Assédio moral na fase probatória no funcionalismo público

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08/11/2024 às 18:04
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3. Entendendo o processo psicológico do assédio moral

Segundo Hirigoyen (2001), a primeira é a fase da sedução perversa, no inicio do relacionamento, envolvendo-se a vítima com o processo de desestabilização e perda progressiva da autoconfiança através de constantes humilhações que diminuem os valores morais do indivíduo e aniquilam a suas defesas.

A humilhação "é um sentimento de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, inferiorizado, submetido, vexado e ultrajado pelo outro. É sentir-se ninguém, sem valor, inútil" (BARRETO, 2000, p. 218).

O trabalhador assediado moralmente, a princípio, não é passivo e nem dócil como o "homem-boi" de Taylor. Torna-se vítima porque reage às ações do agressor e por não concordar com a postura administrativa adotada por ele enquanto detentor do poder. Neste sentido, pontua Freitas (200, p.11) que "é o assédio que desencadeia a reação, posto que a vítima reaja ao autoritarismo.

É, pois, a sua recusa a submeter-se à autoridade, apesar das pressões, que a designa como alvo". No assédio moral, segundo Hirigoyen (2002, p. 27), "não se observa mais uma relação simétrica como no conflito, mas uma relação dominante-dominado, na qual aquele que comanda o jogo procura submeter o outro até fazê-lo perder a identidade" através de "uma fria racionalidade, combinada a uma incapacidade de considerar os outros como seres humanos" (HIRIGOYEN, 2001, p. 13). Viram-se instrumentos, meros objetos, e assim é consumado o ato de "coisificar".

Uma vez implantado o assédio moral, com a dominação psicológica do agressor e a submissão forçada da vítima, a dor e o sentimento de perseguição passam para a esfera do individual, sem uma participação do coletivo. A presença do individualismo nas relações de trabalho tem uma função desarticuladora: "cada um sofre no seu canto sem compartilhar suas dificuldades com um grupo solidário", explica Hirigoyen (2002, p. 26). A solidariedade dos colegas dificilmente aparece no momento da humilhação. A dor sentida não é compartilhada e nem compreendida.

A constante desqualificação a que é submetida à vítima conduz ela a pensar que "ela merece o que lhe aconteceu", "ela estava pedindo isso". Assim é que acontece o deslocamento da culpa: o funcionário moralmente assediado internaliza sua culpa e acredita que tem uma efetiva participação na sua doença. Essa etapa, difícil de ser rompida, coincide com as radicais tentativas de solucionar o problema. Em palavras de Barreto (2000, p. 148) "a vida perde o sentido transformando a vivência em sofrimento, num contexto de doenças, desemprego, procuras, desamparo, medo, desespero, tristeza, depressão e tentativas de suicídio".

Quando a vítima, de fato, começa a sentir os sinais da doença, aparece outro sintoma: a ocultação do problema. A atitude está diretamente relacionada ao medo de perder o cargo ou função pública e por isso, como tática, o funcionário não declara abertamente a sua doença e prefere sofrer sozinho. Uma vez adoecido, sem nenhuma alternativa, o caminho para o funcionário é afastamento do trabalho que, ao princípio, é por licença para tratamento da doença apresentada.

A vítima não se liberta totalmente com o afastamento do local de trabalho ou do agressor. Não convive mais diariamente com a prática da violência, mas carrega consigo toda angustia do período: "as agressões ou as humilhações permanecem inscritas na memória e são revividas por imagens, pensamentos, emoções intensas e repetitivas, seja durante o dia, com impressões bruscas, de iminência de uma situação idêntica, ou durante o sono, provocando insônias e pesadelos" (HIRIGOYEN, 2001, p. 183).

O suicídio pode ser o ponto final. Para Barreto (2000, p. 242) "quando o homem prefere a morte à perda da dignidade, se percebe muito bem como a saúde, trabalho, emoções, ética e significado social se configuram num mesmo ato, revelando a patogenicidade da humilhação".


4. Contexto Global Organizacional e Relações Laborais em Rio das Ostras que podem propiciar o Assédio Moral

Após acompanhar as reclamações realizadas junto ao sindicato e na imprensa, nos deparamos com irresignações sobre as atribuições dos novos cargos criados pela Prefeitura de Rio das Ostras, que fora objeto do concurso público realizado em 2008, entretanto os cargos que mais chamaram a atenção foram os de auxiliar de creche e auxiliar de desenvolvimento infantil.

Na falta de uma explicitação maior no edital lançado, não ficou bem claro qual seriam as atribuições para desempenho da nova função levando muitos candidatos após empossados a desistirem em prosseguir e outros a continuarem por situação de extrema necessidade e convivem com situações explicitas de assédio moral e perseguições em seus ambientes de trabalho, cujas tarefas são além das normais.

Os servidores em estágio probatório são constantemente alvos de assédio moral, onde sofrem com o medo do temível 3 (três) anos até a afirmação no serviço público.

Assim como as auxiliares de creche as de desenvolvimento infantil retratam que são alvos constantes das chantagens da temível avaliação de desempenho que são realizadas e condições para se firmarem no serviço público.

Sem sombra de dúvidas, a globalização intensificou a alteração nas relações interpessoais, atribuindo uma nova ordem e um novo modelo de comportamento de tal configuração que os conflitos internos, anteriormente não aflorados ou superficialmente expostos, passaram a ser mais acentuados, mas não por isto mais explícitos.

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O denominado assédio moral, com as suas práticas de humilhação, perseguição, rebaixamento, ameaças sistemáticas, tornou-se um modo de relacionamento entre chefias e subordinados, onde os funcionários públicos em estagio probatório tornam-se mais frágeis, propensos a sofrer violência psicológica.


5. A busca de indenização por danos morais pelas vítimas do assédio moral

O dano moral, conforme Pamplona Filho (2002, p. 52),

"É aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, a sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente".

As causas trabalhistas, com pedidos de indenização por danos morais, refletem a não aceitação da subordinação imposta pelo empregador e podem ser interpretadas como sinal de resistência aos desmandos no local de trabalho, inclusive como reação à impunidade dos que pratica o assédio moral.

A opção por estudar os processos trabalhistas, através de acórdãos, atas e sentenças, está vinculada ao exame de casos concretos para verificar a ocorrência de maus tratos e humilhações ao empregado e tem como vantagem o registro oficial dos depoimentos, tanto do agredido quanto do agressor ou seu preposto, além de permitir a apreciação dos pareceres judiciais emitidos sobre o litígio trabalhista e a confirmação ou não da lesão à intimidade do trabalhador.

É interessante esclarecer que acórdão é uma decisão final proferida sobre um processo por um tribunal superior, como recurso de dissídio individual, e que os litígios trabalhistas no Brasil são atribuições decididas pela Justiça do Trabalho, órgão do Poder Judiciário, estruturado em Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Juntas de Conciliação e Julgamento, conforme art. 111 da Constituição Federal de 1988.

O método que utilizamos é a "análise de conteúdo", seguindo as ideias defendidas por Carmo - Neto (1996) por ser a sistemática mais adequada para extrair os dados de um processo trabalhista, permitindo desvendar elementos encobertos e de buscar informações essenciais a partir de uma nova leitura do seu conteúdo, admitindo-se a inferência dos acontecimentos da relação conflituosa do trabalho como resultado de "reflexões das entrelinhas, nas razões das analogias, nas observações e comparações sobre frequências, características, aspectos culturais, morais, religiosos e pessoas" (CARMO-NETO, 1996, p. 402).


6. Considerações finais

A coisificação dos trabalhadores no serviço público é evidente: em todos os casos analisados, eles são tratados como peças substituíveis, desprovidos de reconhecimento como seres humanos. Como apontam Hirigoyen e Barreto, as perseguições, maus-tratos e humilhações são frutos de uma perversidade evidente, expressa pelo descaso com o próximo e pela desumanização das relações de trabalho.

Agora, será que é realmente assim? Será que é tão simples substituir um servidor público? A questão é muito mais complexa. Embora alguns vejam os trabalhadores do funcionalismo como facilmente substituíveis, a realidade é que cada servidor carrega um conjunto específico de habilidades, conhecimento institucional e experiência, que dificilmente podem ser trocados sem perda de qualidade ou eficiência no serviço público.

Portanto, a ideia de que a substituição é simples ou vantajosa pode ser uma visão limitada e desatenta à importância do papel desempenhado por cada trabalhador. coisificação do trabalhador funcionário público é evidente: os mesmos, em todos os casos analisados, são tratados como peças substituíveis e não como seres humanos.

Tal e como descrito por Hirigoyen e Barreto, as perseguições, maus tratos e humilhações se dão pela perversidade manifesta no descaso para com o semelhante e a desumanizarão das relações de trabalhado.

O trabalho a ser feito nas organizações é uma reeducação de valores que implica uma mudança cultural, com incentivo à pratica do diálogo constante e permanente e a implantação de um código de ética e de conduta de todos os empregados, inclusive as chefias, baseado no respeito mútuo e no companheirismo.


7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

http://www.assediomoral.org/site/, acesso em

http://www.partes.com.br/assedio_moral.htm, acesso em

http://www.culturabrasil.pro.br/assediomor.htm, acesso em

http://www.trt12.gov.br/ ,

BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BARRETO, Margarida M. S. Uma jornada de humilhações. 2000. 266 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) - PUC, São Paulo, 2000.

Assédio moral: ato deliberado de humilhação ou uma "política da empresa" para livrar-se de trabalhadores indesejados.

ALENCAR, Maria B. A. Assédio moral no trabalho: chega de humilhação! Disponível em. Acesso em: 14 mar. 2003.

BATISTA, Anália S. Violência "sem sangue" nos locais de trabalho. Disponível em. Acesso em: 11 fev. 2003.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 19. Ed. São Paulo: Saraiva 2002.

Sobre o autor
Luiz Carlos da Cruz Iorio

Advogado-OAB/RJ nº 79.622. Consultor Jurídico. Especialista em Direito Administrativo/Direito Público. Ex-titular do escritório jurídico C. Martins & Advogados Associados no Rio de Janeiro, ex- Assessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Conceição de Macabu, Pós Graduando em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense, Pós Graduado em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal Fluminense no RJ, especialista em Segurança Pública pelo SENASP Brasília, Pós Graduando em Políticas e Gestão em Segurança Pública pela Universidade Estácio de Sá no RJ, Graduado em Administração de Empresa pela faculdade Cenecista em Rio das Ostras, Graduado em Direito pela faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas no RJ, Consultor Jurídico, especialista em Direito Civil pela Universidade Cândido Mendes/RJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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