O acordo de não persecução penal (anpp): contexto e limites em casos de violência doméstica

29/10/2024 às 18:36
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O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), introduzido pela Lei nº 13.964/2019 — conhecida como "Pacote Anticrime" —, permite ao Ministério Público propor um acordo a pessoas que cometeram crimes sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a quatro anos, como alternativa ao processo penal tradicional. Contudo, mesmo quando os requisitos são preenchidos, a aplicação do ANPP possui restrições.

O artigo 28-A do Código de Processo Penal especifica que o acordo de não persecução penal é inaplicável a crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar, ou contra a mulher por motivos de gênero. Em uma primeira análise, pode-se entender que a vedação se limita aos casos de violência doméstica e familiar direcionada ao gênero feminino. Alexandre Morais da Rosa, Luísa Walter da Rosa e André Luiz Bermudez1 sugerem, inclusive, que o legislador se inspirou no entendimento do art. 41 da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que veda a aplicação de medidas despenalizadoras em casos de violência doméstica e familiar contra mulheres.

Entretanto, essa interpretação não é consensual. A vedação do ANPP em casos de violência doméstica e familiar parece se estender além das situações envolvendo mulheres. O artigo 129, § 9º do Código Penal estabelece um aumento de pena para lesão corporal cometida no ambiente doméstico ou familiar, sem restringir a vítima ao gênero feminino. Assim, a interpretação sugere que o ANPP também não é aplicável em casos de violência doméstica onde o homem é a vítima.

Rodrigo Leite Ferreira Cabral2 reforça essa visão ao destacar que o conceito de "contexto doméstico" abrange qualquer situação onde as pessoas compartilhem o mesmo espaço físico para residir ou possuam vínculo familiar, independentemente do gênero da vítima.

Além disso, Rogério Sanches Cunha3 argumenta que a proibição do ANPP em casos de violência doméstica visa preservar não apenas a integridade física da vítima, seja ela homem ou mulher, mas também a harmonia e tranquilidade familiar. Ele observa que, ao violar a estima e a solidariedade que devem sustentar esses relacionamentos, o agressor revela insensibilidade moral, justificando a restrição.

Assim, o artigo 28-A, § 2º, inciso IV do CPP deixa claro que o ANPP não se aplica a crimes de violência doméstica e familiar, independentemente do gênero da vítima. Resta refletir sobre a eficácia desta proibição: será que ela realmente contribui para uma justiça mais efetiva em casos de violência doméstica?


  1. MORAIS DA ROSA, Alexandre; ROSA, Luísa Walter da; BERMUDEZ, André Luiz. Como negociar o acordo de não persecução penal: limites e possibilidades. Florianópolis: Emais, 2021

  2. CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Manual do acordo de não persecução penal: teoria e prática. São Paulo: Juspodivm, [ano de publicação]

  3. CUNHA, Rogerio Sanches. Direito Penal: Parte especial . 1ª ed. são Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2008.

Sobre o autor
Henrique Gonçalves Sanches

Advogado responsável pela área penal do escritório Gilberto Rodrigues Gonçalves e Advogados Associados. Mestrando em Direito Político e Econômico e membro do Grupo de Pesquisa de Direito Penal Econômico e Internacional da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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