Formas de Manifestação e Comprovação da Manifestação de Vontade no Ambiente Digital

Leia nesta página:

Introdução

A digitalização das atividades humanas tem transformado profundamente as interações e acordos, alterando não apenas o modo como as pessoas se comunicam, mas também como manifestam sua vontade em transações e acordos jurídicos. No ambiente digital, novos mecanismos de manifestação de vontade surgem, levantando questões sobre a validade jurídica, a segurança e a confiabilidade dessas novas formas. Este ensaio examinará as diferentes formas de manifestação de vontade no ambiente digital e os desafios associados à sua comprovação, com foco nos aspectos legais, tecnológicos e éticos.

Formas de Manifestação de Vontade no Ambiente Digital

A manifestação de vontade é o núcleo de qualquer acordo contratual, e no ambiente digital essa manifestação pode assumir várias formas. A assinatura eletrônica é a mais comum, podendo ser tanto uma assinatura digitalizada quanto uma assinatura composta de caracteres alfanuméricos. Também há a confirmação por meio de cliques ("click-wrap agreements"), onde o usuário expressa seu consentimento ao clicar em um botão indicando "Concordo", "Aceito" ou outra forma de aceitação.

Além dessas formas mais tradicionais de manifestação, a biometria surge como um método mais sofisticado de comprovação, utilizando dados biométricos como impressões digitais, reconhecimento facial e íris. Esses métodos não apenas permitem que a vontade seja expressa, mas também agregam uma camada de verificação de identidade, essencial para garantir que a manifestação de vontade seja feita pela parte correta.

Em transações que exigem múltiplas etapas de confirmação, como a contratação de serviços financeiros, pode-se utilizar a autenticação em dois fatores (2FA), combinando senhas com códigos enviados via SMS ou gerados por aplicativos de autenticação, reforçando a segurança e autenticidade da vontade expressa.

Desafios na Comprovação da Manifestação de Vontade

A comprovação da manifestação de vontade no ambiente digital enfrenta desafios únicos, principalmente relacionados à autenticidade, integridade e segurança das transações. A principal questão é garantir que a pessoa que realizou a transação é, de fato, quem ela afirma ser, e que sua manifestação de vontade foi feita de forma consciente e voluntária.

O risco de fraudes é uma preocupação crescente, uma vez que as assinaturas eletrônicas podem ser falsificadas ou usadas indevidamente. Além disso, o conceito de consentimento informado ganha relevância no ambiente digital, pois muitas vezes os termos de um acordo podem ser apresentados de maneira confusa ou em um formato que dificulta a compreensão completa. As "letras miúdas" digitais em longos termos de serviço, por exemplo, podem levar o usuário a aceitar condições que não compreende plenamente, gerando questionamentos sobre a validade da manifestação de vontade.

Aspectos Legais e Validação Jurídica

A validade jurídica das manifestações de vontade digitais é reconhecida em diversas jurisdições, com leis específicas que regulamentam o uso de assinaturas eletrônicas e digitais. A Lei Modelo da UNCITRAL sobre Comércio Eletrônico (1996) e a Lei de Assinaturas Eletrônicas nos EUA (E-SIGN Act de 2000) foram marcos regulatórios que conferiram à assinatura eletrônica o mesmo peso jurídico que a assinatura manuscrita, desde que atendidos certos requisitos de segurança e autenticidade.

Na União Europeia, o Regulamento eIDAS (Electronic Identification, Authentication and Trust Services) regula o uso de assinaturas eletrônicas, oferecendo um quadro legal para a validação de contratos eletrônicos em todos os Estados-Membros. Esse regulamento visa garantir que as assinaturas eletrônicas, selos e certificados digitais sejam aceitos de maneira uniforme em todo o mercado europeu.

Apesar dessa regulamentação, lacunas jurídicas podem surgir em contratos internacionais, quando diferentes jurisdições aplicam normas divergentes sobre a validade ou o reconhecimento de determinados tipos de assinaturas eletrônicas.

Tecnologias de Certificação e Criptografia

A segurança das manifestações de vontade no ambiente digital depende, em grande parte, de tecnologias de certificação e criptografia. A certificação digital é uma tecnologia crucial, onde autoridades certificadoras emitem certificados digitais que associam a identidade de uma pessoa física ou jurídica a uma assinatura eletrônica, permitindo a verificação da autenticidade do signatário.

A criptografia desempenha um papel fundamental na proteção da integridade e confidencialidade dos dados e documentos envolvidos. A criptografia de chave pública, por exemplo, assegura que apenas o destinatário desejado possa acessar as informações, enquanto garante que as alterações no conteúdo do documento sejam detectáveis.

Conscientização e Educação sobre a Manifestação de Vontade Digital

Além dos desafios legais e tecnológicos, a conscientização e a educação sobre a manifestação de vontade digital são essenciais para garantir transações seguras e transparentes. Muitos usuários ainda têm dificuldade em compreender as implicações de sua aceitação de termos e condições digitais, o que pode levar a disputas sobre a validade do consentimento.

As empresas e plataformas digitais têm a responsabilidade de fornecer informações claras e acessíveis sobre os termos do contrato, bem como sobre as tecnologias utilizadas para garantir a integridade e a autenticidade das manifestações de vontade. A ausência de transparência ou de informações adequadas pode prejudicar a confiança dos usuários e comprometer a aceitação dos contratos digitais.

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Conclusão

A formação e comprovação da manifestação de vontade no ambiente digital refletem a rápida evolução das tecnologias e a transformação das relações comerciais. Enquanto as novas formas de manifestação oferecem conveniência e agilidade, elas também trazem desafios relacionados à segurança, autenticidade e compreensão dos termos. À medida que o mundo continua a se digitalizar, é fundamental que a regulamentação acompanhe essas mudanças, oferecendo marcos jurídicos sólidos que protejam os direitos das partes envolvidas. Além disso, a educação e a transparência nas transações digitais são essenciais para assegurar que a manifestação de vontade continue sendo um pilar de confiança e justiça nas relações contratuais.

Leitura Recomendada:

  1. Reed, C. (2012). Making Contracts Online: Concepts and Legal Challenges. Cambridge University Press.

  2. Lodder, A. R., & Murray, A. (2016). EU Regulation of E-Commerce: A Comparative Analysis of Electronic Contracts. Edward Elgar Publishing.

  3. Walden, I. (2017). The Law and Regulation of Digital Contracts: The Transformation of Contracts in the Digital Era. Routledge.

  4. Murray, A. (2020). Information Technology Law: The Law and Society. Oxford University Press.

  5. Bainbridge, D. (2019). Introduction to Computer Law. Pearson Education.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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