Controle do aumento da despesa com pessoal: a importância da LRF

Resumo:


  • A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é uma importante legislação que estabelece critérios e normas para a gestão responsável das finanças públicas, baseando-se em pilares como planejamento, transparência, controle e responsabilidade.

  • A LRF prevalece em relação à Lei das Eleições quando se trata de questões relacionadas à admissão de pessoal, proibindo atos que resultem em aumento de despesa nos 180 dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder ou órgão autônomo.

  • O objetivo da LRF é garantir o equilíbrio das contas públicas, controlar o endividamento, promover transparência na gestão fiscal, estabelecer responsabilidade na execução orçamentária, definir limites para gastos com pessoal e promover o planejamento e controle das finanças.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Um dos pontos mais sensíveis na Administração Pública é o controle de despesas com pessoal, devido à sua representatividade no total de gastos dos entes. Antes de a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) trazer regras mais rígidas para as contas públicas, em todos os níveis de governo, impondo o cumprimento de metas e atribuindo mais responsabilidades aos gestores, a principal legislação do País sobre contas públicas era a Lei 4.320/1964, que fixa as bases e definições para o funcionamento das finanças governamentais.

O contexto histórico anterior à edição da LRF nos anos 1990 começou com instabilidade, com o confisco de poupanças pelo presidente Fernando Collor. Os negócios escusos de Collor mais tarde levariam milhares de jovens (mobilizados por uma forte campanha de mídia) a criarem o movimento dos "caras-pintadas" e pedirem seu impeachment. A economia brasileira passou por profundas transformações, a principal delas foi a implantação do Plano Real, um conjunto de reformas econômicas implementadas no Brasil, em 1994, no governo de Itamar Franco que conseguiu, enfim, controlar a inflação estratosférica que corroía a renda dos brasileiros. Mesmo assim, a década de 1990 foi marcada pela aceleração da abertura externa e pela crise financeira dos estados-membros e dos bancos estaduais e privados, todos socorridos pelo Governo Federal a partir de programas específicos.

Sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 4 de maio de 2000 e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, quando também passou a vigorar, a lei obriga que as finanças sejam apresentadas detalhadamente ao Tribunal de Contas (da União, dos Estados ou dos Municípios). A Lei Complementar 101/2000 - LRF é uma importante lei que busca estabelecer critérios e normas para a gestão responsável das finanças públicas. Para que os objetivos sejam alcançados, ela se fundamenta em quatro pilares: o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilidade.

Já a Lei 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições, estabeleceu algumas regras para regulamentar o registro de candidatos, os recursos usados nas campanhas, as propagandas eleitorais, as coligações partidárias e outras peculiaridades, dentre as quais limitação temporal para admissão de servidores públicos com o objetivo de barrar o uso inadequado da máquina pública para proveito político de candidato à reeleição.

No tema admissão de pessoal, no entanto, quando proíbe “qualquer ato” que represente aumento da despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão autônomo, a LRF prevalece em relação à Lei das Eleições, uma vez que é lei posterior e mais abrangente do que esta. Não é seu objetivo principal regulamentar questões eleitorais. Ela incorpora em sua estrutura normativa regras que restringem determinadas condutas dos agentes públicos inclusive durante anos eleitorais, que é o objeto do art. 21. Tais normas são destinadas a preservar o equilíbrio fiscal, impedindo o aumento de despesas ou dívidas para o exercício subsequente, inclusive a vedação de aumento de gasto com pessoal, regramento este trazido pela Lei Complementar 173/2020 (alterou o artigo 21, IV, alínea “b” da LRF) para deixar claro que: “É nulo de pleno direito: IV - a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando: (...) a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou b) resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo”.

A proibição e as exceções à admissão de pessoal estipuladas no art. 73, V, da Lei das Eleições devem ser examinadas em conjunto com a LRF observando, inclusive, a hierarquia normativa e o fato da LRF ser mais recente, no que diz respeito às restrições a atos que resultem em aumento de despesas com pessoal. Enquanto a vedação na Lei das Eleições visa impedir atos de admissão de pessoal no período que indica, a LRF, em seu art. 21, incisos II, III e IV estabelece tais atos nulos de pleno direito.

De modo que a vedação da LRF não é direcionada à regulamentação de direitos políticos ou do pleito eleitoral, possuindo finalidade mais ampla que é a de garantir a moralidade pública e a regularidade fiscal de atos praticados por todos os administradores públicos, evitando o comprometimento dos orçamentos futuros e inviabilização de novas gestões, independente de se sujeitarem ao processo político-partidário.

Seguindo esse entendimento, o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia (TCE/RO) em resposta a consulta formulada pelo Ministério Público do Estado de Rondônia – MPE/RO sobre as proibições inseridas na Lei de Responsabilidade Fiscal pela Lei Complementar 173/2020 (PROCESSO: 01498/22–TCE-RO) decidiu que é vedada a edição de ato para nomeação de aprovados em concurso público, quando resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no artigo 20, bem como resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão autônomo referido no art. 20.

Em termos doutrinários, o artigo intitulado “Prefeitos em fim de mandato devem atentar para regras e contas” do Conselheiro Dimas Ramalho do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE/SP), publicado no jornal Folha de São Paulo de 23 de janeiro de 2024, expõe que “Também será nulo qualquer ato que resulte em aumento de despesa com pessoal, a exemplo de gratificações, nos últimos 180 dias, segundo o art. 21, II. Já o art. 38, IV, b, veda operações de crédito para antecipação de receita, a fim de evitar gambiarras insustentáveis nas finanças”.

Corroborando tal entendimento, na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN 6.394 Distrito Federal de 23/11/2020, o Supremo Tribunal Federal - STF, por unanimidade, decidiu que medida que acarrete a execução de gastos públicos continuados, como a contratação, o aumento remuneratório e a concessão de vantagens a servidores da área da saúde, não encontra fundamento constitucional, nem mesmo no regime fiscal extraordinário estabelecido pela Emenda Constitucional 106/2020 (Enfrentamento ao Coronavírus). Com efeito, nesta ADIN, ajuizada pelo Governador do Estado do Acre mediante a qual requer que seja conferida interpretação conforme a Constituição aos arts. 19, 20, 21, 22 e 23, da LRF, de modo a afastar as limitações de despesa com pessoal, contratação, aumento remuneratório e concessão de vantagens aos servidores da área da saúde, o STF preserva a LRF “Para acentuar a imperiosidade de observância dos tetos estipulados, os arts. 21 a 23 da LRF ainda estabeleceram sanções aos inadimplentes, que vão desde a nulidade dos atos de extrapolação dos limites de despesa até a vedação do recebimento de transferências voluntárias e de realização de operações de créditos enquanto subsistente o excesso”.

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Finalmente, observa-se claramente que o art. 21, da LRF, ao vedar, sob pena de nulidade, atos de que resulte aumento de despesa no fim do mandato, possui uma dupla finalidade. De um lado, garantir o equilíbrio das contas públicas, evitando a oneração da gestão seguinte por ação incompatível do gestor anterior; por outro lado possibilitar margem orçamentária para execução de políticas públicas.

Assim, durante todo o período do mandato é obrigatório atentar para o monitoramento do equilíbrio fiscal, elaborando os demonstrativos do cumprimento das regras previamente estabelecidas. Com o final do mandato eletivo é necessária a verificação dos indicadores da responsabilidade fiscal com o objetivo de evitar que o ciclo político comprometa o equilíbrio das contas públicas.

Qual a importância da LRF? Equilibrar as contas públicas; controlar o endividamento; transparência na gestão fiscal; responsabilidade na execução orçamentária; limites para gastos com pessoal; e planejamento e controle das finanças.


Notas e Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 25 de novembro de 2024.

BRASIL. Constituição do Estado do Piauí de 1989. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70447/CE_PI_EC_054-2019_com_EC_55-61.pdf?sequence=8&isAllowed=y6 de julho de 20246 de julho de 2024>. Acesso em: 25 de novembro de 2024.

BRASIL. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 25 de novembro de 2024.

BRASIL. Lei 4.320, de 17 de março de 1964. Lei de Finanças Públicas. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm>. Acesso em: 25 de novembro de 2024.

BRASIL. Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997. Lei das Eleições. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm>. Acesso em: 25 de novembro de 2024.

BRASIL. Lei 10.028, de 19 de outubro de 2000. Lei de Crimes Fiscais. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L10028.htm>. Acesso em: 25 de novembro de 2024.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 25 de novembro de 2024.

Sobre os autores
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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