A (in)viabilidade da tipificação do crime de estupro virtual

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Análise jurisprudencial

A análise jurisprudencial desempenha um papel crítico na compreensão da forma como os tribunais brasileiros têm interpretado e aplicado a legislação penal em relação a novos comportamentos decorrentes do avanço tecnológico. No caso do chamado estupro virtual, a ausência de tipificação penal levanta questionamentos sobre a possibilidade de enquadramento dessas condutas nos crimes de estupro e estupro de vulnerável previstos no Código Penal.

Neste tópico, serão analisadas decisões judiciais que mencionam diretamente o termo estupro virtual, investigando como os magistrados têm lidado com a falta de legislação específica e quais os fundamentos utilizados para sustentar ou refutar a possibilidade de configuração da conduta com base nas normas penais vigentes.

Nesse viés, é relevante salientar que, a nível nacional, o primeiro caso de estupro virtual de grande repercussão ocorreu no ano de 2017 em Teresina, no Piauí. Em uma decisão inédita, o juiz Luiz de Moura Correia, da Central de Inquéritos de Teresina, ordenou a prisão de um acusado por "estupro virtual". Com o apoio da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, o magistrado conduziu as investigações, que concluíram que o acusado, utilizando um perfil falso no Facebook, ameaçava divulgar imagens íntimas da vítima, exigindo que ela enviasse novas fotos desnudas e realizasse atos libidinosos transmitidos pela webcam (TJPI, 2017).

O julgamento trouxe maior atenção para o tema do estupro virtual. Segundo D´Urso (2020 apud Silva, 2020), essa decisão representa um marco no Direito Digital brasileiro ao fortalecer a noção de estupro virtual, embora ainda seja um assunto controverso. Entretanto, cabe lembrar que há doutrinadores que discordam desse entendimento, sustentando que o crime de estupro exige conjunção carnal (Silva, 2020).

Também no mesmo ano, a juíza Tatiana Gischkow Golbert, da 6ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre, condenou um estudante de medicina de 24 anos pelos crimes de aquisição, posse e armazenamento de material pornográfico, além de aliciamento e assédio de uma criança de 10 anos, fazendo com que o menor se exibisse de forma pornográfica. O réu também foi responsabilizado pela prática de outros atos libidinosos com menor de 14 anos, cometidos por meio virtual. O acusado, através de uma rede social e de um programa de áudio e vídeo, mantinha conversas de teor sexual com a vítima pela internet (TJRS, 2024).

A magistrada destacou a peculiaridade do caso ao reconhecer a aplicação do tipo penal de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal) perpetrado de forma virtual, dado que réu e a vítima estavam em diferentes estados. Na sentença, ela observou que o relacionamento tornava a criança suscetível aos anseios sexuais do condenado. A juíza afirmou que os atos foram realizados por meio de interação em tempo real, em que o réu passou de um mero expectador para uma conduta ativa e libidinosa com a criança (TJRS, 2024).

Ademais, os desembargadores da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmaram a condenação do estudante pelo crime de estupro virtual. A desembargadora Fabianne Breton Baisch, relatora do caso, ressaltou que as provas apresentadas evidenciaram claramente o cometimento do delito, destacando que o réu não apenas tinha a intenção de realizar atos libidinosos, mas efetivamente os concretizou em, pelo menos, duas ocasiões (TJRS, 2024).

Outrossim, tem-se o Habeas Corpus nº 91.792/DF (DJe 16/02/2018), de relatoria do Ministro Antônio Saldanha Palheiro:

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 91.792 - DF (2017/0295532-2) [...] Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por M S B contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Consta dos autos ter sido o recorrente preso temporariamente pela suposta prática dos crimes previstos no art. 241-B da Lei n. 8.069/1990 e nos arts. 147, 213 e 158, esse último na forma tentada, todos do Código Penal, porque, "[...] se valendo de aplicativos de redes sociais, em especial, 'Snapchat 'e 'Tinder', convencia as vítimas a enviarem [...] videos íntimos e, de posse de tais videos, [...] coagia ou a lhe mandarem dinheiro ou a praticarem atos sexuais" (e-STJ fl. 16) [...] (STJ - RHC: 91792 DF 2017/0295532-2, Relator: Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Data de Publicação: DJ 20/11/2017).

É importante ressaltar que o mérito do julgado diz respeito à competência para processar e julgar crimes que envolvam pornografia infantil com caráter internacional. Para isso, foi utilizada como justificativa a tese firmada no Recurso Especial nº 628.624/SP (DJe 06/04/2016), que estabelece que a Justiça Federal é responsável por casos em que se disponibiliza ou se adquire material pornográfico de crianças ou adolescentes, especialmente quando esses atos ocorrem na rede mundial de computadores. Nesse viés, a defesa impetrou o habeas corpus no Tribunal de origem buscando a liberdade do recorrente. No entanto, a ordem foi denegada, conforme a seguinte ementa (e-STJ, fls. 95/96):

HABEAS CORPUS. ARTIGO 241-B, DA LEI 8.069/90, ARTIGOS 147, 213 E 158, ESTE C/C ARTIGO 14, INCISO II, TODOS DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO TEMPORÁRIA. LEI 7.960/1989. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. DILIGÊNCIAS IMPRESCINDÍVEIS PARA AS INVESTIGAÇÕES. POSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Havendo indícios probatórios e provas materiais que denotam pertinência acusatória acerca da prática, em tese, de pornografia infantil, ameaça, estupro virtual e tentativa de extorsão contra vítimas no Distrito Federal, cabível a custódia temporária do paciente, mormente diante da pendência de diligências policiais imprescindíveis. 2. Não se vislumbrando, até o momento, a disseminação de pornografia infantil além das fronteiras nacionais, afasta-se a competência da Justiça Federal. 3. Havendo indícios de autoria e materialidade dos crimes de ameaça, estupro virtual e tentativa de extorsão contra vítimas no Distrito Federal, não há falar em incompetência do Magistrado deste egrégio TJDFT para processamento do feito, tampouco em ilegalidade da decisão que decretou a prisão temporária. 4. Parecer da Procuradoria de Justiça acolhido. 5. Ordem denegada. (TJ-DF 20170020203386 - Segredo de Justiça 0021199-19.2017.8.07.0000, Relator: Silvanio Barbosa Dos Santos, Data de Julgamento: 05/10/2017, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 11/10/2017. Pág.: 126/138)

Nota-se, contudo, que, embora se mencione a prática de estupro virtual entre os crimes atribuídos ao acusado, a decisão não analisou diretamente a tipificação ou as particularidades desse delito. O foco da decisão foi a existência de indícios de autoria e materialidade suficientes para justificar a prisão temporária, além de discutir a competência jurisdicional para o processamento dos crimes, que foi atribuída à justiça estadual, afastando a competência federal. Assim, apesar de o estupro virtual ter sido citado, a análise se concentrou na necessidade de preservar as investigações e garantir a realização de diligências imprescindíveis, sem aprofundar a questão da configuração jurídica ou da tipificação específica desse crime no ordenamento jurídico.

Em um caso mais recente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou os embargos infringentes nº 50000372720228210125, que trataram de crimes sexuais virtuais perpetrados contra uma adolescente. O réu, através de redes sociais, incitou a vítima a praticar atos sexuais que ele visualizava por mensagens, caracterizando atos libidinosos mesmo sem contato físico. O tribunal entendeu que o réu praticou estupro de vulnerável de forma virtual, aplicando as sanções do art. 213, § 1º, do Código Penal. Na ementa do julgamento, ficou estabelecido que:

EMBARGOS INFRINGENTES. CRIMES SEXUAIS VIRTUAIS PERPETRADOS CONTRA ADOLESCENTE. DIVERGÊNCIA ENTRE OS VOTOS MAJORITÁRIO E MINORITÁRIO QUE RESIDE NO IMPROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO E PROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL PELO DOUTO VOTO MAJORITÁRIO, PARA ALTERAR A CONDENAÇÃO DO RÉU, ORA EMBARGANTE, PARA AS SANÇÕES ART. 213, § 1º, NA FORMA DO ART. 71, CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL, EXASPERANDO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE APLICADA PARA VINTE (20) ANOS DE RECLUSÃO, MANTIDA A SENTENÇA EM SUAS DEMAIS DISPOSIÇÕES, E O IMPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS E MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA RECORRIDA PELO DOUTO VOTO MINORITÁRIO. No caso dos autos, verifica-se que através de redes sociais, o ora embargante incitou a vítima à prática de atos sexuais e, ao visualizá-los através de mensagens via redes sociais, praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com a menor, qual seja, a contemplação lasciva. Assim sendo, não pairam dúvidas de que o ato de libidinagem praticado pelo réu tinha como objetivo satisfazer sua lascívia e produziu dano à dignidade sexual da vítima. Como bem destacado no parecer ministerial, "o estupro virtual é uma forma de violência sexual que acontece no ambiente cibernético. Nesta espécie de crime, o agressor se utiliza de tecnologias como a internet e redes sociais para coagir a vítima a praticar atos libidinosos. “Como já decidido em outros casos, desnecessária a presença física do agente para a caracterização dos tipos penais. No presente caso, o ora embargante convenceu a vítima mediante ameaças a lhe enviar fotografias e vídeos nua, masturbando-se ou em posições sensuais, tendo a lascívia do ora embargante como elemento propulsor, praticando, assim, atos libidinosos mesmo sem contato físico, o que vai além do assédio, restando configurado o crime de estupro de vulnerável. PREVALÊNCIA DO VOTO MAJORITÁRIO QUE SE IMPÕE. EMBARGOS INFRINGENTES IMPROVIDOS. (Embargos Infringentes e de Nulidade, Nº 50000372720228210125, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria de Lourdes G. Braccini de Gonzalez, Julgado em: 20-10-2023) (TJ-RS - Embargos Infringentes e de Nulidade: 50000372720228210125 OUTRA, Relator: Maria de Lourdes G. Braccini de Gonzalez, Data de Julgamento: 20/10/2023, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, Data de Publicação: 06/11/2023).

O Tribunal, ao analisar o caso, enquadrou a conduta do réu como estupro virtual, considerando-a uma forma de estupro de vulnerável. Apesar da ausência de contato físico, a incitação da vítima a praticar atos sexuais através de redes sociais demonstrou a utilização de meios digitais para coagir e explorar a vulnerabilidade da adolescente. Nesse sentido, essa interpretação reforça a ideia de que o estupro virtual pode ser configurado mesmo sem a presença física do agressor, evidenciando a seriedade do crime no contexto das relações virtuais e sua capacidade de causar danos significativos à dignidade sexual da vítima.

Essas decisões judiciais evidenciam a forma como os tribunais brasileiros têm abordado o conceito de estupro virtual, utilizando interpretações amplas das normas penais existentes para incluir condutas que, apesar de não envolver contato físico, causam danos significativos à dignidade sexual das vítimas. A análise das jurisprudências demonstra a relevância de considerar o contexto digital nas discussões sobre a tipificação de crimes sexuais, levantando questionamentos sobre a adequação da legislação atual diante das novas realidades criadas pela tecnologia. Assim, torna-se pertinente investigar a (in)viabilidade da tipificação do crime de estupro virtual, considerando as diferentes perspectivas doutrinárias e a necessidade de um adequado suporte jurídico para abordar essas situações.


A (in)viabilidade da tipificação do crime de estupro virtual

Em primeiro lugar, é imprescindível ressaltar alguns aspectos da tipicidade. Quanto a isso, o art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal de 1988, que consagra o Princípio da Legalidade, postula que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (Brasil, 1988, n.p.). Isso significa que o Estado só pode punir condutas que estão previstas em lei e impor as penas ali determinadas.

A tipicidade é, portanto, uma decorrência direta do Princípio da Legalidade e funciona como o mecanismo que ajusta o fato concreto à descrição legal. Já o fato típico é a ação vinculada ao resultado por meio de um nexo causal, sendo esse resultado enquadrado no padrão estabelecido pela lei (Kummer, 2017).

Segundo Aras (2001 apud Kummer, 2017), um fato só será considerado típico se a lei definir, de maneira prévia e detalhada, todos os elementos da conduta humana considerados ilícitos. Somente dessa forma será legítima a atuação da Polícia Judiciária, do Ministério Público e da Justiça Penal.

Ademais, é importante considerar que o Direito Penal deve ser aplicado como ultima ratio, atuando somente na proteção extrema de bens jurídicos, enquanto outros ramos do direito e a sociedade civil lidam com conflitos de forma menos repressiva. Isso está ligado ao princípio da intervenção mínima, que estabelece que a criminalização de uma conduta só é legítima se for indispensável para proteger determinado bem jurídico. Assim, o Direito Penal, especialmente a pena privativa de liberdade, só deve ser utilizado quando outros meios menos severos forem ineficazes (Reis, 2022).

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Tauã Lima Verdan (2020 apud Marodin, 2021) afirma que o ordenamento penal brasileiro exige que os tipos penais sejam claros e precisos. Logo, o legislador, ao definir o crime, não deve deixar margem para dúvidas ou usar termos excessivamente amplos, isto é, a conduta criminosa deve ser bem delimitada, garantindo maior segurança jurídica, sendo essencial para que a lei cumpra sua função preventiva e seja compreensível para todos os cidadãos.

Quanto ao processo legiferante para criminalização dos crimes cibernéticos, Jesus e Milagre (2016) propõem uma sistematização que distingue técnica, comportamento e crime, defendendo que a legislação deve priorizar a incriminação de comportamentos reprováveis e não das técnicas utilizadas, já que estas são mutáveis e nem sempre configuram condutas criminosas.

Assim, ao se legislar sobre crimes informáticos, não se começa pela análise de uma técnica, tampouco definindo tipos penais, mas analisando condutas incrimináveis que podem ser realizadas por diversas formas (técnicas), e que mereçam a consideração do Direito Penal. Do mesmo modo, uma técnica pode ser integrante de uma ou mais condutas penalmente relevantes. Um “cavalo de troia”, por exemplo, pode servir a uma invasão, mas também para permitir o dano ou mesmo o comportamento inesperado de um sistema informático. Por outro lado, nem toda a técnica se enquadra em um comportamento incriminável (Jesus; Milagre, 2016, p. 12).

Conforme Alves Neto (2019), à medida que a legislação se mantém omissa em relação aos crimes virtuais, os quais evoluem rapidamente, os Tribunais passam a adotar posturas análogas para punir os infratores, muitas vezes de maneira distinta do que o caso concreto exigiria. Cada tribunal busca, dentro das particularidades do caso, aplicar a solução que considera mais adequada. Nesse cenário, os operadores do direito extrapolam suas funções ao tentar legislar sobre questões para as quais não possuem competência originária, assumindo o desafio de regular condutas ainda não previstas em lei.

Quanto ao delito de estupro virtual, além de uma lacuna legislativa, há também um conflito entre juristas. Em linhas gerais, aqueles que consideram desnecessária a tipificação específica argumentam que os artigos 213 e 217-A do Código Penal já abrangem suficientemente a conduta, de modo que é possível enquadrar o crime de estupro virtual nas normas vigentes. Por outro lado, os defensores da tipificação sustentam que a criação de uma nova legislação seria indispensável para regular adequadamente as peculiaridades desse crime.

Masson (2024, p. 11) entende que o estupro virtual pode ser configurado quando a vítima é constrangida a realizar atos libidinosos por meio de ameaça ou violência, sem a necessidade de uma nova legislação específica para esses casos. Nessa ótica, afirma que “estão presentes as elementares típicas do art. 213, caput, do Código Penal: houve constrangimento [...], mediante grave ameaça, a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal, razão pela qual ao agente deverá ser imputado o crime de estupro”.

Para Martins (2017), não existe um tipo penal autônomo denominado "estupro virtual", pois o delito é sempre uma ocorrência real, sendo o ambiente virtual apenas um meio para sua execução. A internet, nesse caso, funciona como um instrumento de constrangimento, permitindo que o agente obrigue a vítima à prática de atos libidinosos. É a mesma visão de Luciano Miranda Meireles, promotor de justiça do Estado de Goiás, o qual ressalta que:

[...] é de fácil percepção que a nomenclatura “estupro virtual” traz em seu bojo um grave equívoco semântico e jurídico, pois o estupro é real. O seu aspecto virtual limita-se somente ao modo de execução (grave ameaça), já que os atos libidinosos praticados são realizados fisicamente, assim como a dor e o sofrimento causados à vítima. Assim, em outras palavras, trata-se de estupro real (físico) que ganhou uma nomenclatura específica e dissociada de sua gravidade em razão do seu modus operandi utilizar o ambiente virtual, o qual muitas vezes serve como manto protetor da impunidade (Meireles, 2018 apud Marodin 2021, p. 94-95).

Reis (2022) complementa que – a partir da perspectiva de que o "estupro digital" é, na verdade, um "estupro real" – a conduta de ameaçar alguém a praticar atos libidinosos pela internet configura, portanto, o crime do art. 213 do Código Penal, sem violar o princípio da legalidade, de forma que é adequado que o sujeito ativo do ilícito receba as penalidades já previstas em lei.

Nesse sentido, Moura e Silva Neto (2022 apud Santos, 2023) sustentam que a diferença entre o estupro "real" e o "virtual" está no instrumento usado pelo agente para consumar a prática delituosa, que já está tipificada, sendo que ambos provocam a mesma lesão ao bem jurídico tutelado, que é a liberdade e a dignidade sexual.

Para Santos (2023, p. 97),

[...] o tipo previsto no artigo 213, do Código Penal, abarca todos os atos libidinosos diversos da conjunção carnal, incluindo os cometidos virtualmente, que sejam suficientes para lesionar a liberdade sexual da vítima, não havendo assim a necessidade de uma nova tipificação para condutas praticadas virtualmente, mas a inexistência de posicionamento jurisprudencial sobre o tema, assim como a lacuna legislativa sobre a extensão dos atos libidinosos em crimes sexuais, representa uma ofensa aos princípios da taxatividade, proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, pelo risco da divergência de entendimento da infração penal cometida para ações que lesionavam o mesmo bem jurídico tutelado em instâncias inferiores pela ausência de uniformização da interpretação legislativa do tipo penal (Santos, 2023, p. 97).

Em contrapartida, autores como Ângela Tereza (2021 apud Santos, 2023) e Erika Hernandes (2018 apud Santos, 2023) argumentam que é essencial a criação de tipos penais intermediários para garantir maior segurança jurídica às vítimas, respeitando os princípios da dignidade sexual, legalidade, proporcionalidade e taxatividade. Ademais, Marodin (2021, p. 98) complementa essa perspectiva ao afirmar que, na modalidade de estupro virtual, a dignidade e a liberdade sexual da vítima são violadas, mas a punição frequentemente se revela desproporcional, enfatizando a necessidade “de uma tipificação muito específica, que seja capaz de contemplar a taxatividade e a proporcionalidade no momento da punição das condutas praticadas”.

Nesse viés, os autores Braga, Neves e Biaggi (2017 apud Vidigal, 2018) defendem que a tipificação do crime de estupro virtual não viola o princípio da legalidade, nem seus desdobramentos, como os princípios da reserva legal, anterioridade e taxatividade. Isso porque, ao reconhecer a conduta como típica, não se cria uma nova modalidade de estupro, mas apenas se adequa uma ação humana que afeta um bem jurídico já protegido pela lei, respeitando os limites estabelecidos.

Contudo, segundo Alves Neto (2019), a questão do estupro virtual é mais complexa do que parece à primeira vista. Tentar encaixar essa modalidade criminosa nas definições legais existentes é desafiador, pois o estupro virtual não é apenas uma versão online do ato físico, visto que envolve circunstâncias concretas que a legislação atual não aborda adequadamente. Além disso, a lei carece de clareza sobre o como se configura a coação nesse contexto. Portanto, aplicar as mesmas regras usadas para o estupro físico não é adequado, uma vez que o estupro virtual possui particularidades que requerem uma definição legal específica.

A sociedade carece de proteção nesses tempos onde a tecnologia se mostra cada vez mais evidente e presente, havendo uma visível necessidade de uma lei específica para tipificar e punir de maneira satisfatória os criminosos que se utilizam da internet como forma de cometer tais tipos de crimes virtuais, em especial os delitos sexuais virtuais (Alves Neto, 2019, p. 43).

Recentemente, foi protocolado, no Senado Federal, o Projeto de Lei nº 1.238/2024 (PL nº 1.238/2024), que propõe a alteração do Código Penal, visando incluir a modalidade virtual nos crimes de estupro e estupro de vulnerável. De autoria do senador Vanderlan Cardoso, o PL nº 1.238/2024 busca acrescentar um novo parágrafo aos artigos 213 e 217-A, prevendo que as penas já estabelecidas sejam aplicadas mesmo quando o crime ocorre sem contato físico, utilizando redes sociais, internet, aplicativos ou outros meios digitais, passando a vigorar da seguinte forma:

Art. 213 § 3º As penas previstas neste artigo aplicam-se ainda que o crime seja cometido sem o contato físico direto entre o agente e a vítima, inclusive por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos ou por qualquer outro meio ou ambiente digital. (NR)

Art. 217-A § 6º As penas previstas neste artigo aplicam-se ainda que o crime seja cometido sem o contato físico direto entre o agente e a vítima, inclusive por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos ou por qualquer outro meio ou ambiente digital. (NR)

O senador argumenta que o estupro virtual, apesar de não envolver contato físico, causa danos psicológicos profundos, e tanto a doutrina quanto a jurisprudência já reconhecem que o contato físico não é necessário para configurar o crime. Também ressalta que há quem critique essa interpretação, alegando que viola o princípio da legalidade, já que a legislação atual não prevê o estupro sem contato físico. Assim, o projeto de lei visa esclarecer a criminalização do estupro virtual no Código Penal, proporcionando segurança jurídica e prevenindo a impunidade.

Paralelamente, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou o Projeto de Lei nº 2.293/2023 (PL nº 2.293/2023) de autoria do Senador Fabiano Contarato, que propõe a inclusão do crime de estupro virtual de vulnerável no Código Penal. O projeto visa punir atos libidinosos cometidos por meio virtual, mesmo sem contato físico entre agressor e vítima. A proposta foi defendida como uma forma de esclarecer a legislação e garantir a punição adequada para abusos sexuais virtuais.

Ademais, caso seja aprovado, o PL nº 2.293/2023 alteraria o art. 127-A do Código Penal, que passaria a dispor:

Art. 217-A § 6º Para a consumação do crime descrito neste artigo, é desnecessário que haja contato físico direto entre o agente e a vítima, sendo suficiente a prática de ato libidinoso, ainda que incitada por meio virtual. (NR)

Com base no que foi apresentado, constata-se que a discussão sobre a tipificação do estupro virtual revela um campo complexo, uma vez que o vazio legislativo e a ausência de um posicionamento claro da jurisprudência indicam a necessidade de uma reflexão crítica sobre como o Direito Penal pode e deve responder aos desafios impostos pelos crimes virtuais, especialmente àqueles que ferem a liberdade e a dignidade sexual. Portanto, ao adentrar na conclusão deste trabalho, é essencial considerar não apenas as nuances da tipificação do estupro virtual, mas também as implicações que uma abordagem adequada pode ter na proteção dos direitos das vítimas e na promoção da justiça.

Sobre as autoras
Monique Ferreira Alves

Estudante do 10º período de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Camila Ladeia Vieira

Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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