Direito e blockchain: como os smarts contracts podem interligar esses ramos científicos!

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31/10/2024 às 16:12
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2. CARACTERÍSTICAS DAS REDES BLOCKCHAIN

Tatiana Revoredo (REVOREDO, 2019, p.34) aduz que a Blockchain é uma combinação poderosa de registros feitos de forma transparente e descentralizados, veracidade nas informações, interação direta e em tempo real e potência para o desenvolvimento de outras tecnologias.

Ora, antes que o bloco (nova informação) possa ser adicionado à cadeia (histórico de registros – ledger) é necessário passar pela verificação de muitos computadores, o que garante a confiança nas informações contidas nos blocos. Cada nova informação armazenada é validade criptograficamente selada ao bloco anterior.

Dessarte, a descentralização da informação reduz a capacidade de adulteração, pois em vez de serem armazenados em um local central de dados, todos os nós da rede compartilham uma cópia idêntica, atualizando – os continuamente à medida em que novos blocos válidos são adicionados à ledger (REVOREDO, 2019, p.72), diferentemente do que ocorre em um sistema centralizado, onde apenas um único servidor tem o poder total sobre a rede, podendo, inclusive, alterar todo o histórico de transações – ledger.

Ressalta-se, ainda, que uma vez gravados na Blockchain, as informações contidas nos blocos se tornam permanentes e imutáveis.

Ademais, a tecnologia peer-to-peer garante um sistema de transações eletrônicas sem depender da confiança entre os contratantes, uma vez que os códigos são autoexecutáveis e não precisam de intervenção, atuando, por conseguinte, como ferramenta para redução de custos.

Assim, ao eliminar a atuação de um terceiro intermediário das transações, os usuários da rede Blockchain podem atuar num certo anonimato, uma vez que eles não precisam fornecer seus dados e identidades oficiais.

O Marco Civil da Internet, lei nº 12.965 de 2014, estabelece com um dos princípios fundamentais do uso da internet a proteção da privacidade e dos dados pessoais de seus usuários – art. 3º, II e III.

No que se concerne ao consentimento sobre a coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, Tarcísio Teixeira1 expõe que o MCI segue o sistema opt-in, uma vez que é necessário o consentimento expresso do usuário.

Por conseguinte, por ser uma Internet onde os usuários estão no controle de seus próprios dados e identidade (REVOREDO, 2019, p. 9), a Blockchain surge como solução das constantes violações de dados presentes nos serviços centralizados.

Por fim, é irrefutável o potencial que a Blockchain tem para promover o desenvolvimento de diversas tecnologias, tendo em vista que, desde a primeira rede lançada – Bitcoin, transformou drasticamente a estrutura econômica preexistente.


3. CONTEXTO HISTÓRICO: BITCOIN, A PRIMEIRA CRIPTOMOEDA DA REDE

Esta tecnologia ganhou tremendo destaque quando Satoshi Nakamoto (pseudônimo) publicou, no dia 31 de outubro de 2008, o “White Paper” do Biticoin2, onde ele explica sobre as funcionalidades de um sistema de dinheiro eletrônico peer-to-per.

Entretanto, a segunda grande revolução deste mercado ocorreu em 2014, com a criação da Blockchain Ethereum.


4. ETHEREUM: A SOFISTICAÇÃO DOS “DOS SMART CONTRACTS”

A Blockchain Ethereum foi criada em 2014 por Vitalik Buterin que percebeu a necessidade do mercado numa Blockchain de múltiplos contratos inteligentes – smart contracts.

Dessarte, a Blockchain Ethereum foi projetada como uma rede de computadores descentralizada na qual qualquer tipo de contrato inteligente pode ser programado, o que permite uma gama de inovação tecnológica.

Para, portanto, utilizar das funcionalidades desta rede, as taxas de uso são pagas pela criptomoeda Ether (ETH) – própria desta Blockchain.


5. EXPLORANDO O CONCEITO DE SMART CONTRACTS

Os contratos inteligentes são pequenos códigos de computadores autoexecutáveis que automatizam as ações requeridas em um acordo ou contrato, sendo fundamentais para a construção dos aplicativos da Blockchain Ethereum.

Eles são responsáveis por transformarem os termos contratuais em códigos de computadores, os quais são executados automaticamente a partir da ciência do cumprimento das cláusulas. A própria rede é responsável pelas validações dessas informações.

Dessarte, proporciona uma extrema segurança contratual pois a possibilidade de inadimplência é quase zero, uma vez que os clientes têm garantias integradas de que se executará, automaticamente, após o cumprimento das obrigações contratuais.

Ora, um dos princípios master de todo o Direito Obrigacional é a boa-fé contratual. Isso quer dizer que os contratantes presumem que a outra parte cumprirá com os termos do acordo, uma vez que, em hipótese contrária, dificilmente um contrato seria formalizado.

Não obstante, é possível que, tanto por má-fé ou por circunstância alheias, como o caso fortuito e força maior, a inadimplência de um dos contratantes é uma notável possibilidade, o que pode ser verificado no seguinte exemplo: A (comprador) e B (vendedor) pactuam a compra e venda de um determinado bem e estipulam que o pagamento se sucederá nos três dias úteis subsequentes à tradição da coisa. No entanto, vencido o prazo, A não quita a dívida.

Por essas razões que os smart contracts garantem a segurança contratual, pois se fossem aplicados ao exemplo anterior, após a rede verificar o cumprimento da condição do contrato (tradição da coisa), o resultado (pagamento) seria automaticamente executado.

É inegável, portanto, que os contratos inteligentes são mais sofisticados que os contratos tradicionais, pois são autônomos, independentes, autoexecutáveis e não podem ser controlados por qualquer pessoa, em virtude de sua estrutura descentralizada entre todos os nós da rede (REVOREDO, 2019. P.213 e 214).

Trazendo ainda mais para dentro do contexto jurídico, é incontestável que, inobstante a legislação prevê alguns caracteres objetivos para a interpretação dos contratos ( CC, arts. 113, 114, 421-A, 422, 423 e 424), a constitucionalização do Direito Patrimonial e, consequentemente, a imposição de critérios subjetivos na hermenêutica (LINDB, art. 5º e CC, art 421), permite que diferentes interpretações contratuais possam ser feitas pelos Tribunais.

Destarte, os contratos inteligentes eliminam a possibilidade de diferentes interpretações, pois executam precisamente com base nos dados dos códigos computacionais do acordo.

Outrossim, importantíssimo ressaltar que o desempenho dos contratos inteligentes também serve para a redução de custos, uma vez que transforma as obrigações legais e códigos de software autoexecutáveis.

Vale destacar, contudo, que a Blockchain não funciona apenas para processar simples contratos comerciais.

Não sendo, por conseguinte, exclusivos para a transações patrimon0iais, a sua revolucionária tecnologia possibilita sua utilização para indeterminadas ocasiões, estando, cada vez mais, presentes no cotidiano das pessoas e empresa

Nesse sentido, Tatiana Revoredo3 expõe a tese que a tecnologia da Blockchain poderia ser aplicada em diversos Setores e Indústrias, como no registro de terras, gerenciamento de energia, cadeias de suprimento, inclusão social, sustentabilidade ambiental e, até mesmo, na votação, rastreabilidade de produção de alimentos e ajuda humanitária.

A ilustre autora (REVOREDO, 2019, p,269 e 270) explana sobre o Programa de Combate Mundial de Alimentos da ONU denominado de Building Blocks, construído sobre a Blockchain Ethereum, que possibilita a transferência de Tokens Digitais a mais de cem mil famílias jordanianas refugiadas, os quais podem ser creditados aos mercados participantes em troca de bens e serviços. Relata, ainda, que, após verificada a identidade de cada família, a ONU transfere, imediatamente, por meio das carteiras digitais, o pagamento ao fornecedor.


6. SMART CONTRACTS NO DIREITO BRASILEIRO

Em razão de sua natureza jurídica, os contratos inteligentes deverão atender aos pressupostos de legalidades dos contratos em geral, previstos no Código Civil.

Vale ressaltar, ainda, que se tratando de relação de consumo, também devem obedecer aos dispositivos do Código de Defesa de Consumidor.

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Destaca-se, por fim, que por mais que o ordenamento jurídico já incorpora alguns avanços tecnológicos, ainda não há nenhuma menção referente às tecnologias de Blockchain. Todavia, esse cenário pode mudar brevemente haja vista que o Senado Federou criou uma Comissão de juristas, liderada por Luís Felipe Salomão, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, responsável pela atualização do Código Civil4 .


7. CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que a tecnologia Blockchain chegou para revolucionar a estrutura econômica e social do mundo tudo, uma vez que permite a utilização de sistemas econômicos descentralizados, autônomos, independentes e autoexecutáveis.

Além disso, sua implementação nos variados setores, tanto da economia quando da administração pública, é garantia de segurança, a considerar que é quase impossível fraudar ou manipular os dados registrados. Nesse sentido, Tatiana Revoredo (REVOREDO, 2019, p.10) também concorda que esta tecnologia impactará o modo de vida, modelos de governança e a sociedade como um todo.

Entretanto, vale destacar que a análise desta tecnologia, principalmente no âmbito jurídico, deve ser realizada com cautela. Em razão de sua automatização baseada apenas em códigos matemáticos, robotizar a aplicação da lei pode ser um grande retrocesso histórico, haja vista que a maioria das antinomias jurídicas são solucionadas com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sendo, imprescindível um juízo de valor, inalcançável aos códigos de software.


CITAÇÕES:

1 TEIXEIRA, Tarcísio. Direito digital e processo eletrônico - 7th edição. Editora Saraiva, 2023. P.43.

2 Disponível para Download em: Bitcoin: Um sistema de dinheiro eletrônico peer-to-peer.

3 BLOCKCHAIN: Tudo o Que Você Precisa Saber. POTENCIAL E RALIDADE: Fundamentos, Estrutura, Casos de Uso e seu Papel na Evolução da Internet / Tatiana Revoredo – 1ª ed. – Ed. The Global Strategy, 2019.

4 Disponível em: Ministro Salomão preside comissão para atualizar o Código Civil (stj.jus.br).

REFERÊNCIAS:

LEITE, Vitor. O que é blockchain – uma explicação simples. Blog Nubank. Publicado em 18. ago. 2019. Disponível em: https://blog.nubank.com.br/o-queeblockchain/. Acesso em: 10.set.2023.

Uma Breve História da Tecnologia de Blockchain que Todos Devem Ler. Kriptomat Crypto But Simple. Disponível em: https://kriptomat.io/pt/blockchain/historia-da-blockchain/? __cf_chl_tk=3.qd1oXa7n1hMIJnfUFZuiD4i247bJ.SxuZZJ47A63E-1694736522-0- gaNycGzNDJA. Acesso em: 12.set.2023.

O que é Ethereum? O alicerce para o nosso futuro digital. Ethereum.org. Disponível em: O que é o Ethereum? | ethereum.org. Acesso em: 15.set.2023

Introdução aos Contratos Inteligentes. Ethereum.org. Publicado em: 13.set.2023. Disponível em: Contratos inteligentes | ethereum.org. Acesso em: 15.set.2023.

Smart contracts: o que são os contratos inteligentes e como eles funcionam. Equipe Totvs. Publicado em: 15. jun. 2023. Disponível em: Smart contracts: saiba o que são os contratos inteligentes - TOTVS Acesso em: 16.set.2023.

NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: Um Sistema de Dinheiro Peer – to – Peer. Traduzido para o Português por: Rodrigo Silva Pinto. Disponível em: bitcoin_pt_br.pdf. Acesso em: 16.set.2023.

JOELSONS, Marcela. Garantias do Consumo: Smart Contracts nas relações de consumo. Consultor Jurídico. Publicado em: 19.jan.2022. Disponível em: ConJur - Sobre os smart contracts nas relações de consumo. Acesso em: 16.set.2023.

BIBLIOGRAFIA:

BLOCKCHAIN: Tudo o Que Você Precisa Saber. POTENCIAL E RALIDADE: Fundamentos, Estrutura, Casos de Uso e seu Papel na Evolução da Internet / Tatiana Revoredo – 1ª ed. – Ed. The Global Strategy, 2019.

Sobre o autor
Matheus Gonçalves

Estudante de Direito. Cursando o 8º período pelo Centro Universitário de Volta Redonda - UniFOA. Estagiário do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, atuando na 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Barra do Piraí. Estagiário do TJRJ, oportunidade em que atuei no Juizado Especial Cível da Comarca de Barra do Piraí - RJ, nos anos de 2021 a 2023. Endereço eletrônico: [email protected] Instagram: @vasconcelos_mt

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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