Comprovante de quitação do preço da venda é requisito obrigatório para Adjudicação Compulsória Extrajudicial?

06/11/2024 às 17:00

O PROCEDIMENTO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA representa uma das ferramentas para a regularização de imóveis. Como já destacamos aqui, com o advendo da Lei 14.382/2022 se tornou possível manejar tal ferramenta diretamente nos Cartórios Extrajudiciais dispensando-se o procedimento judicial, tal como já ocorre com muito êxito em muitos casos de Inventário e Usucapião (mas não em todos os casos, é sempre bom lembrar). A Adjudicação Compulsória Extrajudicial é um procedimento, portanto, ainda muito novo porém já executável em Cartório, já que sua base legal estampada no art. 216-B da Lei de Registros Publicos tem total regulamentação pelo artigo 440-A e seguintes do Código de Normas Extrajudiciais do CNJ (Provimento CNJ 149/2023). Reza o citado art. 216-B da LRP acerca do procedimento ora analisado:

"Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada EXTRAJUDICIALMENTE no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo".

O mestre RICARDO ARCOVERDE em obra dedicada ao assunto (Adjudicação Compulsória - Legislação, doutrina e jurisprudência atualizadas. 2004) conceitua a referida ação da seguinte forma:

"É a ação pessoal pertinente ao compromissário comprador, ou ao cessionário de seus direitos à aquisição, ajuizada com relação ao titular do domínio do imóvel - que tenha prometido vendê-lo através de contrato de compromisso de venda e compra e se omitiu quanto à ESCRITURA DEFINITIVA -, tendente ao SUPRIMENTO JUDICIAL desta outorga, mediante sentença constitutiva com a mesma eficácia do ato não-praticado".

Como se percebe, se trata de medida que calcada na omissão do promitente vendedor buscará a regularização do imóvel em favor do promissário comprador - pelo que naturalmente se pode deduzir que alguns requisitos deverão ser cabalmente comprovados para a propositura da medida, quais sejam: 1) A existência de obrigação extraída do contrato preliminar de compra e venda de imóvel, 2) A comprovação da quitação do valor pactuado (preço), 3) A inexistência de cláusula de arrependimento e, por fim, 4) A recusa do promitente vendedor em outorgar a escritura.

A existência da obrigação extraída de contrato preliminar de compra e venda de imóvel se comprova com a instrução do Contrato de Promessa de Compra e Venda, sendo oportuno destacar que o mesmo geralmente é feito por Instrumento Particular (conforme art. 462 do CC). O mesmo instrumento permitirá a adjudicação compulsória se dele não constar cláusula de arrependimento. A quitação do preço se faz, naturalmente, com a juntada dos comprovantes e, por fim, a recusa da outorga da escritura se deve demonstrar, igualmente, por todos os meios hábeis e legítimos no bojo do processo.

Um aspecto que merece destaque diz respeito à possibilidade da comprovação da quitação do preço já que a inexistência desse pode recomendar fortemente a adoção da VIA JUDICIAL em vez da via EXTRAJUDICIAL. Como sempre destacamos aqui, a via extrajudicial não deve mesmo ser recomendada para os casos mais complexos (e aqui incluímos as hipóteses onde o interessado não possua os comprovantes da quitação do preço alinhado na promessa de compra e venda). Esse requisito deve ser rigorosamente exigido no procedimento manejado na via extrajudicial onde não será possível, por exemplo, uma das soluções que é reconhecer a prescrição como acontece na via judicial. Nesse sentido importante lição do professor RICARDO ARCOVERDE na obra já citada:

"Se passados mais de 10 anos da data da exigibilidade do pagamento (art. 205 do Código Civil ), há a possibilidade de, antecipada ou em cumulação sucessiva, se ajuizar pretensão declaratória da prescrição extintiva do direito do promitente vendedor de exigir o preço ou parte dele, o que supre o requisito da QUITAÇÃO DO PREÇO, mormente quando da perda ou do extravio de comprovantes de pagamento".

Efetivamente, essa pode ser uma solução para quando o interessado já não possua a comprovação necessária à Ação de Adjudicação Compulsória, indispensável também na via extrajudicial como alerta o Registrador Imobiliário FRANCISCO JOSÉ BARBOSA NOBRE em obra específica sobre o assunto (Manual da Adjudicação Compulsória Extrajudicial. 2024):

"A estrutura do procedimento extrajudicial da adjudicação compulsória determina que, já na etapa notarial, seja comprovado o pagamento do preço. Confrotando a via extrajudicial com a judicial nesse aspecto, temos que, na ação judicial de adjudicação compulsória, é possível ao autor alegar, na petição inicial, que pagou o preço, embora não disponha de prova. Em isso ocorrendo, o fato de ter sido pago o preço pode vir a se tornar incontroverso por ausência de impugnação específica na contestação ou por eventual revelia. Já na via extrajudicial, a prova do pagamento do preço é feita perante o tabelião, de modo que se o requerente não dispõe de meios, ainda que indiretos, de provar o pagamento, a ata notarial de adjudicação compulsória NÃO PODERÁ SER LAVRADA. Como se conclui, a via extrajudicial demanda, necessariamente, a comprovação do pagamento do preço, sem o que fica inviabilizada".

De fato, a regulamentação da Adjudicação Compulsória Extrajudicial exige no inciso III do art. 440-G, por ocasião da ATA NOTARIAL (que é item obrigatório no procedimento) a prova da quitação do preço:

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"Art. 440-G. Além de seus demais requisitos, para fins de adjudicação compulsória, a ata notarial conterá:

(...)

III – as provas do adimplemento integral do preço ou do cumprimento da contraprestação à transferência do imóvel adjudicando;"

Não se descarta, em contextos assim, seja cogitada a possibilidade do manejo de outra importante ferramenta para regularização de imóveis que é a USUCAPIÃO - que por sua vez tem suas particularidades - todavia, cediço que na via judicial a prescrição pode ser reconhecida e, como confirma a jurisprudência do TJRJ em recente precedente, autoriza-se a dispensa da referida prova de quitação do preço:

"TJRJ. 00100354320218190207 . J. em: 21/09/2023. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. ESCRITURA DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA REALIZADA NO ANO DE 2000. ALEGAÇÃO DE QUITAÇÃO INTEGRAL DO PREÇO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUITAÇÃO DA DÍVIDA QUE NÃO REPRESENTA ÓBICE À ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, UMA VEZ QUE EVENTUAL PRETENSÃO DE COBRANÇA JÁ ESTARIA ALCANÇADA PELO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO, EIS QUE O CONTRATO FOI CELEBRADO HÁ MAIS DE VINTE E TRÊS ANOS. SENTENÇA QUE NÃO MERECE REFORMA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. DESPROVIMENTO DO RECURSO".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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