O ato ordinatório não tem rosto!

Leia nesta página:

Quando iniciei a labuta jurídica ainda eram físicos os autos.

Confeccionava-se a petição inicial, reunia-se os documentos essenciais (e alguns não tão essenciais assim) e dirigia-se à Distribuição do Foro.

Lá o servidor, após uma breve conferência, recebia a documentação e devolvia a via com o devido protocolo.

O feito era cadastrado e seguia seu tramitar.

A modernidade chegou ao processo, inicialmente com o processo eletrônico, mas com protocolo físico perante a distribuição, ou seja, pouco mudando da atribuição de cada parte.

Contudo, tal durou pouco. Logo logo o protocolo passou a ser feito pelos agentes postulantes perante o Poder Judiciário.

Por um bom tempo o processo eletrônico e o atuar dos agentes tentava espelhar a forma “física” de trabalhar .

As novas tecnologias cada vez mais agilizam o processo e possibilitam o intercambiamento de atos, como por exemplo a remessa de comunicações e ordens do Poder Judiciário às Serventias Extrajudiciais.

As intimações “brotam” em nossas telas de segunda a segunda, fazendo com que a engenharia laboral antes pensada tivesse que ser reformulada para acompanhar o novo ritmo e a nova forma.

Mas não é só isso.

Ao que parece, além da modernização visando agilizar o processo, o Poder Judiciário cada vez mais está atribuindo às partes atos, atitudes e condutas que são atribuição dele mesmo. E mais, e pior ainda, estão classificando como meros atos ordinatórios atos e situações processuais que criam ônus e sanções processuais às partes.

No primeiro caso vemos “atos ordinatórios” com texto (e muitos fora do contexto, se me permitem o trocadilho) como os que seguem:

“Intime-se a parte autora para elencar os eventos onde constam as peças previstas no artigo 655 do CPC e eventuais outros documentos que pretenda sejam indexados ao formal de partilha eletrônico.”

“Diga a parte como quer prosseguir”

Ora, se cabe aos postulantes analisar o processo para confeccionar as peças que são de sua atribuição (v.g contestação, réplica, memoriais, recursos etc) e cabe ao Juiz analisar o processo para proferir decisões interlocutórias ou definitivas, não cabe ao servidor analisar o feito e verificar onde se encontram as peças para formar o instrumento que é sua atribuição fazer?

Se o processo se desenvolve por impulso oficial, não cabe ao servidor verificar qual o andamento e, caso dependa de decisão fazer os autos conclusos?

E mais, em que pese a Lei Adjetiva preveja que os servidores possam praticar atos ordinatórios (situação umbilicalmente ligada ao princípio do impulso oficial), com base no PROVIMENTO Nº 20/2023-CGJ, o que se vê hoje é a banalização de tal hipótese.

E mais, em caso em que o impulso oficial deveria ser simplesmente intimar a parte exequente sobre a certidão do mandado de intimação para pagamento devido cumprido e após transcorrido o prazo, o dito “ato ordinatório”, trasmuda-se em verdadeira “ordem”, como no seguinte exemplo real: “À parte exequente/credora: junte a planilha com o valor atualizado da dívida (com acréscimo de multa e honorários - evento 4, DESPADEC1 ) e diga sobre o prosseguimento do processo.”, ou até mandando o autor esclarecer porque juntou um documento antes mesmo do feito ser feito concluso, pasmem (“Intime-se o autor para que esclareça o motivo da juntada dos documentos constantes nos evento 1, CHEQ7 e evento 1, EXMMED13, considerando que referem-se a pessoa estranha ao feito.”.

Ordens e mais ordens surgem das criativas mentes dos atos ordinatórios, como “determinar” que o autor informe e-mail e telefone do réu, sendo que LEI trata como opcional tal informação.

Dia desses após um “Diga o credor/exequente como quer prosseguir”, singelamente pedi que queria o prosseguimento com a leitura do processo….

No início do curso já iniciava um estágio voluntário, onde descobrir o mundo forense foi uma alegria. Buscar processo, devolver processo, tirar cópia, atender as pessoas, minutar petições, falar com os servidores etc. o intercambiamento das relações pessoais era uma inundação de crescimento pessoal e aprendizado. Com o tempo você sabia como tal Juiz costumava decidir, como tal Escrivão orientava, qual servidor era mais simpático e por ai vai.

Com o processo digital muita coisa mudou, sumindo o vai e vem físico. Mas mantinha-se a pessoalidade. Você conhecida as pessoas por detrás dos movimentos e eventos processuais. Com a criação do Multicon esvaziaram-se os cartórios, restando mesas vazias e um judiciário sem rosto e seus atos ordinatórios.

Por saudosismo puro ainda mantenho a velha agenda de papel, essa ninguém me tira.

Sobre o autor
Eugenio Pedro Gomes de Oliveira Junior

Defensor Público titular da 4ª Defensoria Pública de Ijuí/RS, com atribuição na Juizado da Infância e Juventude, Terceira Vara Cível, Juizado Especial da Fazenda Pública e atendimento e ajuizamento. Empossado na DPE/RS em 2008 atuou nas Defensorias Públicas de Osório, São Borja e Santo Ângelo. Integrou os Núcleos de Defesa em Execução Penal (NUDEP) e Defesa do Consumidor e Tutelas Coletivas (NUDECONTU) Integrou o Conselho Superior da Defensoria Pública (CSDPE) representando a Classe Final, no biênio 2020/2022. Graduado em Direito pela Unijui em 2005. Cursou a Escola Superior da Magistratura e a Escola Superior do Ministério Público. Foi Oficial Escrevente Judicial na Comarca de Esteio/RS Aprovado no Concurso Público para Delegado de Polícia Civil/RS e Analista Judiciário da MPF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos