O fim da sociedade: quando a exclusão é a única saída

30/10/2024 às 15:37
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A sociedade limitada é a estrutura jurídica mais adotada por empresas brasileiras, representando, juntamente com os microempreendedores, cerca de 94% do total dos negócios ativos no país. Frequentemente, a escolha dos sócios é influenciada por laços pessoais, como amizade ou parentesco.

Entretanto, embora a familiaridade e a confiança sejam bons pontos de partida para o sucesso do negócio, não são suficientes para impedir a existência de conflitos societários provocados, por exemplo, pela ausência de prestação de contas, priorização de interesses pessoais ou divergências de valores, colocando em risco a continuidade e a saúde do negócio.

Para ilustrar essa situação, imagine três irmãos que receberam participações nas empresas da família, tornando-se sócios de todos os empreendimentos. Pelo planejamento sucessório realizado, cada um recebeu a mesma quantidade de participações que os demais, mas apenas o mais velho foi nomeado como administrador. Com o passar do tempo, o mais novo percebeu que aquele designado como administrador estaria, em conjunto com o irmão do meio, priorizando os seus próprios interesses, negligenciando a distribuição de lucros, evitando reuniões e negando injustificadamente decisões importantes para o crescimento do negócio.

Diante desse cenário, o irmão mais novo se questiona: poderia ele permanecer como único sócio, excluindo os demais dos quadros sociais?

A resposta, adianta-se, é que sim, poderá ele se tornar o único sócio, mediante a exclusão judicial dos demais através da comprovação da prática de atos de justa causa.


Primeira fase: a justa causa e a exclusão judicial do sócio

Não é novidade que o tema “exclusão de sócios”, notadamente no seio de empresas familiares, gera dúvidas e certo desconforto não apenas quanto a exclusão, mas ao correto procedimento a ser realizado para a dissolução parcial da sociedade e a apuração dos haveres.

Por primeiro, é importante esclarecer que pela estruturação da sociedade do exemplo acima, não há possibilidade de seguir com a exclusão extrajudicial, visto que ela apenas é possível quando: (i) expressamente prevista no contrato social e; (ii) seja aprovada pela maioria dos sócios, nos termos do artigo 1.085 do Código Civil. O irmão mais novo, no caso, possui a quantidade inferior de quotas dos outros dois que pretende excluir, encontrando-se, portanto, em minoria.

A opção para a exclusão, nesse caso, pode ocorrer por meio de uma ação judicial denominada “ação de dissolução parcial de sociedade”, fundada no artigo 1.030 do Código Civil, que prevê a possibilidade de exclusão de um sócio por falta grave no cumprimento de suas obrigações sociais.

Ato de inegável gravidade, é bom que se esclareça, é um termo bastante subjetivo e que varia de caso a caso. Isso porque, fora as situações em que o contrato social prevê quais atos os sócios consideram como inaceitáveis e que autorizam a exclusão, o ato de inegável gravidade (ou justa causa) praticado pelo sócio de uma padaria pode não ser tão gravoso quando praticado, igualmente, por aquele que detém uma loja de peças automobilísticas de grande porte.

Importante reforçar, ainda, que o ato de falta grave deve colocar o interesse da sociedade – e não individualmente do sócio – em risco, como, por exemplo, a ausência de prestação de contas quando sócio administrador, desrespeito ao contrato social ou desvio de verbas. Motivos pessoais direcionados de um sócio para o outro, como opiniões quanto a um time de futebol, divergências políticas ou sobre estratégias não são considerados como atos de falta grave.

Também não é considerado ato de falta grave o descumprimento, por um dos sócios, quanto a uma obrigação assumida pessoalmente com o outro ou com terceiros, como, por exemplo, se um for locatário do outro e o aluguel estiver atrasado. A falta grave deve ser direcionada a uma obrigação assumida perante a sociedade e que, por ação ou omissão do sócio, afete ou tenha potencial de afetar a sua atividade.

Na primeira fase do procedimento da “ação de dissolução parcial de sociedade”, caberá ao irmão mais novo demonstrar para o Juiz que os sócios que pretende excluir praticaram os atos de falta grave e, em razão deles, a sociedade se encontra com as atividades em risco.


Segunda fase: pagamento aos sócios excluídos dos seus haveres

Comprovada a realização de atos de falta grave na ação judicial, o Juiz, em sentença, decretará a retirada dos sócios dos quadros da sociedade, deixando apenas o irmão mais novo como único sócio do empreendimento. Ainda, fixará a data da resolução da sociedade com a definição do critério de apuração dos haveres, considerando a disposição do contrato social.

O momento de apuração de haveres é importante porque é quando o valor das quotas dos sócios excluídos será apurado para que a sociedade proceda com o pagamento, uma vez que o fato de serem excluídos dos negócios em nada interfere sobre o direito patrimonial que possuem sobre as quotas. O que perdem é o seus status de sócios, mas não o direito patrimonial.

O critério de apuração dos haveres respeitará aquele definido em contrato social e, nos casos em que não houver previsão, o Juiz, com fundamento no artigo 606 do Código de Processo Civil, fixará com base no valor patrimonial apurado em balanço de determinação, a ser pago em 90 (noventa) dias.

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Um ponto de atenção é que embora o método de apuração de haveres estipulado no contrato seja prioritariamente o a ser seguido, nada impede que seja revisado no momento da liquidação, a fim de que, conforme entendimento predominante do Superior Tribunal de Justiça, o valor da quota do sócio excluído corresponda com o real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu verdadeiro valor patrimonial1.


Conclusão

Retornando ao questionamento realizado pelo irmão mais novo, conclui-se que ele poderá propor a exclusão judicial dos demais sócios, desde que consiga comprovar a prática de atos de falta grave por parte destes. Reconhecida a exclusão dos sócios, a sociedade procederá com o pagamento dos seus haveres, conforme método estipulado no contrato social ou, na sua falta, mediante balanço de determinação, no prazo de 90 (noventa) dias.

Por fim, importante ressaltar que a contratação de um advogado especializado é essencial para garantir a defesa dos direitos do sócio e a condução adequada do processo.


  1. (STJ - REsp: 1877331 SP 2019/0226289-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 13/04/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2021)

Sobre a autora
Thayná Maia Dias

Advogada societária no Schmeisser, Terra e Gomes Advogados. Pós-graduada em direito processual civil e pós-graduanda em direito empresarial pela FGV.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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