O impacto da tributação sobre o consumo na qualidade de vida da família brasileira

07/11/2024 às 15:52

Resumo:


  • A tributação brasileira sobre o consumo impacta negativamente a qualidade de vida das famílias, aumentando a desigualdade social.

  • A carga tributária sobre o consumo no Brasil é alta e regressiva, penalizando mais quem possui menor renda.

  • A reforma tributária aprovada não reduziu a tributação sobre o consumo, mantendo os altos preços e dificultando o poder de compra da população.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O presente artigo científico apresenta um estudo sobre o impacto da tributação brasileira sobre o consumo na população, especialmente na qualidade de vida das famílias. Ademais, procura sintetizar uma análise da renda, bens e consumo da população, e a importância negativa dos tributos nessa relação. A metodologia utilizada foi a hipotético-dedutivo, estudando dados e relatórios, além da compreensão do direito e da legislação quanto ao tema proposto. As informações foram coletadas por revisão bibliográfica, com dados retirados do ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Constituição Federal, das Leis Codificadas, da legislação ordinária, da doutrina e da jurisprudência, e por artigos de diversos juristas, bem como dados analíticos de instituições respeitadas como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Palavras-chave: 1 Tributação sobre consumo. 2 Qualidade de vida. 3 Tributos no Brasil. 4 Renda familiar brasileira.

Abstract

This scientific article presents a study on the impact of Brazilian taxation on consumption on the population, especially on the quality of life of families. In addition, it seeks to synthesize an analysis of the income, goods and consumption of the population, and the negative importance of taxes in this relationship. The methodology used was hypothetical-deductive, studying data and reports, in addition to understanding the law and legislation regarding the proposed theme. The information was collected through a literature review, with data taken from the Brazilian legal system, through the Federal Constitution, Codified Laws, ordinary legislation, doctrine and jurisprudence, and by articles by several jurists, as well as analytical data from respected institutions such as the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE).

Keywords: 1 Taxation on consumption. 2 Quality of life. 3 Taxes in Brazil. 4 Brazilian family income.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. REFERENCIAL TEÓRICO . METODOLOGIA. RESULTADOS E DISCUSSÕES. CONSIDERAÇÕES FINAIS . REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

O Brasil é um país em desenvolvimento de proporções continentais e que figura como uma das maiores economias do mundo. Em termos populacionais ocupa a 7ª posição, com uma estimativa de mais de 203 milhões de habitantes. A economia é forte e concreta, entre as 10 maiores do planeta, contudo o capital é desigual e mau distribuído gerando uma situação de pobreza para maior parte da população.

A situação é agravada pela alta carga tributária e pela baixa taxa de retorno dos tributos. A ferramenta que poderia melhorar a distribuição de renda e diminuir a pobreza causa um efeito contrário, reduzindo a qualidade de vida dos indivíduos e aumentando a discrepância entre classes sociais. O país afunda em alta escala, perdendo posições nos principais indicadores mundiais de prosperidade, qualidade de vida e desenvolvimento.

Destarte, o presente artigo, seguindo a linha da interdisciplinaridade do direito tributário no contexto nacional com foco na tributação sobre o consumo, busca evidenciar a manutenção da desigualdade social do Brasil, que está entre os últimos países no Índice de Gini, devido a altíssima concentração de renda. Os dados demonstrados e as evidências obtidas pelo trabalho indicam a relevância de identificar como a alta tributação do consumo resulta em mais trabalho para a população pobre e uma qualidade de vida inferior em relação as outras classes sociais, pois quanto menor a renda maior a penalização tributária.

A pesquisa visa conscientizar sobre a necessidade da reformulação da distribuição da carga tributária do consumo para a renda e a propriedade, respeitando o princípio constitucional da capacidade contributiva. A taxação progressiva com relação aos ganhos do cidadão proporciona a distribuição de renda e a diminuição da desigualdade, além de aumentar a qualidade de vida média da população.


REFERENCIAL TEÓRICO

Segundo Leandro Paulsen, em sua obra “Curso de Direito Tributário”, certos princípios são a base de todo sistema tributário nacional, indicando valores que devem ser promovidos e determinando as condutas adotadas em cada caso. Um dos principais princípios é o da capacidade contributiva, um farol que deve iluminar a tributação do país, promovendo a isonomia. A sua não observância fomenta a desigualdade social e colabora com a estratificação da sociedade.

A possiblidade de graduação do tributo conforme a capacidade contributiva pressupõe, evidentemente, que tenha como hipótese de incidência situação efetivamente reveladora de tal capacidade, do que se depreende que o princípio encontra aplicação plena aos tributos com fato gerador não vinculado, quais sejam, os impostos e, normalmente, também os empréstimos compulsórios e as contribuições. Não será aplicável às taxas, tributo com fato gerador vinculado, porque estas estão fundadas em critério de justiça comutativa e não distributiva. (PAULSEN, p. 83, 2022).

A régua criada pelo princípio da capacidade contributiva tem como função nivelar as desigualdades, buscando sempre a isonomia. A isonomia é distinta da igualdade, pois determina o tratamento desigual aos desiguais, ou seja, verificar quem mais necessita para que mais lhe seja fornecido. A igualdade, por sua vez, determina que todos são iguais, sem distinção, mas não observa as desigualdades naturais e sociais, revelando a impossibilidade de manter um sistema único em um país com dimensões continentais.

O princípio da capacidade contributiva também se projeta nas situações extremas, de pobreza ou de muita riqueza. Impõe, de um lado, que nada seja exigido de quem só tem recursos para sua própria subsistência e, de outro lado, que a elevada capacidade econômica do contribuinte não sirva de pretexto para tributação em patamares confiscatórios que, abandonando a ideia de contribuição para as despesas públicas, imponha desestímulo à geração de riquezas e tenha efeito oblíquo de expropriação. Tais conteúdos normativos extremos (preservação do mínimo vital e vedação ao confisco) aplicam-se a todas as espécies tributárias, inclusive aos tributos com fato gerador vinculado, como as taxas. (PAULSEN, p. 83, 2022).

A tributação sobre o consumo é uma linha tênue entre os princípios constitucionais tributários, podendo a qualquer momento quebrar as regras definidas pela Constituição Federal.

A confluência de princípios e regras e o choque com a realidade tributária do Brasil evidenciam a falha do sistema em gerir e arrecadar. Para Paulo de Barros Carvalho, diferente de outros países ocidentais, o sistema tributário nacional é ancorado na Constituição Federal, com ampla abordagem estrutural, teórica e conceitual, o que enrijece as normas sobre a tributação, devido ao longo e árduo processo de modificação constitucional.

Enquanto os sistemas de outros países de cultura ocidental pouco se demoram nesse campo, cingindo-se a um número reduzido de disposições, que ferem tão somente pontos essenciais, deixando à atividade legislativa infraconstitucional a grande tarefa de modelar o conjunto, o nosso, pelo contrário, foi abundante, dispensando à matéria tributária farta messe de preceitos, que dão pouca mobilidade ao legislador ordinário, em termos de exercitar seu gênio criativo. Esse tratamento amplo e minucioso, encartado numa Constituição rígida, acarreta como consequência inevitável um sistema tributário de acentuada rigidez, como demonstrou Geraldo Ataliba na sua obra Sistema constitucional tributário brasileiro. (CARVALHO, p. 159 e 160, 2021).


METODOLOGIA

A metodologia utilizada para o presente artigo tem como base uma tendência mista, ou seja, descritiva e exploratória, por pretender encontrar o conceito de tributação sobre consumo, analisar os dados de fontes governamentais e demonstrar como a legislação e a arrecadação vigente impactam negativamente na qualidade de vida dos brasileiros.

No que se refere à abordagem, a pesquisa pode ser dita qualitativa e quantitativa, pois será uma análise crítica acerca dos dados coletados, evidenciando tanto o impacto financeiro quanto moral do tema proposto.

Do ponto de vista do método, a pesquisa proposta seguirá a lógica indutivo- dedutiva, pois fará induções a partir das representações dos sujeitos-objetos, bem como deduções das normas, dados e pesquisas existentes.

A pesquisa se enquadra como sendo de revisão bibliográfica, cujos dados serão obtidos na Constituição Federal, nas Leis Codificadas, na legislação ordinária, na doutrina, e em pesquisas dos principais medidores nacionais como os estudos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), e de organizações internacionais como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

A pesquisa desenvolvida neste trabalho tem a metodologia exploratória como propósito, pois parte do estágio zero e explora o assunto, cria se familiaridade com o tema e busca entender como funciona. A abordagem da pesquisa é uma mistura das formas qualitativa e quantitativa, pois apresenta os resultados através de percepções e análises, descrevendo a complexidade do tema, e aplica técnicas estatísticas, com números para chegar aos resultados.


RESULTADOS E DISCUSSÕES

O conceito de renda, consumo e tributação indireta

O conceito de renda é amplo, complexo e cerne de divergências entre os principais professores do Brasil. A conceituação pode ser dividida em três critérios: a renda pessoal, a renda familiar e renda bruta ou líquida. A primeira representa valores monetários obtidos pelo indivíduo decorrente de seu trabalho e investimentos, bem como pensões e benefícios. A segunda classificação engloba o somatório do ganho de cada membro de uma família, e a divisão representa uma renda per capita. O último critério determina a situação da renda antes e depois dos descontos tributários e operacionais.

A renda é o acréscimo patrimonial produto do capital ou do trabalho. Proventos são os acréscimos patrimoniais decorrentes de uma atividade que já cessou. “Acréscimo patrimonial”, portanto, é o elemento comum e nuclear dos conceitos de renda e de proventos, ressaltado pelo próprio art. 43 do CTN1 na definição do fato gerador de tal imposto. (PAULSEN, p. 436, 2022).

O consumo é o ato de aquisição de bens ou serviços para satisfazer desde as necessidades básicas do indivíduo, até a realização dos seus sonhos e vontades. Em uma sociedade capitalista, o consumo é o combustível que a move e a mantém funcionando. O brasileiro que recebeu o piso nacional em novembro de 2023 gastou 52,82% de sua renda para adquirir os produtos alimentícios básicos para sobrevivência, itens necessários para manutenção da vida e do lar, conforme estudo do Instituto DIEESEL (Departamento intersindical de estatística e estudos socioeconômicos).

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A tributação indireta, por sua vez, é a incidência de tributos embutidos no preço dos produtos, cobrados dos produtores e vendedores e repassados aos consumidores como custo, estes que não são os contribuintes diretos, mas que arcam com o valor integral da tributação sobre o consumo.

1 Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica.

Os tributos que implicam carga tributária a ser suportada pelo contribuinte de direito, assim entendido aquele que por lei é colocado no polo passivo da relação jurídico-tributária enquanto devedor, são denominados tributos diretos. Já os tributos que incidem em determinados negócios jurídicos consubstanciados na venda de mercadorias e serviços que compõem o valor total da operação, inclusive sendo destacados nos documentos fiscais respectivos, tendo o seu custo, desse modo, repassado ao adquirente ou consumidor que, por isso, é considerado contribuinte de fato, são denominados tributos indiretos. (PAULSEN, p. 194, 2022).

Os tributos indiretos estão intrinsicamente relacionados com o consumo da população. O consumo não se limita aos atos de mercancia, mas também as prestações de serviço, ao lazer e a saúde, entre outras relações interpessoais. Portanto, todo ato cotidiano do cidadão é tributado com excessiva carga, ferindo princípios basilares do sistema tributário nacional, como a capacidade contributiva, a progressividade e a proporcionalidade.

O princípio da capacidade contributiva, segundo Paulo de Barros Carvalho (2021), a repartição da percussão tributária, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento. É, portanto, a segurança jurídica que estabelece a diretriz de arrecadação tributário apenas do indivíduo que de fato possa contribuir, pois aquele que pouco ou nada possui seria de certo modo penalizado, ferindo sua existência digna e garantida pelo Estado.

A tributação sobre o consumo nos moldes atuais fere diretamente a capacidade contributiva da população, visto que todos precisam consumir para manutenção regular em sociedade. Desta forma, independente de posses e ganhos, cada um pagará o tributo incidente sobre os produtos e serviços, repassados diretamente ao consumidor final. A afronta ao princípio da capacidade contributiva é força motriz da desigualdade social, pois surge um abismo entre classes sociais, punindo quem pouco tem, limitando seu consumo apenas aos produtos mínimos necessários, adquiridos com excessivo esforço.

A capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo. Mensurar a capacidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributos é o grande desafio de quantos lidam com esse delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos e o modo como é avaliado o grau de refinamento dos vários sistemas de direito tributário. (CARVALHO, p. 181, 2021).

A progressividade tributária é outro princípio não observado pela taxação do consumo, visto que diversos bens são básicos e comuns a todos, sem distinção de faixa salarial. A tributação do consumo encontra-se em sentido oposto à progressividade da tributação da renda e do patrimônio, pois quem menos recebe é quem mais contribui, considerando os dados divulgados pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) em 2014, que revelaram que o brasileiro que ganha até três salários-mínimos contribuiu com 53,79% da carga tributária, a grande maioria em alimentação, transporte e habitação.

A progressividade não se apresenta exclusivamente como decorrência da concretização da justiça distributiva. Essa forma de fixação das alíquotas de um tributo, como verá no item 5, abaixo, pode até mesmo ser exigência para a correção da regressividade do sistema tributário. Finalmente, pode a regressividade decorrer da atuação cânone da Ordem Econômica, exigindo tratamento diferenciado para situações diferentes, a fim de realizar objetivo visando pela primeira (justiça estrutural). Enquanto, entretanto, na progressividade distributiva, o critério de diferenciação residia na capacidade contributiva, a progressividade de que ora se trata (progressividade estrutural) baseia-se em parâmetro nascido da Ordem Econômica. (SCHOUERI, p. 435, 2022).

É possível observar, portanto, que a matriz tributária sobre o consumo no Brasil é regressiva, onerando as camadas mais vulneráveis e com mínima ou nenhuma capacidade contributiva. A contribuição sobre as mercadorias e serviços é desproporcional, favorecendo o acúmulo de patrimônio e a má distribuição da renda, gerando consequências como a classificação do país como um dos mais desiguais do mundo. A contradição se evidencia ao se analisar um país que está entre as 10 maiores potências econômicas e é um dos mais desiguais, empurrando sua população e tirando-lhe o fôlego.

Os principais tributos que incidem sobre o consumo no Brasil

A Constituição Federal da República do Brasil de 1988 institui diversos tributos indiretos incidentes sobre o consumo, dentre eles: imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS); imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN); imposto sobre produtos industrializados (IPI); as contribuições sociais PIS/PASEP e COFINS. Os tributos citados são classificados como indiretos e compõe o preço final dos produtos, seja por repasse ou acrescidos por custos ao vendedor. A competência é dividida entre estadual, municipal e federal, cada qual arrecadado e fiscalizado por um ente da federação.

Em 2021, conforme relatório divulgado pelo Tesouro Nacional, os impostos sobre bens e serviços totalizaram 14,29 % do produto interno bruto (PIB), sendo responsáveis por 43% de toda a arrecadação do país. O Brasil, conforme a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), está à frente da Finlândia, Portugal, Dinamarca e Nova Zelândia, entre outros, na porcentagem de arrecadação de impostos sobre bens e serviços.

A arrecadação de impostos sobre renda, lucros e ganhos de capital, do ano de 2021, por sua vez evidencia a divergência nacional entre taxação do consumo e dos ganhos, pois correspondeu a 7,82% do PIB, aproximadamente metade dos impostos sobre bens e serviços. Em relação aos outros países, o Brasil está abaixo da média estabelecida pela OCDE, que foi de 8,32% para o mesmo ano.

O impacto socioeconômico da excessiva tributação sobre o consumo

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulga anualmente um relatório com um índice de desenvolvimento humano (IDH), que compara países em relação à saúde, educação e renda de sua população, mensurando seu bem-estar. O Brasil, em relatório divulgado no ano de 2021, ocupa a 87ª posição entre os participantes do relatório, com um IDH de 0,754, ao lado de países como México e Colômbia. Em comparação com a tributação sobre consumo, o Brasil está mais próximo de países como Noruega e Suécia, com taxas em torno de 25%, valor estudado pela equipe econômica do governo para vigorar a partir da reforma tributária aprovada. Observa-se que a qualificação de bem-estar e a taxação sobre consumo são inversamente proporcionais, penalizando a maioria da população brasileira.

A renda média salarial do brasileiro no segundo trimestre de 2023 foi de R$2.924,00 (dois mil novecentos e vinte e quatro reais), conforme pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O índice Gini da renda domiciliar para o mesmo período foi de 0,517, o que demonstra desigualdade social alta nos lares brasileiros. Em breve análise de dados e conceitos, pode se conjecturar que a maioria da população pouco contribui com imposto de renda e patrimônio, colaborando de forma massiva com as tributações sobre o consumo, setor da economia que de fato podem acessar.

Os altos preços de produção e a tributação excessiva oneram os bens e serviços, limitando significativamente o poder de compra do cidadão médio. A qualidade de vida e o bem-estar, nesse cenário, ficam restritos ao poder aquisitivo, aos rendimentos mensais das famílias, que precisam consumir diariamente, em qualquer setor ou classe. A média habitual de renda é baixa, 23% dos domicílios não possuem renda e 28% estão na primeira faixa de ganho efetivo, segundo relatório do Ipea realizado no 2º trimestre do ano de 2023. A população é em sua grande maioria pobre, acessando itens que qualificam sua vida com extrema dificuldade, em muitos casos optando por tornar-se parte da estatística de endividados.

O endividamento no Brasil atingiu 29% das famílias em novembro de 2022, conforme dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), com inadimplência principalmente em bens e serviços. A qualidade de vida e o bem-estar estão intrínsecos às dívidas, forçando o indivíduo à um ciclo de gastos que apenas aumenta. A tributação sobre o consumo impacta diretamente os lares brasileiros.

A complexidade e o alto custo da sistemática do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS)

O consumo em todo território brasileiro é cercado por uma sistemática peculiar e desafiadora. As indústrias concentram-se na região sudeste, especialmente no estado de São Paulo, e o mercado consumidor se estende por todos as unidades da federação. A circulação da mercadoria é fato imponível da regra matriz de incidência do Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, seja internamente ou entre estados. Portanto, além dos custos de transporte e produção, o preço final é acrescido de ICMS, dependendo de qual unidade partirá e para onde, pois existem 27 legislações para o tributo.

O ICMS é um dos impostos mais complexos do sistema tributário brasileiro. Sua legislação é extensa, começando pelo art. 155, inciso II e seus longos §§ 2º e 5º, passando por resoluções do Senado que estabelecem alíquotas máximas e mínimas para determinadas situações, seguindo com a intermediação da lei complementar que uniformiza diversos pontos do seu regime jurídico (art. 155, §2º, XII, da CF, LC n. 87/96) e envolvendo também convênio entre os estados (Convênio Confaz) que especificam os benefícios fiscais que podem ser concedidos. Isso sem falar nas leis instituidoras do tributo em cada Estado, nos regulamentos e na plêiade de outros atos normativos infralegais que detalham sua aplicação concreta. Importa compreendermos as linhas gerais de todo esse microssistema. (PAULSEN, p. 463 e 464, 2022).

A sistemática da substituição tributária, que altera o contribuinte de fato para terceiro, que é parte da cadeia de produção, aliada com o eixo industrial nacional, que segrega a maioria das regiões e se concentra no Sul-Sudeste, encarecem os produtos de consumo. A logística do Brasil também contribui para o cenário, pois o país possui proporções continentais e o principal meio de transporte é o rodoviário, aumentando exponencialmente os valores de frete.

A legislação complexa, o tamanho do país, a autonomia estadual e a concentração das indústrias em determinada região tornam o ICMS um vilão do consumo, abrindo portas para a informalidade, falsificação e o descaminho de produtos através das fronteiras com países da América do Sul, como Paraguai e Bolívia.

A tributação sobre consumo a partir da reforma tributária

A reforma tributária, aprovada pelo Congresso Nacional, tem como principal objetivo simplificar e facilitar a tributação sobre bens e serviços. A Emenda Constitucional n. 132 instituiu o IVA dual (imposto sobre valor agregado, aglutinando o ICMS e o ISS em um único Imposto sobre Bens e Serviços, IBS, de competência dos Estados e municípios, e as contribuições PIS e COFINS serão a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A previsão do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é que a alíquota final dos dois tributos seja próxima de 27,5%, o que tornará o Brasil o país com o maior imposto sobre valor agregado do mundo.

A reforma sobre a renda e o patrimônio está prevista para um futuro próximo, conforme discurso do ministério da Fazenda. A questão importante a ser avaliada é que as mudanças no sistema tributário, feitas em busca da simplificação e do fim da guerra fiscal entre entes da federação, não diminuiu a tributação sobre o consumo. As reduções e isenções de alimentos e produtos essenciais estão previstas como possibilidade, dependentes de lei complementar. Portanto, a transferência da contribuição significativa dos tributos sobre o consumo para os tributos sobre a renda e o patrimônio não ocorreu, mantendo-se o status quo nesta seara.

Os benefícios da criação do imposto sobre valor agregado, em primeira análise, não versam sobre qualidade de vida e bem-estar da população, mas sim sobre a facilidade em cumprir as obrigações acessórias tributárias, bem como da arrecadação e da fiscalização. Os tributos indiretos continuarão repassados para o valor final, mantendo os altos preços e a dificuldade em se consumir produtos e serviços no Brasil.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões e debates apresentadas no presente artigo evidenciam que a tributação excessiva sobre o consumo impacta negativamente a qualidade de vida das famílias brasileiras. O poder de compra é pequeno ao confrontar a dualidade entre renda mensal baixa e altos preços de bens e serviços, fato evidenciado pela posição do Brasil no índice de Gini, que determina a posição de cada país de acordo com o bem-estar da população.

A análise da legislação tributária e da doutrina demonstra a quantidade de princípios alicerces do sistema tributário nacional, mas que são descartados com relação aos tributos sobre consumo. A desigualdade social não é combatida, apenas fomentada pela excessiva carga nos produtos, que aumentam a arrecadação estatal, compondo grande fatia da contribuição. A classe com menor renda é a que mais contribui, proporcionalmente, em espécie de regressividade, ou seja, opondo-se ao aumento progressivo das alíquotas conforme os rendimentos auferidos. O cidadão consome igualmente em todo país, seja com alimentos, produtos de higiene e limpeza, e com lazer, essencial para vida em sociedade.

Os dados apresentados revelam uma média salarial muito baixa, em torno de dois salários-mínimos. A tributação sobre a renda e patrimônio não é o modo mais efetivo de arrecadar, visto que a maioria da população não aufere altos valores e não possui muitos bens. O consumo, no entanto, é alto em qualquer classe, pois a sociedade brasileira é capitalista, e viver é consumir. A forma da grande massa populacional contribuir é através do consumo, o que aumenta o preço dos bens e serviços em comparação com outros países.

A qualidade de vida é diminuta entre os que menos ganham, aumentando gradativamente com o aumento dos rendimentos, pois no Brasil quanto maior for o salário, menor o impacto da tributação sobre o consumo, em termos relativos e proporcionais.

O advento da reforma tributária não alterou o cenário pois, conforme evidenciando no presente artigo, não reduziu a participação dos tributos indiretos na composição da arrecadação nacional. A possibilidade agora é de que o país avance para o maior imposto sobre valor agregado do mundo, em oposição ao necessário para aumentar a qualidade da vida do brasileiro e proporcionar bem-estar aos que menos recebem.


REFERÊNCIAS

Cardoso, Débora Freire. Capital e trabalho no Brasil no século XXI: o impacto de políticas de transferência e de tributação sobre desigualdade, consumo e estrutura produtiva/ Débora Freire Cardoso; orientador: Edson Paulo Domingues; co-orientador: Gustavo de Britto Rocha. – Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2020. 388 p.

CARVALHO, Paulo de Barros. CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021. 704 p.

DESENVOLVIMENTO, Programa das Nações Unidas Para O. Relatório Anual 2021: PNUD. 2022. Disponível em: https://www.undp.org/pt/brazil/publicações. Acesso em: 15 dez. 2023.

GASSEN, Valcir; D’ARAÚJO, Pedro Júlio Sales; PAULINO, Sandra Regina da F.. Tributação sobre Consumo: o esforço em onerar mais quem ganha menos. 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2013v34n66p213. Acesso em: 18 dez. 2024.

IBPT. População que recebe até três salários mínimos é a que mais gera arrecadação de tributos no país. Disponível em: https://ibpt.com.br/populacao-que- recebe-ate-tres-salarios-minimos-e-a-que-mais-gera-arrecadacao-de-tributos-no- pais/. Acesso em: 10 jan. 2024.

IPEA. Propostas de reforma tributária e seus impactos: Uma avaliação comparativa. 2023. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2023/07/propostas-de-reforma- tributaria-e-seus-impactos-uma-avaliacao-comparativa/. Acesso em: 07 jan. 2024.

MAGALHÃES, Luís Carlos Garcia de et al. Tributação, Distribuição de Renda e Pobreza: Uma Análise dos Impactos da Carga Tributária Sobre Alimentação nas Grandes Regiões Urbanas Brasileiras. 2001. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/1960. Acesso em: 07 dez. 2024.

NACIONAL, Tesouro. Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Geral 2022. 2023. Disponível em: www.tesourotransparente.gov.br. Acesso em: 12 dez. 2023.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 13. ed. São José dos Campos: Saraiva Jur, 2022. 664 p.

SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 11. ed. São José dos Campos: Saraiva Jur, 2022. 1016 p.

Sobre o autor
Caio Correa do Nascimento

Advogado Tributarista no escritório Corrêa Pavão Advogados Associados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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