Acessibilidade cultural na Lei Paulo Gustavo 

04/11/2024 às 20:26
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O acesso universal aos bens culturais encontra fundamento em documentos internacionais, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que aponta os direitos culturais como indispensáveis à dignidade humana. O Art. 215, da Constituição Federal do Brasil de 1988, trata do pleno exercício dos direitos culturais e do acesso à cultura por todos. Isso quer dizer que o Estado deve proporcionar o acesso aos bens culturais indistintamente. Ainda que os documentos jurídicos, nacionais e internacionais, tragam a previsão, a realidade apresenta diversos obstáculos para a efetivação desses direitos. 

As pessoas com deficiência enfrentam diversas barreiras, materiais ou imateriais, que segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, são urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações/informação, atitudinais e tecnológicas. Tais barreiras estão diretamente ligadas a aspectos sociais e impactam diretamente a vida cultural desses sujeitos históricos, obstando o protagonismo dessas pessoas na fruição e produção de bens culturais. 

 No processo de luta por direitos, algumas estruturas normativas que tratam da garantia de acessibilidade cultural às pessoas com deficiência foram surgindo. A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência é um marco importante, um documento internacional que reverbera no Brasil e orienta a efetivação dos direitos culturais para pessoas com deficiência. 

 A Lei Federal de Incentivo à Cultura, Lei nº 8.313/1991, também conhecida como Lei Rouanet, traz previsão de acessibilidade cultural, inserida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015. Ainda que exista tal indicação, a acessibilidade está aquém do esperado. Mesmo assim, é preciso reconhecer os avanços e perceber que são frutos das lutas por direitos com o protagonismo de pessoas com deficiência. 

 A Lei Paulo Gustavo - LPG, inicialmente transitória e emergencial, surgiu no período da pandemia de Covid-19, para amenizar os impactos financeiros no setor cultural provocados pela medida do isolamento social, adotada como medida sanitária contra o vírus. A política cultural encetada por meio das ações previstas na LPG contribui para que uma pedagogia da diferença seja difundida na sociedade, de forma a reafirmar identidades diversas, dando lugar ao respeito às diferenças e, consequentemente, respeito à diversidade cultural. 

 A LPG aponta para uma gestão descentralizada e participativa, indicando que na implementação de suas ações, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão assegurar mecanismos de estímulo à participação e ao protagonismo de comunidades, povos e grupos minorizados, entre eles, as pessoas com deficiência. Para que sejam contemplados com a política de fomento, serão adotadas estratégias de inclusão tais como cotas, critérios diferenciados de pontuação, editais específicos e outros meios de ação afirmativa que garanta a participação e o protagonismo desses grupos, observadas a realidade local, a organização social do grupo e a legislação relativa ao tema. 

 O decreto que regulamenta a LPG também segue nessa esteira, pois indica, no capítulo sobre acessibilidade, a participação das pessoas com deficiência. No capítulo intitulado Das Ações Afirmativas, propõe mecanismos de estímulo à participação e ao protagonismo de agentes culturais e equipes compostas de forma representativa por grupos minorizados socialmente, tais como pessoas com deficiência. A participação popular das pessoas com deficiência na decisão das políticas culturais é uma forma de empoderamento. Um modo de garantir não apenas a oportunidade de dialogar, mas também de confrontar e tencionar, gerando conflitos para que os direitos culturais possam ser exercidos por todas as pessoas. 

 A LPG é uma estrutura normativa que estabelece explicitamente essa participação. No entanto, ainda é perceptível a tomada de decisões sem consulta à população diretamente afetada, ou uma participação minorizada, com decisões previamente definidas, como se alguém pudesse definir o pensamento da comunidade. O diálogo democrático é cheio de entraves, mas é preciso pô-lo em prática e que os nós sejam desatados aos poucos, em um movimento contínuo de aperfeiçoamento. O descontentamento e desentendimento fazem parte do jogo político, é intrínseco ao homo ludens, essencial para o movimento de ampliação e aperfeiçoamento das políticas públicas para o setor. Estabelecer um plano de acessibilidade cultural, em diálogo com a sociedade, promover uma escuta ampla e representativa, efetiva direitos, sob um prisma cidadão. 

 Que essa oportunidade de diálogo democrático não seja desperdiçada, que a acessibilidade cultural seja ampliada de modo a proporcionar protagonismo na fruição e produção de bens culturais por e para pessoas com deficiência. 

 

José Olímpio Ferreira Neto, Capoeirista, Advogado, Professor, Mestre em Ensino e Formação Docente, Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR), Membro da Comissão de Direitos Culturais da OAB Ceará e Membro da diretoria  do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). E-mail: [email protected] 

 

Referências 

 AGUIAR, M. Políticas e direitos para garantir a acessibilidade cultural às pessoas com deficiência. IBDCult, 2022. Disponível em: https://www.ibdcult.org/post/políticas-e-direitos-para-garantir-a-acessibilidade-cultural-às-pessoas-com-deficiência. Acesso em: 20 set. 2024. 

BRASIL. Decreto no 11.525, 11 de maio de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11525.htm. Acesso em: 20 set. 2024. 

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BRASIL. Lei Complementar no 195, de 8 de julho de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp195.htm. Acesso em: 20 set. 2024. 

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BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm.  Acesso em: 20 set. 2024. 

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CUNHA FILHO, F. H. Teoria dos Direitos Culturais: Fundamentos e finalidades. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018. 

FERREIRA NETO, J. O.; JUCÁ, A. S.; RODRIGUES, M. Precisamos falar de acessibilidade cultural. Consultor jurídico - ConJur, 2023.  Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-06/opiniao-precisamos-falar-acessibilidade-cultural/. Acesso em: 20 set. 2024.   

FERREIRA NETO, J. O. Lei Paulo Gustavo, Direitos Culturais e Desenvolvimento Humano: por uma Pedagogia da Diferença e ampla Participação Popular. 2022. MARTINS, G.; KULEMEYER, J.; DE MARCH, K.; VELOZZO, M. A. (orgs.). Gestão Cultural: Especialização e Residência Técnica, 2024. 

SILVA, T. T. A produção social da identidade e da diferença. SILVA, Tomás Tadeu (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2014. (p.73-102) 

 

 

Sobre o autor
José Olímpio Ferreira

Advogado, professor, mestre em Ensino e Formação Docente, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza, Capoeirista, Secretário Executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), membro da Comissão de Direitos Culturais da OAB-CE

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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