É verdade que se meu marido falecer terei que dividir nosso patrimônio inclusive com os filhos do seu primeiro casamento?

27/11/2024 às 15:14
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NA VERDADE a pergunta não deve ser "SE" falecer mas "QUANDO" falecer pois, efetivamente, esse é um momento do qual só não se sabe a data (em muitos casos). A morte é uma das poucas coisas das quais se pode ter certeza, dada nossa finitude... Como falamos em muitas passagens por aqui, a Lei determinará quem tem o direito de receber herança e tais regras - bem complexas diga-se de passagem - deverão ser observadas no processo sucessório, seja ele resolvido via PROCESSO JUDICIAL, seja por INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL, nos termos da Lei 11.441/2007, em Cartório. Os descendentes (filhos, netos, bisnetos etc, infinitamente) são, por Lei, os primeiros indicados para receber herança, conforme inciso I do art. 1.829 do Código Reale.

O Professor e Advogado, Dr EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE (Comentários ao Novo Código Civil. 2009) explica muito bem esse ponto:

"Descendentes, em primeiro lugar, porque os filhos, pela juventude e inexperiência de vida, são os que MAIS PRECISAM do auxílio financeiro para se encaminhar na vida. Herdeiros 'privilegiados', na ótica de Bevilacqua, 'em virtude do imperioso dever que a todos se impõe, de cuidar da prole, e de facilitar-lhes os meios de vida'".

Dentre muitos outros, dois aspectos importantes a respeito da transmissão da herança para os descendentes estão cravados nos artigos 1.833 e 1.834 do Código Civil, senão vejamos:

"Art. 1.833. Entre os descendentes, os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação".

"Art. 1.834. Os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes".

De acordo com as referidas regras, havendo diversos graus de herdeiros descendentes (filhos, netos e bisnetos, por exemplo) aqueles que são mais próximos ao defunto (ou seja, os filhos, que são descendentes de 1º grau) terão preferência para receber a herança, afastando os demais (netos - que são descendentes de 2º grau - e os bisnetos - que são descendentes de 3º grau). A exceção, está na parte final do referido artigo 1.833, relativamente ao direito de representação que já falamos em outras ocasiões, baseado no art. 1.851 do mesmo Código. Importa também destacar que de acordo com a regra do art. 1.834 referida acima o direito sucessório dos descendentes da mesma classe será IGUAL para todos os descendentes, não tolerando a Lei qualquer discriminação entre esses descendentes. A referida regra só confirma regra constitucional que inadmite discriminação entre os filhos, algo possível antes da Carta de 1988 - que reza no par.6º do seu art. 227:

"§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão OS MESMOS DIREITOS e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

Por tal razão fica claro que havendo filhos anteriores, oriundos de outros casamentos, uniões estáveis - ou mesmo havidos por qualquer outra forma possível - não poderá haver discriminação entre eles, especialmente no que diz respeito a DIREITOS SUCESSÓRIOS, tão bem guardados e garantidos no inciso XXX do art. 5º da CRFB/88. Não por outra razão, portanto, a partilha de bens daquele que deixar diversos filhos deverá ser realizada IGUALMENTE em favor de todos eles que deverão receber um mesmo quinhão dos bens transmitidos pelo ascendente comum, não importando se são filhos do casamento/união atual ou de casamento/união anterior. Com toda certeza existem ferramentas que podem ser utilizadas para suplantar LEGALMENTE essa transmissão - e o risco de ter que dividir bens com filhos do falecido oriundos de casamentos anteriores - o que, com toda certeza, requer a atenção de um Advogado Especialista em questões sucessórias e patrimoniais.

POR FIM, é preciso recordar que a não inclusão de herdeiro descendente que tenha direito a quinhão hereditário, na forma dos artigos 1.833 e 1.834 em inventário (judicial ou extrajudicial) é passível de sanções legais, inclusive a condenação por LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, como destaca com acerto decisão do TJPR:

"TJPR. 0054165-15.2019.8.16.0000. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCEDIMENTO DE INVENTÁRIO. DECISÃO AGRAVADA QUE RECONHECEU A QUALIDADE DE HERDEIRA DE PESSOA NÃO INDICADA PELA INVENTARIANTE NAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES E A CONDENOU AO PAGAMENTO DE MULTA DE POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INSURGÊNCIA DA INVENTARIANTE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CARACTERIZADA. SUBSUNÇÃO DOS FATOS À HIPÓTESE DO ARTIGO 80, INCISO V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. INVENTARIANTE QUE TINHA CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DA FILHA DO PRIMEIRO CASAMENTO DO FALECIDO E OMITIU A SUA EXISTÊNCIA. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. Nos termos do artigo 1.845 do Código Civil de 2020, os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes Inexiste, in casu, justificativa para a não inclusão da filha do falecido do primeiro casamento no rol de herdeiros necessários. Inventariante que tinha conhecimento da existência de herdeira. Litigância de má-fé configurada. Recurso de agravo de instrumento conhecido e desprovido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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