A MULTA COMO MEIO COERCITIVO PARA O ADIMPLEMENTO DO DEVER DO GENITOR NÃO-GUARDIÃO DE “VISITAR” O FILHO.
Marcos Bonfim. Pós-graduado em Direito das Famílias e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná.
Situação corriqueira no Direito de Família é a do genitor não-guardião que deixa de “visitar” o filho na forma como estipulado pela decisão judicial.
A partir disso, surge a indagação: é possível fixar multa para que este genitor cumpra com o regime de “visitas”?
A essa pergunta, doutrina e jurisprudência não dão uma resposta unânime, razão pela qual o presente artigo visa contribuir para a discussão.
Nesse passo, entende-se que quando a criança e o adolescente eram consideradas objeto do pátrio poder, fazia sentido que as “visitas” fossem tomadas como mera prerrogativa do genitor não-guardião.
No entanto, desde o advento da Constituição Federal de 88, a criança e o adolescente são compreendidos, no ordenamento jurídico brasileiro, como sujeitos de direito, e merecedores de proteção especial (dispõe o art. 227 que à criança e ao adolescente devem ser assegurados direitos com “absoluta prioridade”).
Assim, a questão deve ser analisada pelo prisma não da vontade do genitor, mas do melhor interesse do infante.
E, examinando a questão por este viés, não pode ser outra a conclusão senão a de que há um direito da criança e do adolescente de manter próxima relação com os seus pais, contando com estes para a sua educação e criação, e tendo-os em sua companhia. Isso se afigura propício ao seu sadio desenvolvimento, ofertando condições para uma adequada formação psicológica e inserção social do infante.
A esse direito corresponde um dever jurídico dos pais, uma verdadeira obrigação de fazer, personalíssima, que, para o seu adimplemento, pode levar à fixação de multa pelo magistrado, como meio de coerção.
É dizer, se o genitor, injustificadamente, não atende à sua obrigação elementar de visitar o filho na forma estipulada pela decisão judicial, pode ser compelido a tanto pelo juiz da causa, por meio da ameaça de multa.
Nesse sentido é a opinião de Maria Berenice Dias:
[...] deixou o direito de convívio de ser um direito da mãe ou do pai de ter o filho em sua companhia. É muito mais um direito do filho de conviver com o genitor que não detém sua guarda. Assim, há uma obrigação – e não simples direito – dos pais de cumprirem os horários de visitação. Trata-se de um dos deveres inerentes ao poder familiar [...] O direito de convivência gera uma obrigação de fazer infungível, obrigação personalíssima, que deve ser cumprida pessoalmente. Nada impede que seja buscado o adimplemento, mediante a aplicação da chamada astreinte: tutela inibitória, mediante a aplicação de multa diária. Nada mais do que um gravame pecuniário imposto ao devedor renitente para que honre o cumprimento de sua obrigação. Instrumento de pressão psicológica, verdadeira sanção, destinada a desestimular a resistência do obrigado, de modo que ele se sinta compelido a fazer o que está obrigado”.
Não é outra a lição de Rolf Madaleno:
“As visitas se constituem antes de tudo, em um direito da criança ou do adolescente, de manter integral comunicação com o genitor que não ficou com sua custódia, e para com todas as demais pessoas que têm ou tiveram um enorme significado na sua vida e formação pessoal [...] dever que os genitores devem exercer a fim de atender aos superiores interesses da criança e adolescente preconizados pelo artigo 227 da Constituição Federal [...] sendo pertinente a imposição diária das astreintes tanto para aquele que deve visitar e não visita [...]”
Destaque-se que objeção comum a esse entendimento é a de que o amor ao filho não pode ser imposto pelo ordenamento jurídico.
A ela é possível responder, no entanto, que não se impõe, com a multa, uma obrigação de amar a prole, mas se exige um dever civil de cuidado, extraído da normativa constitucional supracitada. Se trata de exteriorizar, em regra jurídica, o sentimento de afeto, quer ele exista ou não, lançando mão dos meios coercitivos para a observância dessa regra.
Por fim, resta, entretanto, um questionamento razoável a ser feito: exigir do genitor não-guardião que esteja em companhia do filho será sempre benéfico a este?
A resposta é negativa. Há casos e casos. Nem sempre a ameaça de multa para o cumprimento do regime de “visitas” será recomendada. Muito embora a medida preconizada nesse artigo possa estimular o nascimento de um verdadeiro afeto entre pai e filho – para o que, muitas vezes, basta um “empurrão” –, ela pode ter efeito contrário.
Adverte Carlos Roberto Gonçalves que, premido pela ameaça de multa, pode o genitor irresponsável expor a criança ou adolescente a um abuso psicológico, “como forma de provocar na parte adversa o desejo de vê-lo longe da prole”.
Nessas hipóteses, é certo, a insistência no adimplemento do regime de “visitas” será perniciosa.
A conduta, sob pena de premiar a desídia do genitor, poderá ser objeto de sanção punitiva, cuidando-se do tema da indenização pelo chamado “abandono afetivo”, que visa também, é claro, compensar a vítima pelos efeitos nefastos sofridos a partir da violação do dever parental.
Assim, em conclusão, a) há uma obrigação do genitor não-guardião de “visitar” o filho; b) para o adimplemento dessa obrigação, pode-se fixar multa; c) nem sempre será recomendado perseguir o cumprimento específico da obrigação, que poderá ser “substituída” por uma indenização.