22/11/2024
Os atos de admissão de pessoal em final de mandato nos entes públicos encontram regramento tanto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) como na Lei das Eleições, levantando dúvidas e questionamentos sobre qual norma jurídica prevalece em caso de eventual divergência entre elas. Os Órgãos de Controle Externo a quem foi atribuído fiscalizar o cumprimento da LRF, deverão encontrar a necessária clareza na Teoria do Direito, mais precisamente na técnica da hierarquização das normas.
A hierarquia das normas, ou pirâmide normativa, e que escalona as normas de maior importância para menor relevância, foi criada pelo jurista Hans Kelsen em 1934. Essa hierarquia das leis é um princípio fundamental do sistema jurídico brasileiro, que organiza as normas legais em níveis de importância e aplicabilidade, garantindo que leis de menor hierarquia estejam sempre alinhadas às de maior hierarquia.
Assim, a Constituição Federal de 1988 está no topo da pirâmide normativa, seguida pelas leis e, por fim, pelos atos administrativos, que são a base desta.
A hierarquia pode ser visualizada da seguinte maneira: 1º – Constituição Federal; 2º – Emenda Constitucional; 3º – Lei Complementar; 4º – Lei Ordinária; 5º – Lei Delegada; 6º – Medida Provisória; 7º – Decreto Legislativo; e 8º – Resoluções/Portarias.
As três primeiras posições versam sobre questões nacionais, sendo a Emenda a modificação da Constituição naquilo que não for cláusula pétrea e a Lei Complementar dispositivo que regulamenta matéria contida na Constituição mas que necessita de complementação por determinação expressa desta. As Leis Ordinárias (ou residuais) são aquelas que não se enquadram nas espécies anteriores, podendo ser editadas pela União, Estados membro, Distrito Federal e Municípios.
As leis complementares, ao contrário das leis ordinárias, exigem um quorum qualificado para a sua aprovação, ou seja, a maioria absoluta dos votos nas duas Casas do Congresso e, por este motivo, as leis complementares são hierarquicamente superiores às leis ordinárias.
Nesse contexto, a Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) está hierarquicamente acima da Lei Ordinária 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).
A LRF no seu art. 21 já tratava do controle da despesa total com pessoal antes da Lei Complementar 173/2020, pois não se poderia aumentar a despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato. Atualmente, após a alteração, além de não poder aumentar despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato, também é nulo o ato de que resulte tal aumento da despesa com pessoal e/ou que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato.
Essas regras existem porque senão o gestor sairia do poder com uma ótima reputação no âmbito da Administração Pública (empossou servidores; aumentou remuneração de servidores), o que pode lhe ajudar numa eleição, e, “de quebra”, ele ainda deixaria uma “herança maldita” para o seu sucessor.
O aumento de despesa total com pessoal no último ano do mandato ou legislatura é tipificado como crime contra as finanças públicas no Código Penal Brasileiro: Art. 359-G. “Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura”. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Essa vedação materializa-se com o aumento da despesa nos 180 dias finais do mandato do titular do Poderes Executivo e Legislativo, o que não é novidade. Isso significa que nenhum destes Poderes ou Órgãos autônomos (aplica-se somente aos titulares ocupantes de cargo eletivo dos Poderes referidos no art. 20) poderá dar causa a aumento de despesas de pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato, tampouco aumentar a despesas que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato.
Essas restrições, como preceituam o § 1º do artigo 21, da LRF aplicam-se, inclusive, durante o período de recondução ou reeleição para o cargo de titular do Poder, Governador, Prefeito ou Presidente do Legislativo. Proíbe-se com isso, a transferência de compromissos que onerem orçamentos de mandatos posteriores.
Notas e Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 22 de novembro de 2024.
BRASIL. Constituição do Estado do Piauí de 1989. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70447/CE_PI_EC_054-2019_com_EC_55-61.pdf?sequence=8&isAllowed=y6 de julho de 20246 de julho de 2024>. Acesso em: 22 de novembro de 2024.
BRASIL. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 22 de novembro de 2024.
BRASIL. Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997. Lei das Eleições. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm>. Acesso em: 22 de novembro de 2024.
BRASIL. Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000. Lei de Crimes Fiscais. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L10028.htm>. Acesso em: 22 de novembro de 2024.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 22 de novembro de 2024.