O instituto do impeachment no Brasil dentro da conjuntura da ciência política

19/11/2024 às 07:10
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O INSTITUTO DO IMPEACHMENT NO BRASIL DENTRO DA CONJUNTURA DA CIÊNCIA POLÍTICA

THE IMPEACHMENT INSTITUTE IN BRAZIL WITHIN THE CONJUNCTURE OF POLITICAL SCIENCE

Filipe Luiz Mendanha Silva1

Isabela Caroline Lopes Donato2

RESUMO

O presente estudo visa analisar o instituto do impeachment como configurado no ordenamento jurídico brasileiro, em meio a suas faces jurídicas e políticas que englobam o procedimento. O trabalho, municiado dos métodos hipotético-dedutivo, tem como objetivo principal ponderar o quanto a influência política pode induzir o processo de impeachment e de que maneira tais aspectos podem se sobrepor ao ordenamento jurídico vigente. Neste diapasão, o estudo examinou o instituto sob uma ótica jurídica, através das disposições formais do procedimento, tendo como escopo a Constituição da República Federal do Brasil e a Lei Federal nº 1.079 de 10 de abril de 1950. Ademais, foram consideradas questões da ciência política abarcadas por diversos autores da área, que contribuíram para discussão da temática desenvolvida. Conclui-se que o procedimento do impeachment, regulamentado por legislação federal, está permeado pelo viés político no Brasil.

Palavras-chave: Impeachment. Crime de Responsabilidade. Natureza jurídica política. Direito constitucional. Ciência Política.

ABSTRACT

The present study aims to analyze the impeachment institute as configured in the Brazilian legal system, amid its legal and political aspects that encompass the procedure. The work, using hypothetical-deductive methods, has the main objective of considering how much political influence can induce the impeachment process and how these aspects may overlap with the current legal system. In this tuning fork, the study examined the institute from a legal point of view, through the formal provisions of the procedure, having as scope the Constitution of the Federal Republic of Brazil and Federal Law No. 1.079 of April 10, 1950. Furthermore, issues of science were considered politics covered by several authors in the area, who contributed to the discussion of the theme developed. It is concluded that the impeachment procedure, regulated by federal legislation, is permeated by the political bias in Brazil.

Keywords: Impeachment. Crime of Liability. Political legal nature. Constitutional Law. Political Science.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9

2 AS REGRAS DO JOGO DO IMPEACHMENT À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL 12

2.1 Do crime de responsabilidade 13

2.2 Da denúncia 14

2.3 Do julgamento e da competência para julgar 17

2.4 As consequências do julgamento 18

3 O IMPEACHMENT COMO CONFIGURADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ENTRE SEUS ASPECTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS 21

3.1 A controversa sobre a natureza jurídica do impeachment 21

3.2 O impeachment no Brasil e a natureza política 24

3.3 O impeachment no Brasil e a natureza jurídica criminal 25

3.4 O impeachment entre seus contornos jurídicos e políticos 26

3.5 O Senado enquanto corte política 27

3.6 A intervenção judicial nos procedimentos de impeachment 29

3.7 A possibilidade da revisão judicial no procedimento de impeachment 31

4 AS PERSPECTIVAS DA CIÊNCIA POLÍTICA: UMA RELEITURA DO PROCESSO DE IMPEACHMENT 32

4.1 A fundamentação do voto no processo de impeachment sob os seus aspectos ideológicos 32

4.2 Os fatores políticos e institucionais que contribuem para o desencadear do processo de impeachment 34

4.3 O papel da mídia no processo de impeachment 3

5 CONCLUSÃO 4

6 REFERÊNCIAS 4

815

INTRODUÇÃO

O tema objeto deste estudo é eminentemente atual na sociedade brasileira, haja vista os recentes episódios de impeachment em face de: Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff que resultaram em ambos os casos, na destituição do cargo presidencial em virtude da efetivação do instituto ora analisado. Neste contexto fático, frisa-se que o instituto do impeachment ganhou evidência na política e na doutrina jurídica.

Logo, imperativo mencionar que o referido instituto não deve ser compreendido apenas no tocante à responsabilização do Presidente da República pelos crimes de responsabilidade cometidos por este, mas também, em face dos chefes do executivo das esferas estadual e municipal que o cometer. Ainda, o processo em tela poderá alcançar figuras públicas de grande relevância jurídica, quais sejam: o Procurador-Geral da República e os Ministros do Supremo Tribunal Federal, visando penalizar aqueles agentes públicos que se comportam de forma indistinta ao cargo.

Diante de tais considerações iniciais, o presente trabalho tem como marco principal levantar a discussão por uma análise crítica sobre a natureza do impeachment, permeando as diversas faces do instituto através do viés político e jurídico. Portanto, a finalidade é abordar o procedimento sob a ótica da sua natureza política, a fim de compreender o exercício de jurisdição excepcional do Senado Federal no que tange ao julgamento do processo de impeachment, e a eventual interferência do poder judiciário neste cenário.

Assim sendo, serão analisados quais são os motivos motores para a eventual instauração do processo de impeachment em face de um agente público, bem como os ritos e os achaques que viabilizam a abertura dele. Ademais, após a instauração, o processamento e o julgamento pelo Senado Federal, contata-se que a máxima punição ao acusado não ultrapassa da esfera política do indivíduo, fato que nos possibilita a questionar a natureza jurídica criminal do processo de impeachment, passando este então a desempenhar uma função política no ordenamento jurídico brasileiro.

Em suma, o trabalho buscou realizar uma análise política em face de um instituto. Para tanto, municiado dos métodos hipotético/dedutivo, pesquisas bibliográficas e estudos jurisprudenciais dos recentes casos que nortearam a sociedade brasileira, fora possível elencar o quanto os critérios políticos nas hipóteses determinantes do processo de impeachment podem se sobrepor aos jurídicos.

Assim sendo, devem-se apontar os fatores que o impeachment poderá sofrer e ser configurado por aspectos de natureza política, analisando sua controversa natureza jurídica, isto é, admitindo-se a possibilidade da destituição do Presidente da República do exercício da sua função, por julgadores que compõe o cenário político brasileiro – Senadores Federais-, os quais formarão sua opinio delict sobre o caso através de outros fatores (pressão social, alianças partidárias, emendas parlamentares, relacionamento pessoal com o acusado), não necessariamente utilizando de fundamentos técnico-jurídicos para decidir sobre o mérito objeto da denúncia que deu origem ao processo de impeachment.

Neste cômoro, o segundo capítulo do presente trabalho, far-se-á um aprofundado estudo jurídico do instituto do impeachment com escopo na Lei 1.079 de 10 de abril de 1950 e nos moldes da Constituição da República Federal do Brasil. Nesta ocasião, o estudo debruça-se sob uma apreciação jurídica do procedimento de impeachment, observando desde os crimes de responsabilidade, a legitimidade do sujeito ativo para realizar a denúncia em face do agente público que eventualmente cometeu crime de responsabilidade, bem como as fases do procedimento, o julgamento e suas consequências.

Em seguida, no terceiro capítulo, a fim de compreender a natureza do instituto, serão analisadas correntes que ensejam a controvérsia da natureza do procedimento do impeachment, sendo elas: a natureza jurídica - criminal e a natureza política. Nesse toar, o objeto de estudo afasta-se da superficial aplicação da norma para então expor o fato em sua realidade jurídica, alcançando fatores que nos viabilizam a fomentar tais discussões acerca da real natureza do intuito, tais como: as sanções aplicadas aos agentes, o poder legislativo enquanto corte jurídica, a intervenção do poder judiciário na decisão e proferida pelo Senado e sua eventual revisão.

No quarto capítulo, são levantadas questões como o papel da mídia na consolidação do processo de impeachment, bem como na formação da opinião pública e a opinião dos deputados/senadores, entre outros fatores identificados como relevantes, com base na leitura de uma perspectiva da ciência política aplicada principalmente no que tange aos seus aspectos políticos, ideológicos e institucionais que contribuem para desencadear do processo de impeachment no Brasil.

Não obstante, frisa-se que o presente trabalho não tem o objetivo de propor discussões políticas acerca do tema, nem fazer qualquer menção ideológica ou partidária sobre os procedimentos de Impeachment já consumados no Brasil. Assim, destaca-se que o cerne deste estudo é a estritamente a análise crítica da técnica do procedimento, não adentrando no mérito da destituição do cargo de Presidente da República de: Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff.

Por tais motivos, atesta-se o quão palpitante e intrigante se mostra o estudo acerca das correntes controversas que sustentam a natureza jurídica ou política do processo de impeachment.


AS REGRAS DO JOGO DO IMPEACHMENT À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL

Em meio a um cenário político e econômico conturbado, um país dividido entre dois polos que se conflitam constantemente e diante da ausência de um sentimento de tolerância entre os que pensam de maneira diversa, emerge uma pressão social para que destituir o Presidente da República do seu cargo, através do procedimento do impeachment previsto em nossa legislação.

Diante de tal contexto, este capítulo terá como finalidade discutir o processo de destituição do detentor do mais elevado cargo político do Poder Executivo, legitimamente eleito pela vontade popular. Em breve análise, por se tratar de tal tarefa, existe inúmeras disposições a serem observadas quanto aos aspectos jurídicos do procedimento que serão discutidas abaixo.

A priori, cumpre ressaltar que o Impeachment do cargo de Presidente da República em seu procedimento, muito se estreita com a regulamentação processual penal brasileira, embora não deva atribuir à natureza penal a este instituto. Contudo, assim como o processo penal em sua essência, o processo de Impeachment tem como finalidade a aplicação de uma sanção ao julgado, o que de forma paralela e comparativa a matéria criminal, resulta na pretensão punitiva do Estado.

Outro fator inicial e de suma importância para a compreensão do processo de Impeachment é a ausência explícita de disposição legal sobre a fase preliminar à denúncia do crime de responsabilidade cometido pelo Presidente da República, não tendo a Constituição Federal e a Lei do Impeachment disposto claramente acerca desta fase preliminar. Todavia, não se pode falar em processo sem investigação, fazendo-se por si só, lógica a premissa de uma fase pré-processual, ainda que primitiva no procedimento.

Logo, corroborando tal análise, deve se observar que a Lei 1.079 de 10 de abril de 1950, ao permitir em seu artigo 14, que qualquer cidadão denuncie o Presidente da República por crime de responsabilidade, que seja afastada da competência do Ministério Público a titularidade da ação, estabelece uma fase preliminar a instauração do procedimento, estabelecendo que qualquer cidadão no gozo de seus direitos, poderá denunciar o Chefe do Executivo por Crime de responsabilidade e, por conseguinte, não incumbe à polícia judiciária proceder a fase investigatória.

Insta salientar que o procedimento do Impeachment, previsto tanto pela Constituição Federal quanto pela Lei 1.079/50, não deve ser compreendido como início de todo o processo, mas como a finalidade jurídica deste, ou seja, para sua instauração existiram diversos instrumentos que o antecederam, até que o mesmo fosse instaurado, tendo em vista que o instituto não se trata da instauração do procedimento e muito menos do seu julgamento, como assim nos ensina Cretella:

A casa não começa pelo telhado, mas pelo alicerce. Denuncia. Apuração pela CPI. Relatório da CPI. Câmara dos Deputados. Senado Federal. Assim, não se pede imediata e diretamente o impeachment do Presidente da República. Impeachment não é início. É fase final do “processus”. (CRETELLA, 1992, p. 57)

Assim, obedecendo aos aspectos formais e a Lei Especial 1079/50 a propositura de um impeachment contra o Presidente da República possui etapas que deverão ser realizadas a fim de que seja garantida a legalidade do processo. Para tanto, deverá ocorrer à denúncia do ato delituoso ao órgão competente, o juízo de admissibilidade pela Câmara dos Deputados e posterior julgamento da ação pelo Senado Federal (Brandalise, 2015).

Do crime de responsabilidade

A fim de ampliar o entendimento sobre o Impeachment, mister trazer à baila o conceito das infrações que resultam na investidura do procedimento: os crimes de responsabilidade. Logo, os crimes de responsabilidade correspondem aos atos delituosos cometidos por determinados agentes públicos, e para Alexandre de Moraes:

Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas definidas na legislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais. (MORAES, 2007, p.458).

Muito embora o crime de responsabilidade receba a terminologia de “crime”, seu tratamento jurídico afasta-se da natureza jurídica processual - penal, ao passo que se configura de cunho nitidamente político. Neste ínterim Celso Ribeiro Bastos manifesta-se no sentido de que:

Pode-se dizer que os objetivos do impeachment são diversos dos da lei penal. Esta visa, sobretudo à aplicação de uma medida punitiva, como instrumento de serviço de repressão ao crime. O processo de impeachment almeja antes de tudo a cessação de uma situação afrontosa à Constituição e às leis. A permanência dos altos funcionários em cargos cujas competências, se mal exercidas, podem colocar em risco os princípios constitucionais e a própria estabilidade das instituições e a segurança da nação, dá nascimento à necessidade de uma medida também destinada a apeá-los do poder. (BASTOS, 1995, p. 158).

Neste diapasão, a Carta Magna denomina os crimes de responsabilidade, aqueles que atentam contra a própria Constituição. De tal modo, a configuração dos crimes de responsabilidade se fez, quando da necessidade de proteção do que a Carta magna chama de crimes que atentam contra a própria Constituição Federal, segundo o disposto por esta em seu artigo 85:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes Constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do país; V – a probidade da administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único – Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. (BRASIL, 1988).

Ademais, além dos crimes elencados pela Constituição Federal, ainda deve-se observar o que dispõe a Lei 1.079/1950, a qual elenca a possibilidade de configurar como fato típico ensejador de responsabilidade, os atos do Presidente da República que atentarem contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, como assim dispostos no artigo 4ª, VII da Lei Especial:

São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] VII – a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos [...]. (BRASIL, 1950).

Não obstante sobre a matéria acerca da natureza dos crimes de responsabilidade tende ao cunho de uma infração política, insta salientar que a tipificação legal estabelecida na Carta Magna e na Legislação Especial remete a uma punição ao governante que ofender a algum bem jurídico que o Estado visa proteger.

A partir daí a premissa que Constituição e a Lei 1079/50 dotam o Instituto do impeachment de jurisdição, ainda que a natureza seja um tanto quando política, como meio efetivo para atingir a responsabilização da autoridade infratora e assegurar a efetiva aplicação do Estado Democrático de direito.

Da denúncia

Em primeira análise, cumpre esclarecer que a Lei 1.079/50 é clara e notória quando dispõe sobre a possibilidade de qualquer cidadão proceder à denúncia do Presidente da República por crime de responsabilidade. Neste contexto fático, todo aquele que tem a prerrogativa de gozar de seus direitos civis e políticos do Estado em que nasceu e tem a consciência de exercer tais direitos e deveres, é permitido denunciar o Presidente da República pelo cometimento de crime de responsabilidade.

Desta forma, a leitura do artigo 14 da Lei 1.079/50, que trata do procedimento de denúncia, ratifica a prerrogativa de ser autor da denúncia em face do Presidente da República, todo e qualquer cidadão. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República [...], por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. ” (BRASIL, 1950).

Destaca-se aqui, que o legislador procurou ser bastante claro e objetivo ao definir a legitimidade ativa da denúncia:

Todo cidadão é capaz de denunciar por impeachment e não qualquer do povo. A diferença se dá quando somente as pessoas no pleno gozo de seus direitos políticos podem propor a denúncia em desfavor do Chefe do Poder Executivo Federal. Isto porque, o ato criminoso de responsabilidade fere a cidadania da pessoa, assim, só o cidadão poderá ter sua cidadania violada. Nada impede, desta forma, que o parlamentar denuncie, porém, o fará como cidadão brasileiro, e não como autoridade pública. (SCHMIDT, 2007).

Outrossim, a respeito da denunciabilidade popular, Pontes de Miranda destaca a concordância de que continuam legítimos os dispositivos da Lei 1.079/50. Vejamos:

Essa questão - que consiste no reconhecimento da legitimidade ativa de qualquer cidadão (vale dizer, de qualquer eleitor) para fazer instaurar, perante o Supremo Tribunal Federal, o concernente processo de impeachment contra Ministro de Estado - assume indiscutível relevo político-jurídico. É irrecusável, no entanto, que, em tema de ativação da jurisdição constitucional pertinente ao processo de impeachment, prevalece, em nosso sistema jurídico, enquanto diretriz básica, o “princípio da denunciabilidade popular. (MIRANDA, 1969, p. 355)

Noutro norte, dada a legitimação ativa a qualquer cidadão para oferecer a denúncia em face do Chefe do Executivo, há quem compete exercer o juízo de admissibilidade e instauração da eventual ação, se resta atribuída privativamente à Câmara dos Deputados, como assim disposto pela Carta Magna em seu artigo 51, I:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; (BRASIL, 1988)

Contudo, faz-se necessário destacar que compete a Câmara dos Deputados, o mero juízo de admissibilidade, não cabendo aos seus membros a análise do mérito da denúncia, ou seja, aos fatores jurídicos que motivaram ao cidadão a questionar os atos praticados pelo Chefe do Executivo.

Diante da admissibilidade da denúncia e de acordo com o quórum mínimo exigido em Lei para o recebimento desta, qual seja 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados, fica evidente que fora preenchido o requisito formal exigidos pela Lei, dando assim, procedência a peça acusatória.

Lado outro, após a admissibilidade da denúncia em face do Presidente da República, será eleita uma comissão especial na forma do art.19 da Lei 1.079/50, “observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre mesma. ” E, dentro do prazo de 48h a respectiva comissão, deverá se reunir para eleger seu Presidente e relator, ainda na forma do artigo 20 da referida lei para então em 10 dias emitir o parecer que dirá se a denúncia deverá ou não ser julgada.

Diante de tal cenário, em conformidade com os parágrafos que se seguem da Lei Especial em comento, deverá o parecer elaborado pelo Relator da Comissão Especial ser lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional, tendo o prazo de 48h para “o mesmo incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Câmara dos Deputados, para uma discussão única”. (BRASIL, 1950).

Após a discussão sobre o parecer, haverá a votação nominal, e caso a denúncia venha a ser aceita, será remetida uma cópia ao denunciado para que abra o prazo de 20 dias da contestação na forma da lei:

Art. 22. Encerrada a discussão do parecer, e submetido o mesmo a votação nominal, será a denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação. No caso contrário, será remetida por cópia autêntica ao denunciado, que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado. (BRASIL, 1950)

Imperativo se faz mencionar que durante todo o processo de votação nominal na Câmara dos Deputados visando à continuidade ou não do procedimento de acusação, em consonância com o Art. 23 da Lei 1.079/50 e seus respectivos parágrafos, espera-se que ocorra a estrita observância a transparência durante todo o trâmite, uma vez que o referido órgão fora eleito para representar a vontade do povo.

Nessa vertente, o quórum de votação dois terços dos membros da Câmara dos Deputados aprova a acusação do Presidente da República, que será imediatamente suspenso do exercício de suas funções e receberá apenas a metade de seus subsídios ou vencimentos até a decretação da sentença.

Do julgamento e da competência para julgar

No que diz respeito à competência de julgamento do processo de impeachment, a Constituição Federal complementada pela Lei do Impeachment, ora 1.079/50, traz a possibilidade de, em caráter excepcional, a competência de atribuição de o julgamento ser do Senado Federal. Ainda, competência essa pela qual:

A Lei Básica delega ao Senado Federal funções jurisdicionais para os casos de impeachment. Trata-se de uma atribuição toda especial e, por essa razão, vem expressa na Constituição Federal que reveste o Senado do caráter de Tribunal competente e Juiz natural do impeachment. (RICCITELLI, 2006, p 69)

Portanto, o Senado Federal dota-se de poder jurisdicional estritamente quanto aos casos de julgamento da prática de crime de responsabilidade cuja autoria seja do Presidente da República, uma vez que, em consonância com o artigo 86 da Constituição Federal:

Art. 86 Admitida à acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. (BRASIL, 1988)

Destarte, quando ocorre a permuta de competência jurisdicional ao poder legislativo, este atua na forma do judiciário e exercerá:

Função jurisdicional deixando de elaborar leis, para exercer a função material para 12 proferir julgamentos, prolatando sentenças de força jurisdicional, processando e julgando casos em que se encontram na posição de réus, o Presidente da República e Vice-Presidente da República, os Ministros do Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República e o Advogado Geral da União, sempre que trate de crime de responsabilidade, não de crime comum. (RICCITELLI, 2006, p. 72).

Isto posto, o processo de julgamento do Impeachment será julgado fora das linhas de um gabinete no qual assenta um juiz de direito, afinal, referido será julgado por um tribunal político que deverá atender a todas as formalidades exigidas para o estrito cumprimento da legalidade de todo o processo.

Diante disso, à luz dos artigos 14 a 38 da Lei do Impeachment, a instauração da ação se dará com a denunciação do crime de responsabilidade, realizada por qualquer cidadão e protocolada em uma das casas do Congresso Nacional. Em ato contínuo, se prosseguirá pela aceitabilidade da acusação, ampla defesa e contraditório do acusado, e posterior julgamento da lide. (BRASIL, 1988)

Outro ponto de suma importância é a vinculação do Senado Federal a decisão emana pelos membros da Câmara dos Deputados. Isso porque, após haver a aprovação da acusação ao presidente da república, e o delito se configurarem como crime de responsabilidade, não há a faculdade de o Senado se negar a analisar o mérito.

Ainda, observa-se que inobstante a complexidade do procedimento, o Presidente da República poderá retornar às suas funções após 180 dias da instauração do processo, caso o julgamento não estiver concluído, como assim dita a Constituição Federal em seu art.86, senão vejamos ipsis literris:

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. §2°. Se decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. (BRASIL, 1988)

Conclui-se que o referido período estipulado pelo artigo acima mencionado, se configura como um prazo razoável e sugestivo, ao qual deverá ser instaurado, instruído e julgado o processo de impeachment sem que o ocupante do cargo denunciado se mantenha no poder. De maneira que, decorrido tal lapso temporal, fica o Presidente da República autorizado a retornar ao seu cargo, não ensejando tal feito, no entanto, no fim da ação.

As consequências do julgamento

No que tange as consequências do julgamento realizado pelos Senadores da República, temos uma sentença condenatória, proferida pelo voto de dois terços dos respectivos membros do Senado Federal. Neste toar, após a referida condenação, a pena a ser aplicada ao Presidente da República, em conformidade ao artigo 52 da Carta Magna, não excederá “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (BRASIL, 1988).

Diante de tal análise do artigo acima mencionado, com a expressa determinação legal do período de inabilitação do Chefe do Executivo da União, afasta-se a disposição do artigo 33 da Lei do Impeachment que determinaria, “no caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública” (BRASIL,1950).

Neste sentido, a Constituição tornou mais favorável a condição da autoridade condenada, e diante de tal afirmação, Riccitelli aponta que:

Antes de 1950, era possível a aplicação apenas da pena de perda do cargo, podendo ser agravada com a pena de inabilitação para exercer qualquer outro cargo, demonstrando, assim, diferentemente do sistema atual, um caráter de acessoriedade. (RICCITELLI, 2006, p. 74).

Não obstante a sanções previstas ao término da tramitação do processo de Impeachment e sua efetiva consolidação após a condenação do Senado Federal, friso que à natureza jurídica da sanção possuí viés estritamente político, visto que a pretensão punitiva não chega se quer a atingir o patrimônio pessoal do condenado, apenas uma punição de inabilitação por oito anos do exercício da função pública.

Desta feita, o Presidente condenado pelo quórum mínimo estabelecido no julgamento do Senado Federal, ficará inabilitado de servir a Administração dentre as suas atribuições que esta confere a cada categoria profissional de servidores, no prazo estabelecido em Lei.

No que diz respeito à matéria, Alexandre de Moraes (2007, p. 484) ensina que:

A inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, compreende todas as funções públicas, sejam as derivadas de concursos públicos, sejam as de confiança, ou mesmo os mandatos eletivos. Desta forma, o Presidente da República condenado por crime de responsabilidade, além de perder o mandato, não poderá candidatar-se ou exercer nenhum outro cargo político eletivo nos oito anos seguintes. (MORAES, 2007, p. 484).

Ressalta-se que o processo do impeachment em sua fase de julgamento, ou seja, quando o mesmo estiver sob a análise do Senado Federal, será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, sendo garantido ao acusado o direito ao contraditório e a ampla defesa, garantindo assim toda a equidade e isonomia entre as partes envolvidas na lide, sem qualquer dano ou cerceamento de defesa.

Além disso, o processo de impeachment não tem como única finalidade a destituição/ cassação do mandato do cargo de Presidente, mas tem como norte fundamental a proteção da Nação de uma grave ameaça ou de traição do agente público que abusa do poder ou subverte a Constituição.

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Logo, por se tratar de um mecanismo legal e previsto em nossa legislação pátria, o processo de impeachment, embora deva ser aplicado em casos excepcionais, o mesmo poderá servir para a restauração da crença popular na integridade e legitimidade dos representantes políticos, com garantia da probidade na execução atos administrativos.

Doutra montra, faz-se necessário refletir sobre a eficácia do instituto do Impeachment, uma vez que, chega a ser cômico analisar a eficiência e/ou eficácia da penalização, que não atinge nem menos as penalidades graves, como a cassação definitiva do mandato ou até mesmo a restituição dos danos ao erário ou a cassação definitiva do mandato do acusado.


O IMPEACHMENT COMO CONFIGURADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: ENTRE SEUS ASPECTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

Ab initio, destaca-se que neste capítulo serão abordados temas que ensejem as principais discussões acerca do processo de impeachment no cenário da República Federativa do Brasil. Assim sendo, será desenvolvida uma análise acerca da natureza jurídica do impeachment, abordado as duas correntes doutrinárias majoritárias: do impeachment que pende para a natureza política, e a tese que defende o instituto como matéria de natureza penal no ramo da esfera jurídica.

A posteriori, buscou-se, por meio de uma análise crítica, indagar de que forma o Congresso Nacional, qual seja o Senado Federal, poder responsável para elaborar as leis vigente do país, seria um tribunal parcial e legítimo/apto para julgar um crime de responsabilidade cometido pelo maior cargo de chefia no país, o Presidente da República.

Ainda, salientam-se quais são as reais possibilidades que poderá haver a intervenção do poder judiciário no procedimento de impeachment, sua necessidade de fiscalizar o estrito cumprimento da lei e suas limitações de interferências. Por último, procura-se materializar o procedimento analisando os casos já julgados de impeachment na realidade no país, destacando o caso Collor que inaugurou a instauração do processo de impeachment em face de um Presidente da República.

A controversa sobre a natureza jurídica do impeachment

Em primeira análise, frisa-se que o instituto do Impeachment esteve presente na história brasileira consubstanciado de muitas formas, mas apenas no ano de 1950 com o advento da legislação especial que regulamenta o processo em estudo, é que tal figura tomou corpo e forma, sendo materializada na esfera legislativa do Brasil, tornando um instrumento de regulamentador dentro do ordenamento jurídico que conduz nosso país.

É importantíssimo mencionar que o processo de impeachment deve ser visto pela sociedade como algo extraordinário e de Carter excepcional, de forma que não torne algo corriqueiro e habitual, vez que a democracia e o respeito a decisão da maioria dentro do nosso sistema eleitoral deve ser respeito e tratado como regra geral de um Estado democrático de direito.

Neste ponto, essa forma de controle jurídico-social serve como uma válvula de escapa e um incentivo ao exercício da moralidade pública dentro de um governo, haja vista que, caso o agente político viole alguns de seus deveres e obrigações como governantes, deverá sofrer penalidades que resultem como consequência a aquele ato que não deveria ser praticado no âmbito da administração pública.

Todavia, para ser julgado na forma e nos ditames da Lei do impeachment, o crime cometido pela autoridade pública deverá nitidamente afrontar a Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, um crime político. Assim, este instituto resguarda para si, a legitimidade de condenar e afastar a autoridade que pratique atos ou se omita a praticá-los, no cerne dos interesses do Estado, do governo ou de seu sistema político como um todo, ou seja, que ameaça à ordem institucional vigente.

Nomeados de crimes de responsabilidade, o cometimento destes inaugura o processo de impeachment em face da autoridade pública que fora o infrator e realizou a tipificação legal, dentro dos limites do conceito tripartite de crime. Contudo, tal procedimento essencialmente jurídico, por regulamento em Lei vigente no país, se mostra muitas vezes influenciado e impregnado de caráter político, por ter como julgadores políticos.

Ainda, a natureza jurídica do referido instituto, começa a ser questionada em razão de interferências políticas de suma importância para a efetivação dele.

Neste diapasão, Riccitelli sustenta que, cabe tal argumentação acerca da natureza do procedimento, uma vez que o processo segue desta forma:

A câmara dos deputados aprecia, politicamente, a procedência da acusação e o Senado julga o processo de impeachment. Tal interpretação é discutível, pois há larga margem para apreciação de caráter político, ao se encarar o que seja uma conduta contrária a Constituição. Todavia, se a essa conduta vem definido em lei como configurando crime de responsabilidade, é difícil compreender de que maneira pode a Câmara, sem violar a lei, deixar de reconhecer como tal uma figura na lei descrita. (RICCITELLI, 2006, p.19)

Outrossim, emergem correntes doutrinárias que encontramos posicionamentos os quais defendem a natureza jurídica do processo de impeachment, e outros que sustentam a natureza jurídica dele, sendo necessário uma análise mais aprofundada sobre os fundamentos de tais correntes.

Para alguns autores, que sustentam o processo do impeachment com uma visão politizada, as argumentações não se dão nem quanto ao processo propriamente dito, mas sim, dos crimes que a ele ateiam. Neste sentido e dentro dessa linha de raciocino, argumenta José Frederico Marques:

Não nos parece que o crime de responsabilidade de que promana o impeachment possa ser conceituado como ilícito penal. Se a sanção que se contém na regra secundária pertence ao crime de responsabilidade não tem natureza penal, mas tão-somente o caráter de sanctio júris política, tal crime se apresenta como ilícito político e nada mais. (MARQUES, 2000, p. 445).

Ademais, por não se tratar de sanções nitidamente de caráter penal - restritivas de liberdade, restritivas de direitos ou de multa – aos sujeitos que cometeram o ilícito, emerge outra crítica ao constituinte quanto ao órgão julgador do impeachment. Logo, ao delegar a competência de julgamento do impeachment ao Senado Federal, se fez por afastar o crime da esfera jurídica, surgindo premissas no sentido:

O Senado é um tribunal político e não um tribunal de justiça criminal. A sua missão não é conhecer dos crimes de responsabilidade do Presidente da República para puni-lo criminalmente, mas para decretar uma medida de governo, a qual é a destituição do presidente delinquente. (BROSSARD, 1992, p. 78).

Ainda, segundo a argumentação de Perlingeiro (2018), há a discussão sobre a aplicação do procedural due process of law - regra procedimental de origem norte-americana. Segundo o autor, esse modelo é aplicado no processo de impeachment no Brasil, no que tange à sua constitucionalidade prevista. O autor realiza uma abordagem crítica à luz do sistema interamericano para a proteção dos direitos humanos, mas defende a aplicação do procedimento desde que haja respeito a todos os ditames do devido processo legal.

O autor acima mencionado nos traz em voga um argumento sobre o poder jurisdicional dado ao Senado e aos deputados, no que tange ao julgamento e ao juízo de admissibilidade. Segundo ele, apesar de o judiciário ser tradicionalmente o Poder destinado à função jurisdicional, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) admite que outro ramo do Estado exerça aquela função, desde que o faça mediante um órgão competente, independente, imparcial.

Um precedente similar teria sido estabelecido pela Suprema Corte dos EUA no caso Crowell v. Benson:

um Estado pode distribuir seus poderes [de solução de conflitos administrativos] como considerar conveniente, desde que atue de modo coerente com as exigências essenciais do devido processo e não transgrida as restrições da Constituição Federal aplicável a autoridade estadual (US Supreme Court, 1932 apud PELINGEIRO, 2018, p. 224).

Desta feita, desde que garantidas todas as normativas constitucionais do devido processo legal, como ampla defesa e contraditório, tipificação e nexo de causalidade do crime imposto, será legítima a configuração do parlamento enquanto órgão legítimo de julgamento, desde que, ademais, seja previamente previsto no texto constitucional.

O impeachment no Brasil e a natureza política

O jurista Paulo Brossard, argumenta sobre as fortes interferências políticas no processo de impeachment, defendendo já no delineamento preliminar da definição:

A definição do impeachment vem dando margem a divergências de monta: foi tido como instituição penal, encarado como medida política, indicado como providência administrativa, apontado como ato disciplinar, concebido como processo misto, quando não heteróclito, e é claro, como instituição suigeneris. As divergências resultam, talvez, da defectiva terminologia do Direito Constitucional, mas existem. (BROSSARD,1992, p.76)

O autor supramencionado utiliza como base para a defesa de seu posicionamento acerca da natureza do processo de impeachment, direito comparado, confrontando o instituto brasileiro com o norte-americano e argentino, onde a natureza é essencialmente política, pois:

Não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob condições de ordem política e julgado segundo critérios de ordem política (BROSSARD, 1992, p.76).

Ou seja, o julgamento questionado por Brossard não afasta a utilização de critérios jurídicos, uma vez que no Brasil "isso ocorre mesmo quando o fato que o motive possua caráter penal e possa sujeitar a autoridade por ele responsável a sanções criminais, aplicáveis exclusivamente pelo Poder Judiciário" (RICCITELLI, 2006, p.20). Por outro lado, a acepção política defendida por Paulo Brossard baseia-se fundamentalmente no modelo americano e argentino, que remove qualquer conotação criminal neste tipo de processo. Nesta linha, acentua que o processo de impeachment é puramente político e não assume identidades de natureza penal ou de procedimento jurídico criminal.

Nesta esteira, Cavalcanti (1956), assevera que, ainda que existam tantas discrepâncias, o instituto do impeachment é um processo claramente político que possuí como consequência máxima a extinção da capacidade para o exercício de função política, durante certo lapso temporal, não se comunicando em momento algum com as penas criminais dispostas no Código Penal Brasileiro.

A fim de corroborar com a corrente que sustenta a natureza política do instituto do impeachment, Cavalcanti contribui com o tema esclarecendo o conceito de crime político e a distinção do crime penal, vejamos:

São delitos políticos os dirigidos contra a organização e o funcionamento do Estado e os direitos dos cidadãos; 2) são políticos também os delitos comuns que constituem a execução de direitos políticos e os atos destinados a favorecer a sua execução; 3) não podem ser considerados políticos aqueles determinados por motivos vis e egoístas; 4) não se consideram políticos os atos de terrorismo. (CAVALCANTI, 1956, p. 338)

Para tanto, ao se manifestar acerca da natureza jurídica do processo de impeachment, José Cretella Júnior assim se expressa:

Tem o impeachment, atualmente, características predominantemente políticas, pois objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e é também, julgado segundo critérios políticos, embora adstrito a procedimento jurídico, no qual o acusado tem a mais ampla defesa, com base no contraditório. (CRETELLA JR, 1992, p.106)

Portanto, à luz dos argumentos supracitados, percebe-se uma forte tendência política na condução de um processo de impeachment, pois os sujeitos, julgados e julgadores, são políticos, assim como o efeito da condenação, que, apesar de ser jurídico, também produz uma gravíssima consequência política e administrativa, a destituição do cargo, conforme art. 78 da Lei 1.079/1950.

O impeachment no Brasil e a natureza jurídica criminal

Doutra montra, controverso ao que é defendido pelos doutrinadores citados no tópico acima, o autor Miranda (1973) sustenta a natureza do instituto de impeachment como jurídico criminal. Para tanto, compete esclarecer que o autor defende a tese criminal em sua obra escrita para comentar a Constituição de 1967, ou seja, não se trata da natureza jurídica do instituto à luz da Constituição Federal vigente no Brasil, contudo, a fim de nos dar uma visão comparativa e diversa das posições acima elencadas, é se uma importância compreender a posição de Pontes Miranda.

Segundo o autor, o principal objetivo do processo de impeachment é remover a pessoa pública do exercício de suas funções e, consequência disso, sua natureza não se configura como política. Assim, sustenta o autor que caso o Presidente da república se renuncie do cargo o qual está em pleno exercício, há perda do objeto do processo de impeachment, não sendo possível o seu prosseguimento. Assim, não cabe instaurar processo político, nem prosseguir no existente, caso o acusado tenha deixado definitivamente as funções que exercia, por quais gozava de foro especial. (MIRANDA, 1973, p. 347)

Em sua argumentação, a tese jurídica criminal se motiva no fato de que a destituição do agente público não se dá de forma unilateral, ou, "não se trata de declaração de vontade unilateral, não-receptícia." (MIRANDA, 1973, p. 356).

Neste sentido, a luz dos argumentos do autor os atos do impeachment no Brasil são atos próprios de processo, como a presença dos princípios constitucionais de ampla defesa e do contraditório. Ademais, acrescenta-se que a utilização do termo “impeachment” - que significa impedimento ou impugnação – restaria inadequada, sendo os crimes de responsabilidade previstos em lei federal, figuras criminosas penais.

O impeachment entre seus contornos jurídicos e políticos

Neste toar, há de se estabelecer uma estrita relação entre as normas jurídicas e a política, isso porque, são os próprios políticos que emanam de poderes para a elaboração de leis que surtiram efeitos a sociedade como um todo, através das suas deliberações e decisões parlamentares.

Assim sendo, segundo Eduardo Mendonça argumenta sobre a aproximação entre política e a força normativa da Constituição, vejamos abaixo:

Em termos simples, deixando de lado discussões filosóficas quanto a conteúdos mínimos extraíveis da ideia de Justiça, uma lei nada mais é do que uma decisão política que transforma determinadas opções em comandos obrigatórios. Tanto assim que o legislador conserva a faculdade de mudar de ideia, revogar a legislação e, assim, trocar as opções vigentes. Enquanto isso não ocorrer, contudo, a garantia do Estado de Direito exige que as normas sejam respeitadas. Vale dizer: a política molda o Direito e tem o poder de alterá-lo, mas não o de atropelar as suas disposições casuisticamente.

No limite extremo representado pelas cláusulas pétreas, determinadas mudanças são vedadas até mesmo pela via das emendas constitucionais e exige nova manifestação do poder constituinte originário, o que pressupõe níveis elevados de mobilização das forças políticas e/ou sociais. (MENDONÇA, 2015).

Nesse sentido, frisa-se que a própria Carta Magna impõe certas restrições a determinadas cláusulas pétreas, o que nem mesmo a vontade política dos legisladores poderá alterá-las, sendo necessária uma nova manifestação do poder constituinte, sendo necessário o enorme apelo social.

Ademais, no que tange à relação entre o contorno político nas decisões judiciais, é imprescindível que cabe aos juízes e tribunais, que chamados a analisar certa questão judicial, deverão decidir com bases no contexto sociocultural em que vivem, pois, caso não exista um diálogo respeitoso entre suas decisões “com a sociedade, bem como uma distância segura em relação às suas convicções, tende a minar as bases de sustentação de qualquer órgão estatal. ” (MENDONÇA, 2015).

O Senado enquanto corte política

Imperativo se faz mencionar neste trabalho, é que, em caráter excepcional, no caso do processo de impeachment o Senado Federal afasta-se da sua competência para exercer a tutela jurisdicional. Como assim destaca Cretella Júnior, o Senado passa a

Exercer a função material de proferir julgamento, prolatando sentença de força jurisdicional, processando e julgando os réus, o Presidente e o Vice Presidente da República, o Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, sempre que se trate de crime de responsabilidade, não de crime comum. (CRETELLA JR, 1992, p.2)

Ocorre que, a Constituição Federal sustenta a teoria da Separação dos Poderes de autoria de Montesquieu no célebre “o espírito das leis”, a qual nos traz a ideia de que os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) são harmônicos e independentes entre si, a legislação ao permitir ao Congresso nacional o poder de fiscalizar e julgar o Presidente da República do País, salientando não haver possibilidade de recursos da decisão em qualquer outra instância, tal ato pode vir a se configurar como a hegemonia de um poder sobre outro.

Paulo Brossard nos esclarece que pode sim vir a ocorrer o fato de o Senado Federal julgar o crime de responsabilidade cometido pelo Chefe do Executivo, entendendo que “no exercício de suas atribuições específicas, cada Poder é, de certo modo, soberano, incontestável e, portanto, superior aos demais. Mas somente naquilo que lhe é específico, exclusivo, peculiar.” (BROSSARD, 1992, p. 131).

Importante esclarecer, que o legislador ao conferir o Senado Federal tal poder de exercer a tutela jurisdicional neste caso específico, não fora por mera discricionariedade, pois, mister lembrar que a origem de tal costume provém, no entanto, das práticas consuetudinárias britânicas, raízes surgimento do instituto do impeachment.

Lado outro, convém ressaltar que pairam críticas sobre a escolha do Senado Federal como órgão competente para julga o processo de impeachment. Nesta linha, à de se pensar até uma eventual invenção de um Tribunal misto para o julgamento do impeachment, compondo neste colegiado de Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Senado em igual número.

Ao analisar tal sugestão acima, torna-se perceptível que o eventual “tribunal misto” não seria de algo predominantemente fora da lógica, porque, caso o julgamento fosse realizado apenas por Ministros da Suprema Corte, estaríamos sob os olhos de uma incerteza, a exemplo da nomeação de seus Ministros serem feita pelo próprio Presidente da República, bem como os “juízes togados são alheios ao maneio de negócios políticos e governativos”. Noutro norte, persistem as controversas na legislação que torna o julgamento do processo de impeachment competência exclusiva do Senado Federal, posto que, neste órgão, nem todos são tem a mínima noção jurisdicional para convicção de seu posicionamento sentencial.

O jurista Michael Temer invoca a imprescindibilidade de um viés político do órgão que irá julgar o processo de impeachment, para quem, por conta de oportunidade e conveniência, teria o Senado Federal o poder de apreciar o resultado do julgamento, não obstante ter ocorrido a conduta tipificada. De tal modo,

Não nos parece que, tipificada a hipótese de responsabilização, o Senado haja de, necessariamente, impor penas. Pode ocorrer que o Senado Federal considere mais conveniente a manutenção do Presidente no seu cargo. Para evitar, por exemplo, a deflagração de um conflito civil; para impedir agitação interna. Para impedir desentendimentos internos, o Senado, diante da circunstância, por exemplo, de o Presidente achar-se em final de mandato, pode entender que não deva responsabilizá-lo. Foi para permitir esse juízo de valor que o constituinte conferiu essa missão à Câmara dos Deputados (que autoriza o processo) e ao Senado Federal. Não ao Judiciário, que aplica a norma ao caso concreto, segundo a tipificação legal. (TEMER, 2008, p. 169-170)

Porém, com a máxima vênia, o presente trabalho se vê no direito de discordar do exposto acima. Atendendo ao parecer da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, deve atentar que o Senado Federal “não julga ou deixar de julgar segundo a sua vontade ou o seu arbítrio, nem determina o processamento segundo os seus interesses ou as suas conveniências” (1993, p. 156-157), ou ao menos assim deveria o ser.

Ainda, chega a ser curioso que o posicionamento de o Jurista Michael Temer seja contrário (caso o Senado não realizasse o Impeachment de Dilma Rousseff) ao fato que lhe conferiu assumir a presidência do país. Portanto, entendo que, o Senado Federal tem o dever de julgar eventuais casos de impeachment, pois o ato prima de sua competência, e não de mera faculdade. Também, o que se deve notar no prosseguimento do julgamento,

É necessário dizer atentar-se a que o exercício deste dever conferido constitucionalmente ao Senado Federal não passa ao largo das normas jurídicas. Tal desempenho põe-se nos termos da legislação vigente sobre a matéria, a começar pelos princípios processuais constitucionalmente fixados e de que se não pode afastar o órgão julgador, em respeito ao mesmo princípio democrático que obriga a atuação, quando for o caso. (ROCHA, 1993, p. 157).

Nesta ótica, o julgamento do processo de impeachment deve ser proceder conforme o supracitado, sendo presidido e julgado pelo Senado Federal.

A intervenção judicial nos procedimentos de impeachment

Como já discorrido acima, caberá ao poder legislativo – Senado Federal – a tarefa de julgar o processo de impeachment do Presidente da República. Contudo, o que será analisado nesse tópico, é a possibilidade de o Poder Judiciário intervir no instituto objeto deste estudo, uma vez que nesta linha argumentativa, o preceito máximo da Carta Magna de 1988 vigora que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, XXXV) (BRASIL, 1988).

Diante da supracitada disposição constitucional, inserida no rol de garantias fundamentais que não podem ser supridas da Carta Magna, é possível concluir que poderá haver a necessidade de o poder judiciário intervir no processo de impeachment a fim de que sejam garantidas todas as formalidades legais.

A fim de corroborar com tal argumento, considerando-se o disposto no art. 5º, XXXV, da CF, é impossível excluir-se do exame do Poder Judiciário qualquer lesão a um direito individual.

Dentro deste contexto fático, urge mencionar o Mandado de Segurança nº 1.959, o qual o Supremo Tribunal Federal que “[...] a discrição legislativa ou administrativa não pode exercitar-se fora dos limites constitucionais ou legais, ultrapassar as raias que condicionam o exercício legítimo do poder. Ultrapassados estes limites, começa a esfera jurisdicional.” Nesta senda, conforme já mencionado anteriormente, ao ponto em que o processo de impeachment ocorra dentro dos limites de legalidade formal e material, afasta-se a responsabilidade de haver uma intervenção por parte do Judiciário.

Todavia, caso rompa-se com a legalidade do procedimento, far-se-á a necessidade da atuação do poder judiciário, a gim de garantir o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, tendo como objetivo resguardar eventuais direitos subjetivos postos em xeque por parte dos membros do Poder Legislativo quando da condução dos procedimentos. Senão vejamos o que afirma Tolomei:

Apontados como casos excepcionalíssimos nos quais a intervenção judicial seria possível, Paulo Brossard (1992, p. 185 e 186) registra as situações de o Congresso Nacional, ao conduzir o processo, violar expressas disposições constitucionais, tal como a Câmara realizar o julgamento do impeachment no lugar do Senado Federal. (TOLOMEI, 2010, p.131).

No tocante à eventual interferência do judiciário no mérito do processo de impeachment, temos um julgado que se manifesta sobre tal impossibilidade, não obstando a postulação jurídica em atendimento à formalidade e legalidade dos atos. Nesse sentido, decidiu o STF:

[...] ao judiciário não cabe interferir nos critérios do poder discricionário do Senado Federal quanto à oportunidade ou conveniência, nem adentrar no mérito de seu julgamento [...]”, tal como, no caso Nixon v. U.S, a Corte Suprema dos EUA declarou “the Impeachment Trial Clause is non justiciable”.3

Ainda, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH):

“a figura do julgamento político está prevista em várias normas da região, atribuindo essa faculdade a congressos, parlamentos e assembleias. Sem prejuízos e competências, o Sistema Interamericano considerou que todo procedimento punitivo deve dispor das garantias mínimas do devido processo, sobretudo quando esses procedimentos podem afetar os direitos humanos de uma pessoa”.4

Assim sendo, do ponto de vista do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, a revisão pelo judiciário do julgamento do impeachment no Senado Federal deverá ser admitida, em caráter excepcional, na medida em que for necessária para compensar o déficit (no impeachment) das garantias de um devido processo legal típicas de um processo judicial.

As garantias processuais devem estar presentes no processo de impeachment, salientando sempre o direito a um julgamento independente, qualificado e imparcial, ao direito a uma decisão motivada e ao direito a um recurso contra a uma decisão desfavorável.

Porquanto não seja necessária e permitida a intervenção direta do Poder Judiciário no procedimento de impeachment que ocorra dentro dos limites de legalidade, insta salutar, que o poder judiciário se vê representado pelo Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, a quem fica incumbido à tarefa de presidir a sessão de julgamento no Senado Federal, a fim de que sejam orientadas as conduções dos trabalhos, sendo garantida a serenidade, o contraditório e ampla defesa as sessões que julgaram o processo em tela

A possibilidade da revisão judicial no procedimento de impeachment

No que diz respeito à intervenção judicial no procedimento de julgamento do impeachment, importante questionar se é possível sujeitar à revisão judicial aquela decisão prolatada pelos senadores, que resultaram na condenação do agente por crime de responsabilidade.

Sobre o tema, Brossard (1992) reflete sobre a eventual legitimidade do poder judiciário para reapreciar a matéria que fora julgada pelo Senado Federal, no sentido de anular, modificar ou até mesmo constituir direito objetivo inobservado durante o procedimento de condenação do impeachment. Segundo o autor,

O Supremo Tribunal Federal, repetidamente, se negou a intervir em processos de responsabilidade. Mais tarde admitiu fazê-lo e, efetivamente, interferiu em alguns casos. Sempre se recusou, porém, a revisar decisões congressuais.” (BROSSARD, 1992, p. 155).

Neste contexto fático, imperativo se faz mencionar o debate jurisprudencial enredado entre dois Ex-ministros do Pretório Excelso, relativamente à possibilidade de existir revisão judicial das decisões senatoriais de impeachment.

Se por um lado, o Ex-ministro Carlos Velloso sustenta a possibilidade de, ao menos em tese, o Poder Judiciário revisar as decisões de impeachment, o Ex-ministro Paulo Brossard, por sua vez, apresenta contra-argumentos a esta tese, nos trazendo a tona que tal argumento se encontra distante da realidade do país, sendo apenas possível ao Poder Judiciário “revisar alguma decisão emanada da Corte Política excepcional caso tal julgamento tenha sido realizado sem a observância de aspectos formais” (TOLOMEI, 2010, p. 135).


AS PERSPECTIVAS DA CIÊNCIA POLÍTICA: UMA RELEITURA DO PROCESSO DE IMPEACHMENT

Em consulta ao Portal Scielo acadêmico, na busca por fundamentações científicas acerca do tema objeto deste estudo, foram verificadas interpretações para além da discussão jurídica, com focos diversos, seja no âmbito teórico, ensaístico, empírico ou opinativo, no que tange aos processos de impeachment já ocorridos na história recente do nosso país.

Segundo um olhar predominantemente opinativo, a leitura de Marcelo Braz, analisa a conjuntura do processo de impeachment da então presidente Dilma, construindo um raciocínio crítico e argumentativo sobre a temática. Vejamos as conclusões do autor:

(...)e todo modo, esse quadro de dificuldades não sugere nenhuma posição otimista em relação às possibilidades políticas para as forças de esquerda no Brasil. Precisamos ter a clareza de que, como dissemos no início deste texto, a conjuntura que se abriu a partir do impeachment é de ascensão das forças mais conservadoras e até mesmo reacionárias que estão operando em todos os segmentos da sociedade brasileira — no Congresso Nacional, no Judiciário, nas forças policiais — e encontram respaldo em movimentos de direita financiados pela burguesia nativa e estrangeira que participaram das mobilizações para derrubar o governo. (BRAZ, 2017, pág.101).

Por se tratar de ensaio de caráter opinativo, o argumento de Braz não foi aprofundado neste trabalho. Por outro lado, várias leituras foram realizadas de diversos autores que estão elencados abaixo, com o intuito de analisar o que a ciência política diz sobre tal procedimento e sua consolidação no país.

A fundamentação do voto no processo de impeachment sob os seus aspectos ideológicos

Prandi e Carneiro (2017), vislumbram os principais quadros políticos vinculados aos votos dos deputados evangélicos e não evangélicos durante o ritual de impeachment de Dilma Rousseff, que selou seu destino político e do projeto que representava. Percorrendo os meandros da participação destes segmentos nos momentos finais que antecederam a votação até o seu encerramento no Congresso Nacional, a intenção dos autores foi mostrar a diversidade dos regimes de engajamento e de justificações de ações que expandem a maneira de ver a atuação política (PRANDI e CARNEIRO, 2017).

Para tanto, situam suas posições dentro do cenário no qual foram executados o impeachment e os valores que o constituíram e que foram acionados, para, em seguida, desvelar os conjuntos de força que atravessaram cada atuação dos quadros políticos em análise. Prandi e Carneiro ressaltam que dos 81 deputados que compõem a Frente Parlamentar Evangélica, também conhecida como Bancada Evangélica, um não compareceu e 75 votaram a favor da admissibilidade do impeachment.

A questão da justificativa dos votos a favor ou contra a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma torna o processo discutível, segundo eles, por tratar de pontos externos à legalidade em tona, e tornam-se meios de justificativas para definir sua posição de voto.

Assim, mesmo no caso dos parlamentes que se destacam por sua identidade religiosa, é certo que os mais diversos sentidos, oriundos de outras esferas sociais (como a econômica e a intelectual, por exemplo), podem pautar sua conduta. Segundo os autores, a religião, como toda tradição, pode ser usada como fachada, sem que ela seja a fonte verdadeira da razão de ações e barganhas postas no jogo, o que pode ser facilmente justificável ao analisar as letras que fundamental o voto dos deputados. Assim, é evidente que os parlamentares mesclam a representação política com a representação religiosa, colocando muitas vezes em “xeque” a própria condição laica do estado brasileiro:

Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor! Em defesa da vida, da família, da moral, dos bons costumes, contra a corrupção e não desistindo do Brasil, meu voto é “sim” (Pastor Eurico, PHS-PE).

Sr. presidente, sem medo de ter esperança e com a convicção de que a Constituição Federal ampara esta sessão; pelo povo brasileiro; pelo Distrito Federal; pela nação evangélica e cristã e pela paz de Jerusalém, eu voto “sim” (Ronaldo Fonseca, PROS-DF).

Srs. Deputados, sr. presidente, povo brasileiro, em primeiro lugar, eu quero agradecer a Deus a oportunidade de ser eleito por um Estado tão amável, tão maravilhoso como Minas Gerais. Neste Estado, nasceu uma pessoa que admiro muito, que é o apóstolo Valdemiro Santiago, e aquela Igreja maravilhosa me ajudou neste trabalho. Quero agradecer também à minha esposa, à minha filha, que vêm me dando muita força; à minha mãe; à minha tia Eurides, que cuidou de mim quando pequeno; à minha tia Geo, que me ensinou a educação. Eu quero agradecer ao povo brasileiro e dizer, neste instante, contra a corrupção, contra a roubalheira, contra a safadeza, eu sempre lutei por novas eleições. Neste momento, para que o brasileiro tenha uma nova esperança de dias melhores, de prosperidade, eu voto “sim” (Franklin Lima, PP-MG). Glória a Deus!

Sr. presidente, todos aqui ouviram eu falar “Fora, Dilma! ”, “Fora, Michel Temer!”, “Fora, Eduardo Cunha!”, “Fora, Rede Globo”, mentirosa, que fica difamando pessoas. Vocês podem ser grandes aos olhos do homem, mas, para Deus, vocês são pequenininhos. Em nome do Senhor Jesus, eu profetizo a queda dos senhores a partir de hoje. E venho dizer aqui, pelos militares das Forças Armadas que estão sendo sucateados há anos, pelos militares da segurança pública que estão morrendo todos os dias, pelos militares que estão agora, inativos e pensionistas, sem salário, “Fora, Pezão! ”, “Fora, Dornelles!”. Chega de corrupção! O meu voto é “sim”. Glória a Deus! Feliz a nação cujo Deus é o Senhor (Cabo Daciolo, PtdoB-RJ) (apud PRANDI e CARNEIRO, 2017).

Quando se observa a trajetória cronológica das declarações é possível perceber o uso de uma lógica por boa parte dos parlamentares, que, baseando-se sempre nas falas anteriores para promover a sua própria preleção. Contudo, a afirmação das disposições práticas (conscientes ou inconscientes) dos agentes parlamentares indica que existe valorização pujante da família (dos bons costumes, da moral), da religião à qual cada um deles é adepto e, por fim, do regionalismo/nacionalismo que dissimula a preocupação com os votos advindos de determinado território (base) eleitoral. A partir daí a lógica partidária segue rumos em que os valores republicanos contam pouco, cedendo lugar a interesses e alianças partidárias, conchavos pessoais e promessas de postos e carreira, que podem usar a ideia de crime de responsabilidade como disparador de um processo em que provas e contraprovas têm pouco valor além do espetáculo do rito, incapaz de alterar decisões previamente assumidas (PRANDI e CARNEIRO, 2017).

A análise dos autores permite concluir o quanto o jogo político está enraizado em questões religiosas, que se fundamentaram para chancelar a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma.

Os fatores políticos e institucionais que contribuem para o desencadear do processo de impeachment

No que tange aos fatores políticos e institucionais que contribuem para dar o “start” ao processo de impeachment, vejamos a leitura e os argumentos dos demais autores que sustentam elementos e/ou pano de fundo que fazem a consolidação do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Nunes e Melo (2017) elencam vários fatores que explicam o processo de impeachment de 2016. Em primeiro lugar, afirmam que, ao longo de todo o segundo mandato de Dilma, o Brasil atravessou crises que há muito não experimentara. No ano de 2016, a economia sofreu uma retração mais profundas de sua história. Além disso, a taxa de desemprego foi elevada e fatores externos como a impopularidade de presidente, começou a nortear o plano de fundo do processo de impeachment.

Neste contexto, massivos protestos tomaram as ruas do país, sobretudo em março de 2015 e março de 2016. Geralmente considerados politicamente passivos e desinteressados, os brasileiros passaram a viver num ambiente de crescente polarização ideológica.

A Operação Lava Jato foi obviamente um fator importante do desenvolvimento da crise, segundo eles. Porém, sozinha, não dá conta do fenômeno que se deseja explicar. A Lava Jato, ao ameaçar uma grande fatia da classe política, levou deputados e senadores a adotar uma postura extremamente defensiva em relação a qualquer medida mais ousada para debelar a crise econômica, intensificando mais ainda o “jogo de passar a batata quente”. É apenas no contexto de um governo com uma base política em frangalhos que se pode entender o efeito da Lava Jato na crise política e econômica que se abateu sobre o Brasil.

Além disso, convém notar que, ainda que a destituição definitiva de Dilma fosse por todos esperada, o dia 31 de agosto de 2016 registou uma surpresa: a decisão do Senado de não punir a mandatária com a suspensão dos seus direitos políticos por oito anos, ao contrário do que acontecera com a destituição de Fernando Collor em 1992.

A questão de Eduardo Cunha dando o pontapé inicial no processo de impeachment de Dilma e consequentemente a ascensão de Temer à presidência geraram um debate sobre a estabilidade democrática no país. Considerando a lógica de Temer a implementar um programa que não foi ratificado pelo eleitorado, o governo padece de um déficit de legitimidade. Isso, por sua vez, somando‑se a radical desmoralização da classe política por conta dos ciclópicos escândalos de corrupção, foram fatores que colocaram em choque as instituições democráticas. Esse é o grave risco que o Brasil pode vir a enfrentar. Nesse sentido, o país, à sua maneira, está a juntar‑se à grande crise dos regimes de representativos que se observa em vários rincões da América Latina, da Europa e nos Estados Unidos.

A alta fragmentação partidária, ao reduzir o tamanho de todos os partidos, gera enormes problemas de ação coletiva dentro do Congresso, levando o chefe do executivo a abusar de suas prerrogativas em nome da governabilidade.

Os autores afirmam então ser fundamental que o Brasil escape desse modelo instável por meio tanto da redução dos poderes presidenciais quanto da fragmentação partidária. Portanto, segundo os autores, faz-se necessário a relação entre o executivo e o legislativo e o estabelecimento de um padrão estável de interação entre as partes na competição para a presidência.

Com a linguagem visionária, os autores, em 2017, observam que a crise do PT e o estresse a que outras partes estavam sujeitas abriria um novo período na competição eleitoral partidária no país. Tal fato, isso tornou-se evidente com a eleição do atual presidente Jair Bolsonaro ao cargo de presidente do país.

Assim sendo, de encontro com os autores acima citados, Martuscelli (2010) nos traz à tona como fatores políticos e institucionais, além do contexto econômico, popular e social, das relações entre os poderes executivo/legislativo e por fim, as relações partidárias podem desencadear em um cenário de impeachment.

Segundo Martuscelli (2010), a motivação para o movimento pró impeachment de Collor não se derivou apenas pelo discurso de anticorrupção ou de ética na política, mas também uma insatisfação com os efeitos da política neoliberal. As insatisfações provocadas pela aplicação da política neoliberal, que gerou grande rebuliço entre as classes sociais no Brasil, tais como: o período de forte recessão econômica, o crescimento das taxas de desemprego, e a elevação dos índices inflacionários, repercutiram não só no plano da ação econômico-corporativa, mas também no terreno dos partidos políticos, resultando no surgimento de conflitos localizados entre o executivo e o legislativo durante o governo Collor.

Para corroborar tal afirmativa, o autor nos traz: que a vitória de Paulo Maluf – o candidato do “rouba, mas faz” –, por larga margem de votos nas eleições para prefeito de São Paulo em 1992 (polo de concentração das maiores manifestações pré-impeachment), é outra evidência de que a luta contra a corrupção não era, a rigor, a principal motivação dos manifestantes que pediam o impeachment do presidente Collor.

É interessante lembrar também que Maluf foi eleito com o discurso contra a recessão, o desemprego, contrariando, portanto, os efeitos da política econômica implementada pelo presidente Collor. Se esse presidente “roubasse, mas fizesse”, ou melhor, se a corrupção fosse denunciada num período de crescimento econômico, de queda das taxas de desemprego, de constituição de sólida base política no Congresso Nacional, é provável que as manifestações contra o governo não tivessem o mesmo caráter massivo que lograram obter no segundo semestre de 1992.

O comportamento do Partido dos trabalhadores (PT) também foi destacado por Martuscelli (2010), pois, ao aderir ao movimento pró impeachment, acaba por se unir a “voz da ética na política”. Esse comportamento político pode ser considerado como um indicador do processo de aceitação passiva, por parte do PT, das propostas neoliberais, mas isso não significa que o partido tenha se manifestado favoravelmente à implementação das políticas de abertura comercial e financeira, de privatização de empresas estatais e de serviços públicos, de desregulamentação do mercado de trabalho ou de redução de direitos e gastos sociais: os pilares da política neoliberal. Não se tratou, portanto, de uma adesão ativa ao neoliberalismo, mas uma tática petista de priorizar a luta pela ética na política em detrimento da luta contra o neoliberalismo, visando, com isso, consolidar e fortalecer a oposição ao governo Collor.

Não obstante, deve-se mencionar os dilemas do presidencialismo de coalizão, que caracteriza o sistema político partidário brasileiro, e que impõe muitos constrangimentos e dilemas, o que acaba ampliando muito as "oportunidades" para o impeachment no Brasil, pela sua dificuldade de institucionalizar adequadamente nossos conflitos políticos internos.

Isso porque, a questão da governabilidade impõe ao Presidente da República fomentar uma construção da base legislativa que lhe assegure determinada estabilidade política, a fim de atingir sua agenda governamental e blindar de certa forma um eventual processo de impeachment.

Neste contexto fático, diante da pulverização partidária no país, a conjuntura de fatores que irão influenciar na decisão dos parlamentares sobre a instauração e julgamento de processo de impeachment, leva o poder executivo a utilizar cargos de grande expressão no poder, utilizando-os como moeda de troca, com a estrita finalidade de assegurar apoio político e de governo dentro do poder legislativo.

Assim sendo, no presidencialismo, a instabilidade da coalizão pode atingir diretamente a presidência. É menor o grau de liberdade de recomposição de forças, através da reforma do gabinete, sem que se ameace as bases de sustentação da coalizão governante.

No Congresso, a polarização tende a elevar perigosamente a probabilidade de paralisia decisória e consequente ruptura da ordem política. Por isso mesmo, governos de coalizão requerem procedimentos mais ou menos institucionalizados para solucionar disputas interpartidárias internas à coalizão, visando sempre a governabilidade estável do Presidente.

O que a ciência política ainda busca respostas é para o fato de que existe um fenômeno que atinge o funcionamento das instituições brasileiras, e faz com que nossas instituições, em particular, o Congresso Nacional brasileiro, seja particularmente sujeito às pressões dos grupos de interesse.

Poderíamos considerar que os partidos não possuem o apelo necessário para atingir o eleitor brasileiro e atrair um voto partidário. No entanto, sua força é muito mais institucionalizada, importante e muito para o jogo político que vem após a eleição, além de estar presente nas diretrizes defendidas por aqueles que fomentam a abertura de um processo de impeachment em face do chefe da nação brasileira.

O papel da mídia no processo de impeachment

Sabe-se que o papel da mídia nos recentes fenômenos políticos e sociais é de enorme importância e determinação na formação da opinião pública, principalmente na consolidação do processo de impeachment. Assim é possível dizer que a imprensa tem assumido papel de destaque nos diálogos entre os governos desde o impeachment do então presidente Collor até o último episódio ocorrido na história do país, qual seja, o impeachment de Dilma Rousseff.

Neste giro, urge salientar sobre a força da mídia que não por acaso é considerado o quarto poder. Desta forma, aparelhos de rádios e TV’s, que estão presentes em quase todas as casas brasileiras e as manchetes dos jornais são usadas como publicidade para formar opiniões. Vejamos os argumentos de Abramo abaixo sobre tal perspectiva:

O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade. A maior parte do material que a Imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta. É uma referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. Tudo se passa como se a Imprensa se referisse à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade artificial, não-real, irreal, criada e desenvolvida pela Imprensa e apresentada no lugar da realidade real. A relação que existe entre a Imprensa e a realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real (ABRAMO, 2006).

Resta-se claro e evidente que a grande imprensa tem um papel preponderante neste espetáculo político, denominado impeachment, alimentado por fatos cotidianos envolvendo instituições dos poderes constituídos da república, como o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público.

Assim como outros fatores externos, tais como: a crise econômica, a corrupção na classe política e a impopularidade da presidente Dilma, o papel da mídia no aspecto de prospecção e publicidade no processo de instauração e julgamento fora essencial para fins de sua consolidação.

Sabe-se que as tensas relações entre mídia e política no Brasil são bem conhecidas pela nossa história, a citar Fernando Collor como um exemplo de presidente que não terminou seu mandato e que sofreu resistências por parte da imprensa.

Rodrigues (2018) argumenta, por sua vez, que esse histórico de atuação dos meios de comunicação em processos de desestabilização permanece atual.

Entretanto, deve-se ressaltar que a liberdade de expressão, conquista liberal presente nas constituições modernas desde o século XVIII – exemplo as Constituições francesa e estadunidense –, ocupa espaço bem claro na Carta brasileira de 1988 e poucas são as vozes que pregam em período democrático a volta aberta da censura. A problemática em debate não é exatamente a de como evitar o posicionamento de certos veículos, mas sim como garantir que haja diversidade cultural e pluralidade de informações em seu conjunto (Rodrigues, 2018).

O autor argumenta que esse histórico de atuação dos principais meios de comunicação em processos de desestabilização de presidentes no Brasil permanece atual. Essa hipótese foi testada a partir da observação de trinta e cinco editoriais dos principais jornais impressos do país durante a tramitação dos processos de impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e de investigação de Michel Temer em 2017. Entre os veículos analisados estão os jornais O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Estado de Minas, Correio Braziliense e Zero Hora.

Há na literatura um entendimento crescente acerca do papel ativo desempenhado pela mídia no processo de impeachment de Dilma Rousseff. No mesmo sentido, para Luis Felipe Miguel (2017, p. 113), “o viés da mídia foi claro para qualquer pessoa que tenha acompanhado (...) a cobertura jornalística no período que vai da proclamação do resultado das eleições, em outubro de 2014, ao afastamento definitivo da presidente, em agosto de 2016”. José Szwako e Fabiano Santos (2016, p. 116-117) argumentam “que foi a ação concertada e articulada, aquilo que os sociólogos chamam de ‘agência’, entre partidos, movimentos sociais de corte elitista e apoiadores midiáticos e judiciários, que culminou no impeachment”.

A análise de Luis Felipe Miguel (2017) afirma que foi provavelmente O Estado de S. Paulo quem apresentou a mais pesada artilharia contra Dilma. O primeiro editorial de peso veio logo após Eduardo Cunha ter aceitado a denúncia na Câmara dos Deputados. Em “As verdadeiras razões do impeachment”, publicado em 6 de dezembro de 2015, o Estadão fez uma enfática defesa do conteúdo do pedido de impeachment subscrito pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal e concluiu que “Dilma deve ser julgada pela irresponsabilidade fiscal de seu governo, perfeitamente exposta na petição à qual Cunha deu seguimento”. A mesma linha foi seguida na semana seguinte. Intitulado "Irresponsabilidade como método", o editorial de 13 de dezembro de 2015 já iniciava sua primeira frase indicando qual seria a postura do jornal a partir dali: “A petista Dilma Rousseff não pode mais permanecer na Presidência da República pela simples razão de que adotou a irresponsabilidade como método de governo.

Como esperado pelo momento em que se vivia o Brasil e “a voz das ruas”, foi encontrado um forte viés pró-impeachment de Dilma Rousseff em praticamente todos esses veículos. A literatura sustenta então que a opinião da imprensa está presente na forma como manchetes são elaboradas ou fotos escolhidas para as capas de jornais e isso uma vez colocado em circulação, com a ausência de uma leitura crítica e plural, acaba por consolidar a “vontade, o interesse” o qual a mídia deseja comercializar

Portanto, o papel da mídia na consolidação do processo de impeachment foi e é essencial, haja vista que no Brasil, infelizmente, as redes de comunicação são instituições vinculadas aos negócios financeiros e comerciais, não tendo como principal norte a pulverização da informação imparcial que possa fazer com que todos os cidadãos tomem conhecimentos dos fatos reais e verdadeiros e a partir de então possam forma sua própria opinião sobre determinados fenômenos.


CONCLUSÃO

Diante do explanado acima e após o desenvolvimento do estudo in caso, foi possível chegar a certas conclusões acerca do instituto do impeachment, seu processamento, julgamento e principalmente, o viés político que o permeia desde a sua admissibilidade até a eventual sentença condenatória proferida pelo poder legislativo, através dos Senadores Federais.

Preliminarmente, salienta-se que o procedimento de impeachment tem como finalidade conservar a probidade de um agente público no exercício de suas funções, a fim de limitar sua autoridade máxima. Neste ínterim, o instituto em tela visa reforçar o princípio de que todo governante deverá ser responsável e responsabilizável pelos seus atos, não sendo senhor do poder que exerce, mas apenas um representante do povo que o elegeu mediante a maioria dos votos, tendo o dever de representá-los de forma correta, leal e com o estrito respeito aos ditames da Constituição da República Federal do Brasil e todas as leis que vigoram no ordenamento jurídico deste país.

Neste sentido, o Brasil sob influência da Constituição norte-americana e no com reflexos oriundos da Inglaterra – país que inaugurou o processo de responsabilização dos agentes públicos -, por meio da Constituição da Primeira República, incorporou em nosso ordenamento jurídico o instituto do impeachment como forma de zelar pela postura proba do Presidente da República limitada aos ditames legais. Ademais, as constituições republicanas a posteriori, mantiveram o procedimento do impeachment, sem exceção, ressaltando a necessidade de atribuir aos agentes públicos penalidades e sanções a eventuais atos praticados em desconformidade com os dispositivos da nossa Carta mãe.

Ao longo da história do país o procedimento do Impeachment conquistou mais espaço e visibilidade jurídica, chegando até a figura que é hoje. Isso porque, em menos de 20 anos dois Presidentes da República, eleitos por maioria dos votos populares, foram destituídos do seu cargo, pela excepcional ação jurisdicional do poder legislativo, por meio de sentença condenatória exarada pelos Senadores Federais que concluíram que os mesmos foram responsáveis pelo cometimento do crime de responsabilidade.

Neste toar, merece destaque a observação sobre os crimes de responsabilidade e sua natureza intrinsecamente política, que urge no procedimento como princípio norteador da conduta que será ou não, julgada pelo rito do impeachment. Tal premissa é retirada do fato de a punição não ultrapassar a esfera política dos direitos do indivíduo condenado, que será afastado do cargo público por ordem do processo de impeachment.

Ademais, o legislador ao estabelecer as formalidades e os trâmites legais os quais o processo de impeachment deva se submeter, não dirimiu as discordâncias sobre a natureza deste instituto que se faz político desde sua tipificação criminal até a sanção aplicada. Com isso, à luz do que fora explanado ao longo deste trabalho, a natureza política do instituto o acompanha desde seus precedentes históricos, sendo inerente ao procedimento.

Desta feita, o impeachment como configurado no ordenamento jurídico brasileiro se apresenta como procedimento de natureza incontestavelmente política, onde a sentença condenatória é redigida por senadores que receberam a competência de julgar os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República. No entanto, frisa-se que caso a acusação feita ao agente público fosse analisada sob uma ótica de um magistrado, os critérios para a formação de sua convicção estariam presos à exclusiva legalidade, sem recorrer a critérios metajurídicos e extrajudiciais, o que tornaria a fundamentação da sentença condenatória mais imparcial e estritamente legal.

Noutro norte, muito embora seja nítida a natureza política do instituto analisado, o mesmo é revestido de uma solenidade tão específica que muito se aproveita do caráter do processo judicial. Ademais, elementos inerentes ao processo, tais como: o princípio do contraditório e da ampla defesa se faz presentes também ao longo processo de impeachment, ressaltando o julgamento como ainda mais maleável e com maior gama de possibilidades no tocante à defesa do agente acusado, a observância do princípio confere ao processo jurídico, a legalidade do procedimento.

Observou-se também que a decisão sobre o impeachment em caso de crime de responsabilidade é de competência do Congresso Nacional e, especificamente, o julgamento é do Senado Federal. Deste modo, o referido processo é essencialmente político, não somente porque é julgado pelo Congresso, mas porque, em eventual decisão dos deputados e dos senadores, os aspectos políticos prevalecerão sobre os jurídicos, onde decidirão os parlamentares conforme suas conveniências políticas e partidárias.

No entanto, como vimos, o procedimento de impeachment no Brasil pende para o viés político de sua natureza, pois, originando-se de causas políticas, visa atingir resultados políticos, bem como é instaurado e julgado por políticos. Portanto, é notório que os critérios utilizados para a análise da peça acusatória em face do agente público desvinculam da esfera jurídica e permeiam as negociações políticas, fatores externos e pressões que emergem da sociedade, os quais claramente interferem na convicção dos julgadores, que são eleitos por essa massa social que se manifesta nas ruas, nos meios de mídias, nas redes sociais, ou em qualquer ambiente seja público ou privado.

Neste sentido, os fatos políticos, institucionais, bem como os aspectos ideológicos voltados à crença e a mídia contribuem de forma relevantes na formação do cenário pró impeachment e na sua consolidação. Isso porque, elementos externos ao texto legal que tipifica o procedimento em discussão, são fundamentais para o panorama que será formado.

Mais do que isso, tais componentes norteiam o processo de impeachment, tais como a impopularidade do presidente da república, a atual situação econômica do país, a relação entre o legislativo e o executivo no que tange às alianças partidárias, os quais irão justificar todo o andamento do processo e sua futura conclusão com a sanção máxima imposta ao chefe do executivo, qual seja, a perda do seu cargo e a inabilitação da função pública.

Para além, resta-se claro que a política foi reduzida pelos meios de comunicação a artimanhas de bastidores e o processo do impeachment, a uma troca de ocupantes da cadeira, sem conduzir com imparcialidade e pluralidade de ideias o noticiário brasileiro acerca da temática.

Assim, é possível perceber em um viés crítico, que o impeachment é um processo claramente político que importa em redução da capacidade para o exercício de função política, não se comunicando com a pena criminal.

Portanto, por se tratar de julgadores que não estão investidos aos princípios da equidade e imparcialidade, conforme se procede com magistrados, ficamos diante de uma fragilidade constante, em razão de interesses políticos próprios, em que muitas vezes, a técnica jurídica, ou seja, a tipificação do crime de responsabilidade é afastada em detrimento de colisões e interesses políticos/partidários. Dessa forma, é muito possível que um julgamento realizado pelo Senado Federal seja mais influenciado pelo ambiente político do país, não considerando questões legais com a mesma rigidez que o Poder Judiciário deve sempre observar.


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  1. Advogado. OAB/MG 183/571. Orientador e mestre em administração pública pela Universidade Federal de Santa Maria/RS.

  2. Acadêmica de direito na Universidade Federal de Ouro Preto/MG

  3. 1 U.S. SUPREME COURT. Nixon v. United States, 506 U.S. 224. Washington, 13 de janeiro de 1993. p. 224. Citado por Perlingeiro (2018).

  4. 2 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. A CIDH expressa preocupação pela destituição da Presidente do Brasil. Comunicado de imprensa. Washington, 2 set. 2016. Citado por Perlingeiro (2018).

Sobre o autor
Filipe Luiz Mendanha Silva

MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA pela Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul (2021-2022), PÓS-GRADUAÇÃO em DIREITO PÚBLICO pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Praça da Liberdade (2018-2019), ESPECIALISTA em ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO GOVERNAMENTAL pela Fundação João Pinheiro (2018-2020), PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ELEITORAL pela Faculdade Pólis Civitas (2020-2021), MBA em INFRAESTRUTURA, CONCESSÕES E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Praça da Liberdade (2019-2021), GRADUAÇÃO em DIREITO pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Orientador︎

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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