Normas Internacionais e Diretrizes para a Regulação da Expressão Ideológica Online
Silva et al., (2021). Destaca que a regulação da expressão ideológica online é um tema de grande relevância no cenário internacional, dada a interconexão dos ambientes digitais e a influência que a internet exerce sobre o comportamento e as opiniões dos cidadãos ao redor do mundo. O avanço das tecnologias digitais impôs a necessidade de estabelecer normas que possam proteger tanto a liberdade de expressão quanto a segurança e o bem-estar de indivíduos e coletividades. Nesse contexto, diversos tratados e convenções internacionais foram criados com o propósito de orientar as legislações nacionais, oferecendo diretrizes para o desenvolvimento de normas que limitem o uso abusivo do espaço digital sem comprometer o direito à livre manifestação.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, é um dos documentos fundadores dos direitos fundamentais e serve como base para as normas que orientam a liberdade de expressão. Embora tenha sido elaborada antes da era digital, seu Artigo 19, que assegura a liberdade de opinião e expressão, é amplamente citado como fundamento para proteger as manifestações ideológicas na internet. Esse direito, entretanto, é interpretado com cautela, já que, apesar de ser amplamente defendido, está sujeito a limitações que buscam evitar abusos que comprometam a segurança e a dignidade dos indivíduos. Assim, a Declaração atua como um referencial para que os países conciliem o direito à expressão com as normas de proteção contra abusos no ambiente digital (Silva et al., 2021).
Outro marco normativo de extrema relevância é o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado em 1966 e também sob os auspícios das Nações Unidas. Este tratado internacional detalha a liberdade de expressão e estabelece que, embora seja um direito fundamental, ele pode ser restringido quando necessário para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou a moral pública, bem como os direitos e a reputação de terceiros. A aplicação desse pacto às legislações nacionais permite que os Estados membros ajustem suas regulamentações à realidade digital, prevenindo discursos prejudiciais e abusivos na internet enquanto garantem o direito à livre expressão (Guimarães; Dias, 2017).
A Convenção Europeia de Direitos Humanos, especialmente em seu Artigo 10, também aborda a liberdade de expressão e fornece uma base sólida para regulamentações relacionadas ao ambiente online. Ratificada pelos países membros do Conselho da Europa, a Convenção Europeia estabelece que o direito à liberdade de expressão é essencial, mas que pode ser limitado para preservar a segurança nacional, a ordem pública e os direitos de outras pessoas. Os tribunais europeus frequentemente interpretam esse artigo em casos que envolvem o ambiente digital, estabelecendo precedentes que influenciam tanto a legislação nacional quanto as práticas de regulação de conteúdos online, promovendo uma aplicação coerente das normas em diversos países europeus (Chaia; Brugnago, 2014).
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também desempenha um papel relevante ao promover diretrizes de boas práticas para a regulação do ambiente digital. Embora a OCDE não possua um tratado específico sobre liberdade de expressão, suas recomendações incentivam os países a adotar políticas equilibradas que protejam o direito à livre manifestação enquanto garantem que conteúdos nocivos ou abusivos possam ser regulados. Essas diretrizes visam proporcionar um ambiente seguro para todos os usuários da internet, fomentando a colaboração entre governos e empresas de tecnologia para mitigar os riscos associados à expressão ideológica online sem interferir excessivamente na liberdade de expressão (Chaia; Brugnago, 2014).
Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos da ONU adotou a resolução que reconhece os direitos humanos na internet, incluindo a liberdade de expressão, reafirmando que os mesmos direitos existentes no ambiente offline devem ser protegidos no ambiente online. Essa resolução serviu de base para a criação de políticas que orientam a proteção dos direitos dos indivíduos na esfera digital e fomentam o respeito à livre manifestação de opiniões e ideias na internet. Esse posicionamento da ONU reforça a importância de uma abordagem harmonizada entre os Estados, garantindo que a liberdade de expressão na internet seja protegida independentemente da jurisdição e assegurando a segurança digital dos cidadãos (Moraes; Santos, 2016).
Na América Latina, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, destaca a liberdade de expressão como um direito essencial, abordando a necessidade de que ele seja exercido com responsabilidade e dentro dos limites da lei. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA utilizam esse tratado para promover e orientar práticas regulatórias que respeitem o direito à expressão e que previnam abusos no ambiente digital, especialmente em um contexto onde os meios digitais são amplamente utilizados para debates políticos e sociais (Moraes; Santos, 2016).
Além desses tratados, a União Europeia adotou o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), que, embora seja focado na proteção de dados, impacta diretamente a forma como a liberdade de expressão é exercida no ambiente online. Ao regular o uso e a coleta de dados pessoais, o GDPR estabelece padrões de proteção que afetam a transparência e a segurança das plataformas digitais, influenciando o modo como as informações e opiniões são compartilhadas e limitando práticas abusivas. A União Europeia, por meio desse regulamento, reforça a necessidade de um equilíbrio entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão, promovendo um ambiente digital mais seguro e transparente (Bernardi et al., 2021).
A harmonização entre as leis locais e as diretrizes internacionais é um aspecto fundamental para garantir que a liberdade de expressão na internet seja respeitada globalmente. No entanto, alcançar essa uniformidade é um desafio, considerando as diferenças culturais, políticas e econômicas entre os países. Diversas organizações, como a ONU e o Conselho da Europa, incentivam a cooperação entre Estados para que as regulamentações sejam aplicadas de maneira consistente e para que a internet continue a ser um espaço para o intercâmbio de ideias e opiniões sem fronteiras, minimizando os conflitos legais e promovendo uma proteção equilibrada (Bernardi et al., 2021).
Ribeiro (2019), define que a implementação dessas normas e diretrizes depende não apenas das legislações nacionais, mas também da disposição das plataformas digitais em adotar padrões éticos e respeitar os direitos humanos. A responsabilidade das empresas de tecnologia é enfatizada nas diretrizes da ONU e em outros tratados internacionais, que sugerem que essas organizações adotem políticas de moderação que não interfiram de maneira excessiva na liberdade de expressão dos usuários, mas que, ao mesmo tempo, impeçam abusos. A colaboração entre Estados, empresas e organizações internacionais é essencial para construir um ambiente digital que respeite a expressão ideológica e proteja os direitos fundamentais, garantindo que a internet continue a ser um espaço democrático e inclusivo.
Impacto das Tecnologias Digitais na Liberdade de Expressão e na Regulação de Conteúdo
O advento das tecnologias digitais e das redes sociais alterou profundamente a dinâmica da liberdade de expressão, oferecendo novos canais para que indivíduos e grupos compartilhem ideias e posicionamentos ideológicos. Com a facilidade proporcionada por plataformas digitais, qualquer pessoa com acesso à internet pode divulgar opiniões e informações em tempo real, alcançando públicos vastos e diversificados. Essa transformação tecnológica democratizou o acesso ao debate público, permitindo que vozes antes marginalizadas encontrem espaço e visibilidade. Entretanto, essa expansão trouxe também desafios para a regulação de conteúdo, especialmente em relação à disseminação de informações prejudiciais ou que incitam o ódio e a violência (Fredes, 2021).
As plataformas digitais, como redes sociais e sites de compartilhamento de vídeos, exercem um papel central na mediação da liberdade de expressão, visto que atuam como veículos primordiais para a propagação de ideologias e discursos. O alcance global dessas plataformas permite que conteúdos ideológicos cruzem fronteiras culturais e políticas, potencializando o impacto de discursos e a velocidade com que influenciam a opinião pública. Contudo, essa mesma característica demanda uma regulamentação eficaz para evitar abusos e a propagação de informações falsas, que podem ter repercussões graves para a sociedade. A complexidade do ambiente digital exige, portanto, uma abordagem regulatória que equilibre a liberdade de expressão e a necessidade de proteger o público de conteúdos nocivos (Fredes, 2021).
A tecnologia digital também modificou as formas de controle e moderação de conteúdo, inserindo algoritmos e inteligência artificial na filtragem de informações. Esses sistemas automatizados são programados para detectar discursos considerados inapropriados ou potencialmente perigosos, facilitando a eliminação de conteúdos que infrinjam as diretrizes das plataformas. Contudo, essa moderação algorítmica levanta questionamentos sobre a transparência e a precisão com que conteúdos são removidos, pois muitas vezes as ferramentas automatizadas falham em interpretar nuances contextuais. Assim, a moderação de conteúdo impulsionada por algoritmos representa um ponto de tensão entre a proteção da liberdade de expressão e a preservação de um ambiente digital seguro (Brina, 2018).
O impacto das tecnologias digitais na liberdade de expressão também se reflete nas políticas de uso que cada plataforma estabelece. Redes sociais e plataformas de vídeo criam e aplicam suas próprias normas de conduta, estabelecendo parâmetros que muitas vezes vão além das legislações locais. Isso gera um paradoxo, em que empresas privadas assumem um papel regulatório, decidindo quais conteúdos devem ser censurados ou incentivados, o que afeta diretamente a liberdade de expressão dos usuários. A intervenção dessas empresas na mediação de conteúdo é criticada por aqueles que temem que interesses comerciais possam influenciar a visibilidade de certos conteúdos, colocando em risco a imparcialidade e a diversidade de opiniões (Brina, 2018).
Outro impacto relevante das tecnologias digitais na liberdade de expressão é a amplificação de discursos ideológicos extremistas, que encontram na internet um espaço propício para se proliferarem. As redes sociais permitem que ideologias radicais ganhem tração e atraíam seguidores ao redor do mundo, promovendo visões que, em alguns casos, incentivam a violência ou o preconceito. Esse cenário cria uma urgência para regulamentar conteúdos que promovam o ódio, uma vez que a velocidade e o alcance da internet facilitam a organização e o recrutamento de indivíduos para causas extremistas. A regulação, portanto, busca evitar que o ambiente digital seja utilizado como ferramenta para a disseminação de conteúdos perigosos que possam comprometer a segurança pública (Souza, 2018).
A facilidade de anonimato que a internet oferece agrava ainda mais o desafio da regulação de conteúdo. Sob o véu do anonimato, muitos usuários se sentem encorajados a expressar opiniões sem responsabilidade, o que pode resultar na disseminação de discursos ofensivos ou que violem normas de convivência social. Embora o anonimato seja considerado um aspecto importante para proteger a privacidade e a liberdade individual, ele também apresenta riscos quando utilizado para propagar ódio e ameaças. A regulação de conteúdo enfrenta, assim, o dilema de como garantir a liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, responsabilizar os usuários por práticas prejudiciais, especialmente quando suas identidades permanecem ocultas (Souza, 2018).
A aplicação de normas regulatórias no ambiente digital exige uma colaboração internacional, visto que o alcance das plataformas transcende fronteiras nacionais. As legislações locais, embora necessárias, muitas vezes são insuficientes para lidar com o caráter global da internet, o que demanda esforços conjuntos entre governos e empresas de tecnologia. Organizações internacionais têm promovido diretrizes para unificar as práticas regulatórias, incentivando uma regulamentação que seja eficaz em escala global, sem comprometer a liberdade de expressão. Essa cooperação entre países e empresas digitais visa construir um ambiente online mais seguro e, ao mesmo tempo, assegurar o direito à livre manifestação de ideias (Bolaño, 2016).
Além disso, Kucinski (2010), destaca que as tecnologias digitais colocam em destaque a importância de uma educação midiática para o público, capacitando os usuários a discernirem entre conteúdos verídicos e informações manipuladas. Com a disseminação de fake news e conteúdos enganosos, o letramento digital torna-se uma ferramenta essencial para fortalecer o senso crítico da população e limitar o impacto de ideologias prejudiciais. A educação midiática pode reduzir a necessidade de intervenções regulatórias rigorosas, à medida que os próprios usuários se tornam agentes de controle, evitando a propagação de conteúdos falsos e garantindo que a liberdade de expressão não seja comprometida por desinformação.
O avanço das tecnologias digitais também impulsiona a responsabilidade das empresas de tecnologia na criação de um ambiente digital seguro e democrático. Essas organizações devem assumir um compromisso ético, desenvolvendo políticas de moderação que respeitem os direitos dos usuários sem interferir na diversidade de opiniões. A responsabilidade social das plataformas digitais é cada vez mais cobrada pela sociedade e pelos órgãos reguladores, que exigem transparência nas decisões de moderação e nos processos de filtragem de conteúdos. Esse comprometimento é crucial para manter a credibilidade das plataformas e assegurar que o ambiente digital continue sendo um espaço para o diálogo e o desenvolvimento de ideias (Lima; Junior, 2016).
Para Karnal (2014), o impacto das tecnologias digitais na liberdade de expressão e na regulação de conteúdo evidencia a necessidade de uma abordagem equilibrada que assegure a livre manifestação de ideias sem comprometer a segurança e o bem-estar coletivo. O desafio de regular as plataformas digitais e as redes sociais exige tanto uma atualização constante das normas jurídicas quanto a colaboração entre Estados e empresas de tecnologia. Esse equilíbrio entre liberdade e controle é indispensável para a construção de uma internet que respeite os direitos humanos e promova a participação cidadã, garantindo que o ambiente digital continue a ser um espaço inclusivo e respeitoso para todos.