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Fome e pobreza: graves violações de direitos humanos. Aporofobia é crime?

22/11/2024 às 11:30
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Universitários de Direito proferiram xingamentos preconceituosos. O texto analisa a aporofobia, discute a possibilidade de tipicidade penal e destaca a necessidade de erradicar a fome e a pobreza, com compromisso dos governos e da sociedade.

Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua analisar a questão da aporofobia muito em voga atualmente, em face de acontecimentos registrados recentemente no país, sobretudo, em decorrência de vídeos divulgados, em fonte aberta, onde alunos do curso de direito de uma Faculdade em São Paulo aparecem proferindo xingamentos preconceituosos contra alunos de outra Faculdade, chamando-os de pobres e cotistas; visa ainda apresentar estudos acerca da possibilidade configurar ou não tipicidade penal no ordenamento jurídico pátrio.

Palavras-chave: Direito; penal; aporofobia; (a)tipicidade.


"É evidente que devem ser tomadas ações imediatas e decisivas para erradicar o flagelo da fome e da pobreza. Tais ações devem ser realizadas de forma conjunta e colaborativa, com o envolvimento de toda a comunidade internacional. A implementação de medidas eficazes requer um compromisso concreto dos governos, das organizações internacionais e da sociedade como um todo. A centralidade da dignidade humana, dada por Deus, de cada indivíduo, o acesso aos bens essenciais e a justa distribuição de recursos devem ser priorizados em todas as agendas políticas e sociais."

(Papa Francisco – Mensagem ao G20)


De início, cabe afirmar que para a existência de condutas criminosas e suas respectivas penalidades, segundo dogma constitucional, é preciso observar prévia cominação legal. Aliás, desde os primórdios dos estudos jurídicos já se ensina com primazia acerca do primado do princípio da legalidade. Segundo preceitua a Carta Magna, artigo 5º, inciso XXXIX, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Por se trata de norma de repetição, o CP atual em seu artigo 1º, também reproduz in totum, este mandamento, consoante o qual não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Coincidentemente, o artigo 39 da Carta de Joao em Terra de 1215, que assegurava:

Art. 39. Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país.

Com base nesse entendimento conceitual de legalidade, resta-nos uma indagação: Aporofobia é crime no Brasil?

Antes da resposta, vale abordagem sobre o tema. Segundo estudos etimológicos, o termo Aporofobia designa rejeição ou medos de pobres; assim, o conceito aporofobia foi proposto, nos anos de 1990, pela filósofa Adela Cortina, professora catedrática de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valência, para diferenciar essa atitude da xenofobia, que só se refere à rejeição ao estrangeiro, e do racismo, que é a discriminação contra grupos étnicos.1

Existem projetos de leis tramitando no Congresso Nacional, tratando deste assunto, na esfera administrativa e pena, para tipificar a conduta de aporofobia. A guisa de exemplos, cita-se o PL nº 3135, de 2020 que atos violentos praticados contra pessoa em decorrência de sentimento de ódio por sua condição de pobreza, assim denominados como aporofobia, a saber:

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta lei tem por fim criminalizar atos praticados contra pessoa em decorrência da sua condição de pobreza, assim denominados como aporofobia.

Art. 2º Os artigos 121, 129, 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 121.............................................................................................................

§2º ......................................................................................................................

V-A – em decorrência de sentimento de ódio pela condição de pobreza da vítima.

“Art. 129.............................................................................................................

§13 Se a lesão for praticada em decorrência do sentimento de ódio pela condição de pobreza da vítima, a pena é aumentada de um terço.”

“Art. 140.............................................................................................................

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência ou pela sua condição de pobreza:

Art. 3° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Vale ressaltar a justificação do autor da proposta, lançada na apresentação do projeto de lei, in verbis:

JUSTIFICATIVA. O presente projeto de lei tem por fim jogar luz sobre um tema deveras vergonhoso se formos levar em conta a falta de empatia que um ser humano possa ter em relação ao outro ser humano por ele ser pobre. Aporofobia é um neologismo inventado pela filósofa Adela Cortina, professora catedrática de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valência. A palavra nos parece estranha, seja ortográfica, seja foneticamente, mas tem a proeza de nomear uma realidade nefasta e ignóbil. Foi escolhida a palavra do ano de 2017, pela Fundação Espanhola Urgente. O vocábulo, cunhada pela professora Adela e usado em diversos artigos, livros, entrevistas e palestras, é composto pela junção de dois diferentes termos, emprestados da língua grega, e se propõe a identificar uma fobia, um medo, uma patologia social que se manifesta na aversão a alguém que é percebido como portador de determinado atributo, origem, comportamento, aspecto ou traço, como são exemplos a homofobia, a islamofobia, a xenofobia. “Aporofobia”, do grego á-poros, sem recursos, indigente, pobre; e fobos, medo; refere-se ao medo, rejeição, hostilidade e repulsa às pessoas pobres e à pobreza. Essa palavra foi incorporada ao dicionário da língua espanhola e aguarda ainda a inclusão como circunstância agravante no Código Penal. 1. A academia espanhola adverte que a aporofobia é uma patologia social que existe em todo mundo e o primeiro que se deve fazer é reconhecê-lo, saber como ele acontece e trabalhar para desativar esse fenômeno. Na Europa a palavra aporofobia foi muito associada aos imigrantes e refugiados da guerra, da miséria e da fome, provenientes do outro lado do Mediterrâneo, mais acentuadamente a partir de 2007 após o início dos conflitos bélicos em países da Ásia e África, e desde 2011, com o início da guerra na Síria. A professora Cortina reconhece com preocupação o crescimento de movimentos que ela classifica como aporófobos, que ganharam força nos Estados Unidos e na França, como o discurso anti mexicano de Donald Trump e da Frente Nacional de Marine le Pen contra os imigrantes. “É um dos grandes problemas do nosso tempo, porque desde 1948, ano da Declaração dos Direitos Humanos, nós dizemos que isso era inadmissível, e agora está voltando a ser tendência”, conclui a filósofa espanhola.2 É tendência de o ser humano rejeitar aquilo que os perturba. Porém fazemos escolhas. Podemos rejeitar a situação cruel e nos colocamos a ajudá-los. Podemos rejeitar nos tornando indiferentes, ou, pior que a indiferença é ter repugnância, medo, hostilidade com as pessoas sem recursos, com os “fracassados sociais”. Assim, segundo a filósofa criadora da palavra, primeiramente, devemos reconhecer que somos todos aporófobos, pois isso nos permite modificar as raízes sociais e culturais para evitar essa forma de preconceito, agindo com compromisso para a defesa da igualdade e da dignidade das pessoas com compaixão. Atos que podemos exemplificar como característico de “aporofobia”, por ex., não deixar um “sem-teto” entrar num bar e não seja atendido por ser pobre, ou não o deixam usar o banheiro; ou a violência gratuita praticada por quem nutre sentimento de ódio contra mendigos, sem-teto, moradores de rua, sem apresentar qualquer sentimento de empatia pelo próximo que não tem como se defender. São diversos os relatos de pessoas sendo queimadas vivas nas ruas. O Ministério da Saúde em 2019 lançou dados sobre a violência contra moradores de rua no Brasil. Foram registrados ao menos 17.386 casos de violência contra moradores de rua de 2015 a 2017. O número levou em conta os casos em que a motivação principal do ato violento era o fato de a pessoa estar em situação de rua. Os números foram calculados com base nos registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ferramenta utilizada pelo Sistema Único de Saúde para notificar a condição de pacientes vítimas de violência de diversos tipos.3 A cidade de São Paulo, por exemplo, registrou o maior número de notificações de violência motivada pela situação de rua da vítima em todos os anos analisados. Entre novembro de 2019 e janeiro de 2020, 7 pessoas em situação de rua foram mortas na Grande São Paulo.4 Geralmente nos crimes de ódio estigmatiza-se uma pessoa ou grupo atribuindo-lhes risco à sociedade, difícil de comprovar, porém baseia-se em “pré conceitos”. Isso posto, cria-se lendas para justificar a incitação ao desprezo e à agressão, sendo que o agressor chega ao ponto de naturalizar a desigualdade estrutural e se vê em uma posição de superioridade diante da vítima. Nesses crimes o criminoso seleciona intencionalmente a sua vítima em função dela pertencer a um certo grupo. Esses crimes passam mensagens ameaçadoras aos demais integrantes do grupo social sobre o risco que estão correndo5. Tomando como exemplo a cidade de São Paulo, em outubro de 2019, um abaixo assinado feito por moradores do bairro da Mooca pedia o fechamento do Centro Temporário de Acolhimento (CTA) Mooca I, devido a boatos de crimes atribuídos indevidamente a pessoas em situação de rua atendidas pelo albergue. O atrito entre a população do bairro com o serviço começou após uma moradora ter a casa invadida, as roupas de todos os moradores da casa roubadas, e ser estuprada por um homem, que, supostamente, seria frequentador do albergue. A polícia acabou identificando o suspeito, que havia sido encontrado morto a tiros dias depois do crime, em Diadema. Ele não apresentava histórico de situação de rua, e não frequentava o albergue na Mooca. Ainda assim, a população continuou compartilhando informações inverídicas e acusações contra o serviço. Nas redes sociais, moradores promoveram diversos ataques aos albergados e também ao padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua. O pároco da região tem conhecida ação com desabrigados na região da Mooca e do Belém, o que gera o ódio de parte dos moradores da região. Lancellotti já foi agredido por guardas e recebeu ameaças de morte, com a CIDH cobrando sua proteção por parte do estado brasileiro 7. O preconceito e a discriminação contra a população em situação de rua seguem aumentando não só pela capital paulista como também pelo Brasil. Outras patologias sociais, como o racismo, homofobia e misoginia já são penalizadas no nosso ordenamento jurídico. Por sua vez, a realidade da sociedade brasileira favorece o aparecimento desse tipo desprezível de preconceito de classe. Diante de perspectivas nada otimistas em decorrência das últimas crises econômicas, bem como, a que estamos prestes e ingressar em decorrência do estado de calamidade pública em virtude da pandemia do COVID-19, a tendência, infelizmente, é de que a população pobre aumente, portanto, são esses que sofrem cada dia mais com a violência que esse projeto de Lei pretende proteger. Pelo exposto, solicito o apoio dos meus nobres pares na aprovação desse Projeto de Lei.

Por sua vez, tramita-se no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 355/24 que institui campanha permanente de combate à aporofobia nas escolas públicas e privadas do Brasil.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º – Fica instituída a campanha permanente de combate à aporofobia nas escolas públicas e privadas de todos os Estado do Brasil. Parágrafo único – Entende-se por aporofobia a aversão, rejeição, medo, hostilidade, desprezo ou ódio às pessoas por sua condição de pobreza ou de miserabilidade.

Art. 2º – São objetivos da campanha permanente:

I – a conscientização dos alunos e de toda a comunidade escolar sobre a aporofobia;

II – o enfrentamento da aporofobia pelos alunos e por toda a comunidade escolar das escolas públicas e privadas;

III – a disseminação de informações sobre os danos causados através de comportamentos aporofóbicos às pessoas em situações de vulnerabilidade social.

Art. 3º – São ações da referida campanha permanente no âmbito das escolas:

I – a realização de campanhas educativas de informação, conscientização e combate à aporofobia;

II – a divulgação de vídeos ou reprodução de áudios com conteúdo de combate à aporofobia, folhetos informativos, cartilhas e anúncios no sistema de som das escolas, sites e redes sociais quando disporem desses mecanismos ou quaisquer outras formas de comunicação;

III – a divulgação de canais de denúncia de aporofobia, através de cartazes permanentes, afixados de forma visível ao público das escolas e da comunidade escolar;

IV – a promoção de ações destinadas a formação continuada dos profissionais da educação das escolas para reconhecer e combater práticas aporofóbicas;

V – o desenvolvimento de ações educativas permanentes que contribuam para a formação de cultura de respeito, amor, empatia, ética e solidariedade entre os grupos sociais, de modo a resguardar a observância dos direitos humanos.

Nesse sentido, apresentou-se a seguinte justificação:

O projeto de lei tem por objetivo a implementação de uma campanha perene de enfrentamento à aporofobia nas instituições de ensino públicas e privadas em todo o território nacional. A aporofobia, concebida pela filósofa espanhola Adela Cortina, refere-se à repulsa aos desfavorecidos e suas implicações na estrutura democrática. Trata-se de um termo recente que se origina das raízes gregas áporos (carente, desamparado) e phobos (medo, aversão). O termo "aporofobia" tem sido empregado na Europa para descrever o tratamento dispensado aos imigrantes e refugiados economicamente desfavorecidos, tendo como fundamentos o racismo e a xenofobia. É digno de nota que o Ministério do Interior espanhol considera a aporofobia como uma forma de crime de ódio, tendo registrado 10 denúncias em 2016 e 11 em 2017. A aporofobia engloba ideias, comportamentos, práticas e políticas que menosprezam indivíduos com base em sua condição socioeconômica. Ela está enraizada nas estruturas de classe social. Assim, a luta contra a aporofobia requer uma educação ética com iniciativas educativas contínuas que sensibilizem as pessoas sobre a importância da empatia pelo próximo e políticas públicas que garantam um sustento mínimo para aqueles em situação de extrema pobreza, além da necessidade de mecanismos de denúncia contra esse tipo de preconceito. É relevante mencionar o trabalho do Padre Júlio Lancellotti, Coordenador da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, que dedicou sua vida aos menos favorecidos, destacando-se como um defensor do combate à aporofobia e liderando diversos projetos sociais que visam a proporcionar mais humanidade e dignidade à população de rua. Nos últimos anos, o religioso tem liderado uma ampla campanha contra a propagação da aporofobia, denunciando não apenas a arquitetura hostil, mas também as campanhas que desencorajam doações aos mais necessitados. Ele advoga pela transição da "hostilidade" para a "hospitalidade". É importante ressaltar que está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 1.636/2022, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que tipifica como crime de injúria qualquer ato discriminatório baseado na condição de pobreza, conhecido como aporofobia. Ademais, reconhecer a existência da aporofobia não é suficiente; portanto, é crucial que a conscientização e ações afirmativas de combate a esse preconceito sejam integradas e discutidas nos currículos escolares. Adela Cortina argumenta que a "aporofobia" é uma enfermidade social global e que o primeiro passo para combatê-la é reconhecê-la, compreender suas causas e trabalhar para desativá-la, visto que é um fenômeno profundamente corrosivo. Assim, a instituição de uma campanha constante de enfrentamento à aporofobia nas escolas públicas e privadas é de extrema importância para conscientizar contra essa prática desumana, que tende a minar a solidariedade e aprofundar a discriminação contra os vulneráveis. Em uma sociedade democrática, nenhum indivíduo deve ser privado de seus direitos ou sujeito a restrições ou preconceitos devido à sua condição socioeconômica. Dada a relevância deste tema, solicito o apoio dos meus colegas parlamentares para a aprovação desta proposição crucial.


REFLEXÕES FINAIS

“(...) Enquanto os homens exercem

Seus podres poderes

Morrer e matar de fome

De raiva e de sede

São tantas vezes

Gestos naturais (...)”

“Gente é para brilhar, não pra morrer de fome”

(Caetano Veloso)

É de sabença a todo bom jurista, bem assim, de conhecimento de todo estudante da área do direito, por se tratar de tema obrigatório logo nas primeiras aulas de direito penal, numa viagem constitucional, que cabe à União legislar com exclusividade acerca da matéria de Direito Penal, art. 22, I da Carta Magna. Para reforçar esse entendimento a mesma Carta da República deixa claro que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, conforme estampado no artigo 5º, XXXIX c/c artigo 1º do CP.

Trata-se de princípio de segurança e proteção de todo cidadão em solo brasileiro. Outrossim, a mesma Carta Magna protege com absoluta prioridade a dignidade da pessoa humana, artigo 1º, III, e em Tratados e Convenções Internacionais em que o país é parte. Como objetivos buscados pela República Federativa do Brasil, artigo 3º, estão a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Como se viu no texto, o vocábulo aporofobia se refere ao medo, rejeição, hostilidade e repulsa às pessoas pobres e à pobreza. Portanto, uma atitude ignóbil de hostilidade e aversão contra pessoas pobres, é algo nojento de se abordar; é horrível imaginar que esse tipo de atitude ainda existe no Brasil; é difícil imaginar em plena evolução dos tempos modernos que seja necessário acionar o Parlamento a fim de criar normas de condutas humanas, para determinar que pessoas sem poder econômico, que vivem às margens da linha da pobreza são seres humanos, às vezes esquecidas pelo Poder Público, dotadas de direito e portanto, merecem respeito; pensar que a primeira violação brutal é permitir que haja tanta desigualdade social num país tão rico, lamentavelmente, muito desigual, onde poucos têm tudo e muitos não têm nada; é incompreensível imaginar que ainda existem pessoas passando fome num país tão rico, mas infelizmente vivemos numa Nação mergulhada pela onda da corrupção política, por desvios do erário público.

E assim, mesmo sendo inacreditável, existem ainda vários projetos de leis em tramitação no Congresso Nacional, a exemplo do PL nº 3135, de 2020, que propõe a criação de uma qualificadora para o crime de homicídio, quando o crime for praticado em decorrência de sentimento de ódio pela condição de pobreza da vítima. Também propõe a criação de uma causa de aumento de pena para o crime de lesão corporal no artigo 129 do CP, e o enquadramento da injúria qualificada ou racial, quando o crime for praticado pela condição de pobreza da vítima, art. 140, § 3º, do CP.

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Outra proposta importante no campo da prevenção é o Projeto de Lei nº 355/24 que institui campanha permanente de combate à aporofobia nas escolas públicas e privadas do Brasil, propondo a realização de campanhas educativas de informação, conscientização e combate à aporofobia, a divulgação de vídeos ou reprodução de áudios com conteúdo de combate à aporofobia, folhetos informativos, cartilhas e anúncios no sistema de som das escolas, sites e redes sociais quando disporem desses mecanismos ou quaisquer outras formas de comunicação, a divulgação de canais de denúncia de aporofobia, através de cartazes permanentes, afixados de forma visível ao público das escolas e da comunidade escolar, a promoção de ações destinadas a formação continuada dos profissionais da educação das escolas para reconhecer e combater práticas aporofóbicas e o desenvolvimento de ações educativas permanentes que contribuam para a formação de cultura de respeito, amor, empatia, ética e solidariedade entre os grupos sociais, de modo a resguardar a observância dos direitos humanos.

Diante de todo o exposto é correto afirmar que a aporofobia não é tipificada como crime no Brasil. O que pode levar a caracterização de um comportamento tão hostil, abjeto, ignóbil, discriminatória é a clara ausência de políticas públicas dos nossos governantes que diante de sua omissão, atitude absenteísta, passam a fomentar essa inaceitável desigualdade social e material entre as pessoas neste país de tantos escândalos nos governos. É fácil pronunciar nos cantos e recantos que todos são iguais perante à lei; papel aceita tudo que nele se inscreve; difícil é concretizar uma sólida igualdade formal ou material. Se alguém sair às ruas neste exato momento certamente será inevitável deparar com seres humanos jogados debaixo de marquises, expostos às intempéries, dormindo em camas improvisadas, de papelões, debaixo de viadutos, crianças pedindo esmolas nos sinais de trânsito, gente morrendo de fome nos aglomerados humanos, pacientes morrendo nas portas de hospitais, gente morando em locais sem atendimento de esgotamento sanitário, sem direito a água potável, isso sim, é uma grave violação dos direitos humanos.

E os responsáveis por essas mazelas são sem sombras de dúvidas os detentores do poder político; aqueles que assumem compromissos nas campanhas eleitorais e depois de eleitos, viram as costas para a população; os tapinhas nas costas não existem mais; aquelas visitas diárias ficarão somente na lembrança e recordações nas fotos; agora o bonitão, empregado do povo não atende mais o telefone; o pobre continua morando em ruas esburacadas, com esgoto correndo a céu aberto, sem médicos nos postos de saúde, escolas sem infraestrutura, profissionais desvalorizados, a grande maioria do povo sem emprego e sem perspectivas, enfim, sem esperança, sem lenço e sem documentos. Mais um estelionatário eleitoral lançado no poder, se achando o maioral, a última Coca-Cola do deserto. Como bem retrata a canção temática: Tem alguém levando lucro; tem alguém colhendo o fruto; sem saber o que é plantar; tá faltando consciência; tá sobrando paciência; tá faltando alguém gritar; feito um trem desgovernado. Quem trabalha tá ferrado, nas mãos de quem só engana, feito mal que não tem cura, estão levando à loucura, o país que a gente ama. 2

Nesse sentido, torna-se relevante citar a Agenda 2030, agenda de Direitos Humanos das Nações Unidas, que integra 193 Países membros e que foi recepcionada pelo Poder Judiciário Brasileiro, por meio do Conselho Nacional de Justiça, tendo como marco inicial a criação do Comitê Interinstitucional da Agenda 2030. O primeiro objetivo é justamente acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.

Para concluir, aporofobia ainda não tem tipicidade no ordenamento jurídico brasileiro, e nem se admite analogia in malam partem, como se afirmou em epígrafe; mas a atitude discriminatória de determinadas pessoas, a sua rejeição, aversão, atitudes preconceituosas, motivadas pela odiosa condição de pobreza, pode se transformar numa situação diametralmente inversa, isto porque há pessoas dotadas de recursos financeiros, mas são arrogantes, prepotentes e pobres de espírito; de outro lado, há pessoas desprovidas de recursos financeiros, mas extremamente ricas por dentro, de vísceras altruístas, pessoas de almas boas, de corações bondosos, mesmo porque o dinheiro pode acabar num dado momento; mas a beleza, a lhaneza moral, a nobreza de caráter são atributos perenes, que duram pela vida inteira.

Nessa toada, afirma-se: ter ojeriza das pessoas por condição de pobreza é violar gravemente os princípios mais comezinhos dos direitos humanos; as pessoas nascem livres e são iguais; ricos ou pobres; não existe diferença entre as pessoas pela profundidade ou capacidade de suas algibeiras no armazenamento de dinheiro nem mesmo pela existência de cofres em apartamentos suntuosos de ricos; a nobreza de caráter vale mais que dinheiro; dignidade é mais valioso que grandes posses; o dinheiro compra objetos, adquire joias raras; mas não adquire patrimônio moral nem honradez; o maior diamante é a integridade moral das pessoas; a maior liberdade é poder contar de sua honradez, de seus princípios e valores inegociáveis; dinheiro se compra patrimônio, bens materiais, mas não adquire patrimônio moral; dinheiro se encontra em caixas eletrônicos, em chaves de PIX num portátil celular, mas a dignidade é bem fora do comércio, é algo transcendental que lança luzes de sabedoria, raios de amor, e plenitude de candura no coração da humanidade; as pessoas merecem respeito independentemente de sua condição de idade, raça, cor, sexo, etnia, procedência nacional, deficiência, condição de pessoa idosa, opção religiosa, ou condição de pobreza ou riqueza; respeita-se o ser humano; exige-se respeito aos animais não humanos, tudo isso, simplesmente, pelo inexorável direito natural de existência com dignidade.

A pobreza material, aquela marcada pelo desprovimento ou escassez de recursos, que podem levar à fome, é a mais cruel forma de violação dos direitos humanos; uma aliança Global contra a Fome e Pobreza é medida que se impõe; desigualdades sociais e pobreza conduzem à fome; privar o ser humano de alimentos é insofismável ação de tortura, cruel, nojenta e pavorosa, implicando diretamente na qualidade de vida e saúde física e mental das pessoas. Ser humano não nasceu para ter fome; ele existe é para viver de barriga cheia; gente é para viver, amar, sorrir; a fome deve ser excluída do dicionário do mundo; pensar num mundo com pessoas passando fome, é algo que nos remete à tortura do próprio pensamento. Somente um país com igualdade de oportunidades é capaz de estimular o fim da pobreza, e consequentemente, deletar a fome do seu vernáculo e do seu glossário. Como bem lembra Ismail Serageldin, a fome é um Holocausto silencioso. Custa milhares de vidas e, ainda assim, não gera comoção ou debate.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 18 de novembro de 2024.

BRASIL. Código Penal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 18 de novembro de 2024.

BRASIL. Projeto de Lei nº 3135, de 2020. Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2254552&fichaAmigavel=nao>. Acesso em 19 de novembro de 2024.

BRASIL. Projeto de Lei nº 355, de 2024. Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2418321>. Acesso em 19 de novembro de 2024.


Notas

  1. Definição da wikipedia. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Aporofobia>. Acesso em 18 de novembro de 2024.

  2. CAMARGO. Zé Di; CAMARGO. Luciano. Meu país. Disponível em <https://www.letras.mus.br/zeze-di-camargo-e-luciano/85344/>. Acesso em 18 de novembro de 2024.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Fome e pobreza: graves violações de direitos humanos. Aporofobia é crime?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7814, 22 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111835. Acesso em: 23 nov. 2024.

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