Responsabilização de Plataformas e Intermediários de serviços digitais

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Introdução

Na era digital, plataformas e intermediários desempenham um papel fundamental na facilitação de interações entre fornecedores de serviços, produtos e conteúdo e seus respectivos consumidores. O poder dessas plataformas – como redes sociais, marketplaces e provedores de serviços digitais – está em sua capacidade de intermediar uma vasta gama de atividades comerciais e sociais. No entanto, essa intermediação apresenta desafios complexos em relação à sua responsabilidade, tanto do ponto de vista legal quanto ético. Este ensaio discute a questão da responsabilização de plataformas e intermediários no ambiente digital, examinando as nuances das abordagens legais, as implicações sociais e os dilemas éticos associados.

Papel e Importância de Plataformas e Intermediários

Plataformas digitais, como Amazon, Uber, YouTube e Facebook, atuam como intermediárias em transações e comunicações entre usuários. Elas facilitam o acesso a produtos, serviços e conteúdo, conectando consumidores e fornecedores de forma eficiente e prática. Ao fornecer essa infraestrutura, elas criam um ecossistema no qual empresas e indivíduos podem interagir e gerar valor econômico e social. No entanto, esse papel facilitador também lhes confere um grau significativo de influência, já que controlam os mecanismos de visibilidade, distribuição de conteúdo e até de moderação.

Desafios de Responsabilidade

A questão da responsabilização de plataformas e intermediários é um tema amplamente debatido, pois envolve o equilíbrio entre serem meros facilitadores e o controle que exercem sobre as interações entre seus usuários. A defesa mais comum das plataformas é que elas são simples veículos para a realização de transações ou comunicação entre terceiros e, portanto, não deveriam ser responsabilizadas pelo conteúdo ou pelas ações desses usuários.

Contudo, o aumento da moderação de conteúdo, algoritmos que determinam o que é exibido e a capacidade de censurar ou priorizar determinados conteúdos geraram questionamentos sobre até que ponto essas plataformas têm responsabilidade ativa sobre o que acontece dentro de suas redes. Essa influência sobre o comportamento do usuário e a curadoria de conteúdo traz a questão de se elas ainda podem ser vistas como intermediárias neutras ou se têm responsabilidade direta pelos abusos e malfeitos realizados por terceiros.

Responsabilidade Legal

As implicações legais da responsabilidade de plataformas digitais variam substancialmente de acordo com as jurisdições. Nos Estados Unidos, a Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações (Communications Decency Act) oferece ampla proteção às plataformas digitais, isentando-as de responsabilidade pelo conteúdo gerado por seus usuários, a menos que estejam diretamente envolvidas na criação desse conteúdo. Essa legislação protege as plataformas de uma avalanche de processos judiciais, permitindo-lhes funcionar sem se tornarem responsáveis legalmente por cada peça de conteúdo postada pelos usuários.

No entanto, a crescente insatisfação com a disseminação de fake news, discurso de ódio e conteúdo violento fez com que muitos legisladores revisassem a pertinência de tais imunidades. Na União Europeia, por exemplo, o Digital Services Act introduz uma abordagem mais rigorosa para a responsabilização de plataformas, exigindo que empresas que operam no ambiente digital adotem medidas mais eficazes para combater conteúdos ilegais e prejudiciais, além de exigir maior transparência em seus algoritmos e práticas de moderação.

Desafios Éticos e Sociais

A responsabilidade das plataformas também é um tema central em discussões éticas. O acesso irrestrito a plataformas digitais levou ao aumento de desinformação, cyberbullying, extremismo e discursos de ódio. Plataformas que permitem esse tipo de conteúdo em suas redes sem moderá-lo de maneira eficiente podem estar contribuindo, mesmo que indiretamente, para o aumento desses fenômenos. A busca por lucros e engajamento muitas vezes faz com que a moderação de conteúdo seja relegada a segundo plano, enquanto algoritmos priorizam o conteúdo mais polêmico ou viral, independentemente de seu impacto social.

Além disso, a personalização e os algoritmos que promovem conteúdos com base no comportamento do usuário também levantam questões éticas. Essas práticas, muitas vezes opacas, podem exacerbar a criação de bolhas de informação, nas quais os indivíduos são expostos apenas a conteúdos que reforçam suas crenças preexistentes, levando à polarização e à radicalização.

Transparência e Prestação de Contas

Uma das principais soluções sugeridas para mitigar os riscos associados à falta de responsabilidade das plataformas digitais é a promoção de transparência e a prestação de contas. As plataformas precisam comunicar de forma clara quais são as regras que regem o conteúdo em seus serviços, como essas regras são aplicadas e o que acontece em caso de violação. Além disso, devem garantir que seus sistemas de moderação de conteúdo e algoritmos operem de maneira ética e justa, sem discriminação ou preconceito.

O uso de inteligência artificial para detectar e moderar conteúdo também traz à tona questões sobre vieses automatizados, que podem excluir vozes legítimas ou permitir que conteúdos nocivos passem despercebidos. É necessário que haja mais auditorias e mecanismos de responsabilização para garantir que as plataformas atuem de maneira ética e não contribuam para a propagação de práticas prejudiciais.

Conclusão

A responsabilização de plataformas e intermediários no ambiente digital é um desafio multidimensional que abrange questões legais, éticas e sociais. Enquanto as plataformas buscam se posicionar como meros facilitadores, sua influência sobre a experiência dos usuários e sua capacidade de curar e moderar conteúdo exigem uma análise mais profunda sobre suas responsabilidades. O equilíbrio entre a promoção da liberdade de expressão e a proteção contra abusos e práticas prejudiciais é uma linha tênue, mas essencial para a saúde das interações digitais. Políticas de transparência, a promoção de uma governança mais responsável e a adoção de uma regulamentação equilibrada serão fundamentais para enfrentar os desafios que surgem com a crescente centralidade das plataformas digitais em nossa sociedade.

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Leituras Recomendadas:

Balkin, J. M. (2018). The Free Speech Principle in the Digital Age. Yale Law Journal.

Gillespie, T. (2018). Custodians of the Internet: Platforms, Content Moderation, and the Hidden Decisions That Shape Social Media. Yale University Press.

Lessig, L. (2006). Code: And Other Laws of Cyberspace, Version 2.0. Basic Books.

Napoli, P. M. (2019). Social Media and the Public Interest: Media Regulation in the Disinformation Age. Columbia University Press.

Zuboff, S. (2019). The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power. PublicAffairs.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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