamente, explica Scavone Júnior (2022, p. 162)
O loteamento se diferencia do desmembramento na exata medida em que, neste, não há como falar em abertura ou prolongamento das vias de circulação e, tampouco, de logradouros públicos, tais como as praças e ruas.
Inicialmente, haverá loteamento no caso de subdivisão da gleba em lotes com abertura de ruas, vielas, praças e outros logradouros públicos.
Se a subdivisão da gleba em lotes aproveitar a malha viária e os equipamentos públicos já existentes, estaremos diante de desmembramento.
Traz o autor, em resumo, que “[...] legalmente, só há loteamento ou desmembramento se da atividade de parcelar o solo urbano extrair-se uma subdivisão de gleba em lotes” (Scavone Júnior, 2022, p. 162). Gleba nada mais é do que a porção maior da terra, de onde advirão os lotes após a concretização do parcelamento perante as repartições competentes.
Em que pese seja necessária a formulação de projeto, a observância de diversos requisitos e a respectiva aprovação pela administração pública e posterior registro regular junto do Cartório de Registro de Imóveis, na realidade urbanística pátria é muito comum a efetivação do parcelamento clandestino e irregular do solo, sem a observância das métricas mínimas estabelecidas pela lei federal e local (dentre as quais destaca-se o plano diretor municipal). Essa realidade é ainda mais comum entre pessoas com idade avançada que, de boa-fé, desconhecedoras da lei, parcelam o solo sem a devida atenção ao que disserta a norma jurídica sobre o tema, malgrado o art. 3º da Lei de Introdução (LINDB) preveja que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (Brasil, 1942).
É oportuno destacar, de antemão, que apesar do comando normativo indigitado por último, não se pode presumir absolutamente que todos conhecem o teor da lei a partir da sua publicação. Pensar assim seria utópico e levaria a uma distorção da realidade, sobretudo em razão da realidade legislativa brasileira, que – decorrência do sistema romano-germânico civil law – vive numa constante em que para quase tudo há lei positivada. Transcreve-se os ensinamentos de Zeno Veloso (2005, p. 53 apud Tartuce, 2022, v. 1, p. 13), para quem
Não se deve concluir que o aludido art. 3º da Lei de Introdução está expressando uma presunção de que todos conhecem as leis. Quem acha isto está conferindo a pecha de inepto ou insensato o legislador. E ele não é estúpido. Num país em que há um excesso legislativo, uma superprodução de leis, que a todos atormenta, assombra e confunde – sem conter o número enormíssimo de medidas provisórias –, presumir que todas as leis são conhecidas por todo mundo agrediria a realidade.
A problemática, então, reside justamente na recorrente usucapião imobiliária de imóvel menor inserido numa grande área maior submetida a parcelamento clandestino do solo (em outras palavras: “usucapir um ‘lote’ dentro da ‘gleba’”), dado que há incontáveis decisões judiciais monocráticas, proferidas por magistrados em primeiro grau de jurisdição – normalmente com esteio em pareceres do ministério público –, a se basear nisso como óbice ao pleito de usucapião, por implicar em desrespeito à normas urbanísticas e ambientais.
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Jurisprudência nada mais é do que um conjunto de decisões colegiadas em um determinado sentido emanadas de um Tribunal. Na concepção de Tartuce (2022, p. 35, v. 1), “[...] a jurisprudência, pode ser conceituada como a interpretação da lei elaborada pelos órgãos do Poder Judiciário”. A rigor do art. 926, caput, do Código de Processo Civil, “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (Brasil, 2015).
Neste tópico, analisar-se-á ponto a ponto justamente o entendimento jurisprudencial adotado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (unidade da federação em que é bastante comum a situação explicitada no último parágrafo do título anterior) e pelo Superior Tribunal de Justiça quando o assunto é a temática trilhada neste artigo.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
Primeiro ponto importante de destaque é que, em sua grande maioria, os recursos (de apelação) levados ao crivo do colegiado são interpostos pelo Ministério Público de Santa Catarina, irresignado com a sentença do juízo de primeiro grau que reconheceu o domínio do imóvel ao pretendente, pela usucapião, ao arrepio das normas urbanísticas e regulamentares do parcelamento do solo.
Sucede, contudo, que no âmbito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina a jurisprudência é unânime no sentido de que não se pode prejudicar a aquisição da propriedade pela via originária em virtude da inobservância de normas de cunho administrativo-urbanístico que tratam de parcelamento do solo urbano.
Em precedente datado de 02 de abril de 2024, no julgamento do apelatório n. 50006318820228240050, destacou em seu voto o desembargador relator, André Carvalho (da Terceira Câmara de Direito Civil), que uma vez “[...] existente previsão constitucional e no Código Civil acerca dos requisitos necessários para a aquisição originária da propriedade, inviável que se exija do interessado requisito não disposto em lei, sobretudo quando constatada sua boa-fé, mormente porque se deve ter por parâmetro a mens legis de proteção à função social da propriedade” (Santa Catarina, 2024).
Além disso, o magistrado também deixou assente que “[...] eventual desrespeito às normas de parcelamento de solo não implica no reconhecimento da usucapião extraordinária, de modo que, preenchidos os requisitos legais, deve ser declarada a propriedade originária da parte autora” (Santa Catarina, 2024) e, como decorrência lógica da declaração da respectiva propriedade pela via originária, faz-se imprescindível a abertura de matrícula imobiliária individualizada do imóvel usucapido.
Em outro precedente, este de 16 de novembro de 2023, na definição do apelo n. 03011016220168240141, em relatório sob sua lavra pelo provimento do recurso, o desembargador Edir Josias Silveira Beck (da Primeira Câmara de Direito Civil) destacou que “o fato de o imóvel não estar loteado ou desmembrado, condicionante exigida em sentença para expedição de ordem de registro, não é óbice à aquisição originária pela via da usucapião, vez que a lei não impõe como requisito a obrigatoriedade de regularização urbanístico-registrária da área maior onde localizado o lote usucapiendo” (Santa Catarina, 2023).
De acordo com o posicionamento abonado pelo julgador, com razão, “as limitações impostas em normas de parcelamento do solo não devem se sobrepor ao direito à aquisição do domínio via usucapião, máxime porque a lide em questão versa sobre aquisição originária de propriedade e não de constituição de loteamento ou consecução de desmembramento” (Santa Catarina, 2023).
No mesmo itinerário, em precedente de 14 de fevereiro do mesmo ano de 2023, apontou o desembargador relator Ricardo Fontes (da Quinta Câmara de Direito Civil), ao votar pelo provimento da apelação n. 50113429720208240091: “a existência de negócio jurídico entre o proprietário registral e o cedente da posse à autora - quando o imóvel está inserido em área maior e não desmembrada - não é óbice ao conhecimento e julgamento da ação de usucapião. Ademais, o ajuizamento de ação de adjudicação compulsória mostra-se fadada à improcedência quando o imóvel se encontra inserido em área maior e não desmembrada” (Santa Catarina, 2023).
A mesma essência já vinha sido trilhada em julgados de 2021. Sob a relatoria do desembargador Gerson Cherem II (da Primeira Câmara de Direito Civil), na definição da apelação n. 50013769720198240139, extrai-se do escólio de jurisprudência o seguinte:
Apelação cível. Ação de usucapião ordinária. Recurso do Ministério Público. Alegada ausência de interesse de agir da autora. Área usucapienda inserida em terreno maior. Tentativa de realização do parcelamento irregular do solo. Afronta à Lei n. 6.766/1979. Insubsistência. Regularidade do solo urbano que não constitui requisito para aquisição originária da propriedade. [...] Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido (Santa Catarina, 2021).
Do mesmo ano de 2021, ao proceder a análise exauriente da apelação n. 00031383020058240139, consignou a Quarta Câmara de Direito Civil, sob a relatoria do desembargador Helio David Vieira Figueira dos Santos, em palavras didáticas que corroboram a tese ventilada neste artigo:
Apelação cível. Ação de usucapião extraordinária. Sentença de procedência. Recurso do Ministério Público. Alegação de que se trata de imóvel que não se submeteu ao regular parcelamento do solo. Irrelevância. Restrições da Lei n. 6.766/79 que não se aplicam à forma de aquisição originária da propriedade. Requisitos previstos no art. 1.238 do CC preenchidos. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido (Santa Catarina, 2021).
De fato, preenchidos os requisitos necessários à aquisição da propriedade imobiliária pela via da usucapião, estampados em um dos dispositivos constitucionais ou legais referenciados alhures, não há se impedir ou prejudicar o exercício desse direito diante de normas de cunho urbanístico-ambiental, sobretudo porque o instituto também se presta, no seu fim social, a regularizar o setor fundiário urbano, reconhecendo o direito de propriedade ao possuidor que preencheu os subsídios necessários para tanto.
Além do mais, crucial lembrar: manejar pedido de adjudicação compulsória de imóvel que não contém matrícula, esteja ele ou não dentro de área maior matriculada, traduz-se em verdadeira atecnia jurídica. O pleito adjudicatório está condicionado, geralmente, à impossibilidade de se proceder a confecção do instrumento definitivo de alienação do imóvel (via de regra, uma escritura pública) que seria levado posteriormente à registro no fólio imobiliário para transferência efetiva da propriedade sobre o bem e, pela lógica, se essa matrícula não existe, não há possibilidade jurídica (nem razão de ser) para o dito provimento judicial, pois naturalmente não poderá ser registrado para que possa atingir o seu fim, forte no art. 236 da Lei de Registros Públicos (Brasil, 1973).
Por derradeiro, no sentido de que também é irrelevante se a área de terra a ser usucapida é ou não inferior ao que foi estipulado em norma local de zoneamento, em precedente de 2014, do mesmo órgão Judiciário, sob relatoria do Desembargador Fernando Carioni (da Terceira Câmara de Direito Civil) em caso envolvendo pleito de usucapião ordinária, apelação n. 20140553030:
"As normas urbanísticas de parcelamento do solo não podem configurar óbice à consolidação jurídica do legítimo exercício fático de direitos inerentes à propriedade sobre bem imóvel tão somente por ser dotado de área inferior àquela estabelecida em legislação municipal de zoneamento urbano, sob pena de se atentar contra a dignidade da pessoa humana, em sua acepção de legítima expectativa do indivíduo quanto ao firmamento jurídico de situações faticamente consolidadas e da dignidade enquanto legítimo possuidor, e contra a função social da propriedade, porquanto se impede uma fruição adequada do bem, propiciando sua subutilização e, possivelmente, seu abandono, de modo a prejudicar, ainda, a coletividade e a sociabilidade proprietária" [...] A aquisição da propriedade pela usucapião ordinária exige o exercício da posse, com justo título e boa-fé, sem interrupção nem oposição, com ânimo de dono, por período não inferior a 10 (dez) anos (Santa Catarina, 2014).
Logo, indubitável que, no âmbito da jurisprudência catarinense, apesar de esparsas decisões sentenciais de primeiro grau extinguindo o processo (com base no pressuposto processual do interesse de agir pela adequação) e obstando a usucapião por submissão do imóvel que lhe é objeto estar submetido a parcelamento irregular do solo ou por perfazer área inferior àquela estabelecida na legislação municipal, é evidente que não se pode confundir a dimensão dos institutos, sobretudo porque não cabe ao Judiciário, tampouco ao ministério público, fazer as vezes do Legislativo e, nisso, exceder sua função constitucional para adicionar mais requisitos à usucapião do que aqueles já previstos na própria lei de regência da matéria.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O mesmo raciocínio jurídico trilhado pelos órgãos fracionários do Tribunal Catarinense é fielmente endossado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na sua função constitucional “[...] de assegurar a uniformização da interpretação do Direito federal no País” (Paulo; Alexandrino, 2017, p. 662). Pois bem.
Pela sistemática dos recursos especiais repetitivos, o Tribunal da Cidadania (Segunda Seção, composta pela Terceira e pela Quarta Turma) firmou duas teses importantíssimas a respeito da temática estudada neste artigo: o tema n. 985 e o tema n. 1025. O primeiro originou-se dos recursos especiais n. 1667842 e n. 1667843, ambos de Santa Catarina. O segundo, por sua via, teve por paradigma o recurso especial n. 1818564, do Distrito Federal. Ambos foram selecionados como representativos da controvérsia jurídica submetida à apreciação do tribunal superior.
A tese firmada no tema repetitivo n. 985 traz que “o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal” (Brasil, 2020). No tema repetitivo 1025, com aplicação mais específica, mas com substância que se pode estender a outros casos semelhantes, firmou-se que “é cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística” (Brasil, 2021).
De acordo com a primeira premissa trilhada pela corte, para que haja o reconhecimento da aquisição da propriedade de imóvel pela usucapião, basta restarem preenchidos os requisitos elencados na lei que trata do tema, sem incidência de qualquer outro requisito que não aqueles estampados na Constituição e no Código Civil.
No acórdão, o ministro relator Luis Felipe Salomão destacou que o parcelamento do solo e as normas de edificação são providências relativas à função social da cidade. Por outro lado – explicou o magistrado –, a usucapião tem por objetivo a regularização da posse e, uma vez reconhecida judicialmente, assegura justamente o cumprimento da função social da propriedade. Na análise do mérito, o relator corretamente entendeu que o reconhecimento do direito à usucapião extraordinária, a espécie mais comum dentre as destacadas oportunamente, se condiciona apenas ao preenchimento dos requisitos do art. 1.238 do Código Civil.
Mantida a coerência com essa linha de raciocínio, na sequência estabeleceu-se que imóveis particulares situados em área sujeita ao processo de regularização urbanística também podem ser usucapidos normalmente. Conforme consignou o ministro relator Moura Ribeiro ao julgar a matéria de direito da lide posta a seu exame, que versava sobre pedidos de usucapião de diversos imóveis (lotes) localizados no Setor Tradicional da Planaltina/DF,
Proporcionar o bem-estar é princípio constitucional que ninguém pode olvidar.
Em suma, não há nenhum motivo concreto para imaginar que a declaração de usucapião dos imóveis em testilha possa atrapalhar o processo de regularização fundiária da região.
A definição dos verdadeiros proprietários do solo configura, em hipóteses como a dos autos, o primeiro passo para o restabelecimento da ordem urbana, aplaudindo o bem-estar e a praz social.
Imagine-se, por exemplo, que o Distrito Federal tenha planejado a construção de uma escola ou um posto de saúde em determinada área do Setor Tradicional de Planaltina, hoje ocupada por particulares de boa-fé. Nessa conjuntura, havendo necessidade de desapropriação, a indenização correspondente deve ser paga a quem de direito e não àquele que figura no Registro de Imóveis como o proprietário da terra.
Não parece mesmo justo que a indenização em caso de desapropriação seja paga ao proprietário do imóvel assim indicado no registro de imóveis, e não àquele que efetivamente o adquiriu por usucapião.
Aliás, o tal proprietário só tem lembrança, se é que tem, de que um dia possuiu aquele imóvel. Mera recordação.
Por outro lado, nas situações em que o imóvel esteja sendo eventualmente usado de forma contrária ao interesse público, o Poder de Polícia da Administração deve ser dirigido àquele que efetivamente se apresenta como dono do imóvel, e não àquele assim indicado no Registro de Imóveis (Brasil, 2021, p. 32)
A ratio decidendi é perfeita e traduz no caso concreto toda a base principiológica entrelaçada ao direito de propriedade, especialmente sua funcionalidade socioeconômica e socioambiental, sobretudo porque, tal como destacou o célebre ministro, “[...] o reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização [...]” (Brasil, 2021, p. 2).
A par disso tudo, também se fez questão de deixar claro no julgado que o oficial do registro imobiliário estará plenamente autorizado (em verdade, poder-se-ia dizer até mesmo obrigado) a abrir nova matrícula individualizada do imóvel objeto da usucapião assim declarada, mesmo que ele esteja localizado em terreno irregular. Digno de registro, nesse ponto, que o reconhecimento da prescrição aquisitiva em favor do possuidor constitui pressuposto da própria matrícula imobiliária, e não o oposto.
Para finalizar (mas não exaurir) o estudo do tema, é de se dar destaque ao fato de que já em 2016 o Superior Tribunal de Justiça – escorado por tese de repercussão geral consolidada em 2015 no âmbito da competência do Supremo Tribunal Federal – firmou entendimento de que a usucapião especial urbana (pro-misero), com previsão expressa no corpo constitucional, não pode ser obstada por normas municipais que estabeleçam módulos urbanos mínimos para determinada área. Trata-se do recurso especial n. 1360017, do Rio de Janeiro, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (da Terceira Turma) (Brasil, 2016), galgado na tese firmada no tema n. 815 da repercussão geral, cujo leading case foi o recurso extraordinário n. 422349, do Rio Grande do Sul, relatado pelo ministro Dias Toffoli (Brasil, 2015).
Trocando em miúdos, normas locais de zoneamento, infraestrutura e planejamento urbano são hierarquicamente inferiores à Constituição Federal e ao próprio Código Civil, por isso o que está previsto nesses dois últimos diplomas a respeito do tema deverá prevalecer no caso concreto. No caso da modalidade de usucapião tratada no julgado (especial urbana), a sistemática é ainda mais relevante porque o próprio constituinte originário (e o legislador, no Código Civil) estabeleceu como um dos parâmetros o tamanho máximo da área urbana a ser objeto do pedido de reconhecimento da usucapião – 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) –, destarte a lei municipal naturalmente não poderá estabelecer qual seria o tamanho mínimo, principalmente porque na esmagadora maioria dos casos ele acaba sendo maior do que o máximo constitucional/legal.
CONCLUSÃO
A usucapião, como dito, representa uma das formas de aquisição originária da propriedade ou de qualquer outro direito real passível de aquisição pelo prolongamento da posse no tempo, com requisitos para sua caracterização previstos por lei. Por isso, pouco importará a situação tabular da coisa imóvel objeto do pleito declaratório de aquisição do domínio, a propriedade reconhecida ao usucapiente é necessariamente primigênia, de tal sorte que as regras de parcelamento do solo urbano não devem ser óbice ao reconhecimento judicial ou extrajudicial desse direito material.
É justamente nesse sentido que caminha a jurisprudência, em especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e do Superior Tribunal de Justiça. Por isso, se pode concluir com segurança que a jurisprudência está em perfeito consenso com a máxima da função social, econômica e ambiental da posse e da propriedade em todas as suas nuances. A técnica perfeita encampada pelos precedentes estudados ampara o acesso ao direito fundamental de propriedade, concretiza o direito fundamental à moradia e, ao cabo, atende fielmente ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.
Arrisca-se dizer, por tudo isso, que todo entendimento em sentido contrário estaria em desacordo com a própria legislação federal, malgrado ela própria preveja normas procedimentais específicas e próprias ao parcelamento regular do solo (por loteamento ou desmembramento), além de meios jurídicos e administrativos igualmente hábeis à regularização fundiária urbana (exemplo disso é a criação do REURB e dos programas de acesso à terra e à habitação).
Acontece, porém, que vivemos num País que adota o civil law e se o legislador quisesse estabelecer mais requisitos do que aqueles que já previu para a aplicação da usucapião, o teria feito expressamente quando legislou sobre o assunto. Vale dizer, sem embargo da crescente valorização e da força vinculante conferida ao sistema de precedentes, não pode o Poder Judiciário – muito menos o ministério público – usurpar a função típica atribuída ao Poder Legislativo e fazer papel de legislador para inovar a ordem jurídica em processos judiciais, ao ponto de impor na casuística pressupostos que o parlamento intencional e deliberadamente dispensou e não exigiu.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Superior Tribuinal de Justiça (2. Seção). Recurso Especial n. 1667843, de Santa Catarina. Recurso especial representativo de controvérsia. Usucapião extraordinária. Imóvel usucapiendo com área inferior ao módulo urbano disposto na legislação municipal. Requisitos previstos no art. 1.238 do CC: posse, animus domini, prazo de 15 (quinze) anos. Reconhecimento do direito à aquisição da propriedade não sujeito a condições postas por legislação diferente daquela que disciplina especificamente a matéria. 1. Tese para efeito do art. 1.036 do CPC/2015: O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal. 2. No caso concreto, recurso especial não provido, a fim de afirmar a inexistência de impedimento para que o imóvel urbano, com área inferior ao módulo mínimo municipal, possa ser objeto da usucapião extraordinária. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 03 de dezembro de 2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201700991860&dt_publicacao=05/04/2021. Acesso em: 23 out. 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Seção). Recurso Especial n. 1818564, do Distrito Federal. [...] 4. Não se deve confundir o direito de propriedade declarado pela sentença proferida na ação de usucapião (dimensão jurídica) com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística). 5. O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização. 6. Impossível extinguir prematuramente as ações de usucapião relativas aos imóveis situados no Setor Tradicional de Planaltina com fundamento no art. 485, VI, do NCPC em razão de uma suposta ausência de interesse de agir ou falta de condição de procedibilidade da ação. [...]. Relator: Min. Moura Ribeiro, 09 de junho de 2021. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201901635267&dt_publicacao=03/08/2021. Acesso em: 23 out. 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Seção). Recurso Especial n. 1667842, de Santa Catarina. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL USUCAPIENDO COM ÁREA INFERIOR AO MÓDULO URBANO DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 1.238 DO CC: POSSE, ANIMUS DOMINI, PRAZO DE 15 (QUINZE) ANOS. RECONHECIMENTO DO DIREITO À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE NÃO SUJEITO A CONDIÇÕES POSTAS POR LEGISLAÇÃO DIFERENTE DAQUELA QUE DISCIPLINA ESPECIFICAMENTE A MATÉRIA. 1. Tese para efeito do art. 1.036 do CPC/2015: O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal. 2. No caso concreto, recurso especial não provido, a fim de afirmar a inexistência de impedimento para que o imóvel urbano, com área inferior ao módulo mínimo municipal, possa ser objeto da usucapião extraordinária. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 03 de dezembro de 2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201700992298&dt_publicacao=05/04/2021. Acesso em: 23 out. 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial n. 1360017, do Rio de Janeiro. Recurso especial. Ação de usucapião. Usucapião especial urbana. Requisitos do art. 183 da CF/88 reproduzidos no art. 1.240 do CCB/2002. Preenchimento. Parcelamento do solo urbano. Legislação infraconstitucional. Legislação municipal. Área inferior. Irrelevância. Indeferimento do pedido declaratório. Impossibilidade. Julgamento pelo supremo tribunal federal. Repercussão geral. RE nº 422.349/RS. Máxima eficácia da norma constitucional. 1. Cuida-se de ação de usucapião especial urbana em que a autora pretende usucapir imóvel com área de 35,49 m2. 2. Pedido declaratório indeferido pelas instâncias ordinárias sob o fundamento de que o imóvel usucapiendo apresenta metragem inferior à estabelecida na legislação infraconstitucional que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e nos planos diretores municipais. 3. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE nº 422.349/RS, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, fixou a tese de que, preenchidos os requisitos do artigo 183 da Constituição Federal, cuja norma está reproduzida no art. 1.240 do Código Civil, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote). 4. Recurso especial provido. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 05 de maio de 2016. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201101499236&dt_publicacao=27/05/2016. Acesso em: 23 out. 2024.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Pleno). Recurso extraordinário n. 422349, do Rio Grande do Sul. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Usucapião especial urbana. Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamento em exigência supostamente imposta pelo plano diretor do município em que localizado o imóvel. Impossibilidade. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. Recurso provido. 1. Módulo mínimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2. Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo maior, dividida em composse. 2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal. 3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote). 4. Recurso extraordinário provido. Relator: Min. Dias Toffoli, 29 de abril de 2015. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9046379. Acesso em: 23 out. 2024.
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SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça (1. Câmara de Direito Civil). Apelação cível n. 0301101-62.2016.8.24.0141. Apelação cível. Ação de usucapião. Sentença de procedência. Recurso dos autores. Parte integrante de área maior. Imóvel não desmembrado ou loteado. Regularização administrativa do parcelamento do solo exigida como condição ao registro da aquisição. Observância das regras de parcelamento do solo urbano que não constitui pressuposto para aquisição originária da propriedade pela via declaratória. Abertura de matrícula própria que é consectário da procedência. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, incluindo caso recente e assemelhado da mesma Comarca. Recurso provido. Relator: Des. Edir Josias Silveira Beck, 16 de novembro de 2023. Disponível em: https://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=321700161073872352064832180786&categoria=acordao_eproc. Acesso em: 22 out. 2024.
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça (3. Câmara de Direito Civil). Apelação Cível n. 5000631-88.2022.8.24.0050. Apelação cível. Ação de usucapião. Sentença de procedência. Apelo do Ministério Público. Alegação de irregularidade no parcelamento do solo urbano. Irrelevância. Fato que não constitui óbice à aquisição da propriedade do imóvel pela usucapião. Prevalência dos princípios constitucionais da função social da propriedade e do direito à moradia. Entendimento firmado em recurso repetitivo (Tema 985/STJ). Ausência de controvérsia acerca da posse mansa, pacífica, ininterrupta e com "animus domini", por lapso superior a 15 anos. Requisitos preenchidos. Abertura de nova matrícula individualizada que se afigura corolário lógico da declaração da propriedade do bem "per usucapionem". Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. Relator: Des. André Carvalho, 02 de abril de 2024. Disponível em: https://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=321712147171904189004970889290&categoria=acordao_eproc. Acesso em: 22 out. 2024.
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça (5. Câmara de Direito Civil). Apelação cível n. 5011342-97.2020.8.24.0091. Apelação cível. Ação declaratória. Usucapião extraordinária. Processo extinto sem resolução do mérito. Art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. Recurso da autora. Interesse processual. Ocorrência. Cessão dos direitos possessórios efetivada os herdeiros do proprietário registral. Ausência de parcelamento do solo. Inviável perseguição do direito por meio de ação de adjudicação compulsória. Pertinência jurídica da usucapião. Tema n. 1.025 do Superior Tribunal de Justiça. Sentença desconstituída. Recurso provido. Relator: Des. Ricardo Fontes, 14 de fevereiro de 2023. Disponível em: https://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=321676489024866514882620085450&categoria=acordao_eproc. Acesso em: 22 out. 2024.
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. (1. Câmara de Direito Civil). Apelação Cível n. 5001376-97.2019.8.24.0139. Apelação cível. Ação de usucapião ordinária. Recurso do Ministério Público. Alegada ausência de interesse de agir da autora. Área usucapienda inserida em terreno maior. Tentativa de realização do parcelamento irregular do solo. Afronta à Lei n. 6.766/1979. Insubsistência. Regularidade do solo urbano que não constitui requisito para aquisição originária da propriedade. Certidão da própria secretaria do município sobre a regularidade do loteamento. Reclamo afastado. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. Relator: Des. Gerson Cherem II, 11 de novembro de 2021. Disponível em: http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=321643403768907499714442091040&categoria=acordao_eproc. Acesso em: 22 out. 2024.
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. (3. Câmara de Direito Civil). Apelação Cível n. 2014.055303-0. "As normas urbanísticas de parcelamento do solo não podem configurar óbice à consolidação jurídica do legítimo exercício fático de direitos inerentes à propriedade sobre bem imóvel tão somente por ser dotado de área inferior àquela estabelecida em legislação municipal de zoneamento urbano, sob pena de se atentar contra a dignidade da pessoa humana, em sua acepção de legítima expectativa do indivíduo quanto ao firmamento jurídico de situações faticamente consolidadas e da dignidade enquanto legítimo possuidor, e contra a função social da propriedade, porquanto se impede uma fruição adequada do bem, propiciando sua subutilização e, possivelmente, seu abandono, de modo a prejudicar, ainda, a coletividade e a sociabilidade proprietária" [...] A aquisição da propriedade pela usucapião ordinária exige o exercício da posse, com justo título e boa-fé, sem interrupção nem oposição, com ânimo de dono, por período não inferior a 10 (dez) anos. Relator: Des. Fernando Carioni, 21 de outubro de 2014. Disponível em: http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAACAAI1G1AAA&categoria=acordao. Acesso em: 22 out. 2024.
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. (4. Câmara de Direito Civil). Apelação Cível n. 0003138-30.2005.8.24.0139. Apelação cível. Ação de usucapião extraordinária. Sentença de procedência. Recurso do Ministério Público. Alegação de que se trata de imóvel que não se submeteu ao regular parcelamento do solo. Irrelevância. Restrições da Lei n. 6.766/79 que não se aplicam à forma de aquisição originária da propriedade. Requisitos previstos no art. 1.238 do CC preenchidos. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido. Relator: Des. Helio David Vieira Figueira dos Santos, 21 de outubro de 2021. Disponível em: http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=321634927996485102574646115862&categoria=acordao_eproc. Acesso em: 22 out. 2024.
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