Resumo: Este trabalho analisa a responsabilidade dos árbitros no contexto da arbitragem, enfocando a interação entre a ética, a transparência e a eficácia das decisões arbitrais. A pesquisa justifica- se pela necessidade de compreender os limites da atuação arbitral e as implicações da responsabilização dos árbitros, especialmente em um ambiente onde a confiança nas decisões é fundamental. Os objetivos incluem identificar os fatores que influenciam a percepção da responsabilidade dos árbitros e explorar como a capacitação e a prática ética impactam a credibilidade do processo arbitral. A metodologia adotada consistiu em uma revisão da literatura existente, complementada por uma pesquisa empírica com profissionais da área. Os principais resultados indicam que a falta de clareza nas decisões e a violação de normas éticas podem levar à responsabilização dos árbitros, comprometendo a confiança das partes no sistema arbitral. As conclusões sugerem a urgência de um marco regulatório que defina claramente as responsabilidades dos árbitros e promova boas práticas, ressaltando a importância de uma formação contínua e da supervisão das decisões.
Palavras-chave: responsabilidade dos árbitros; arbitragem; ética; transparência; capacitação.
Sumário: 1. Introdução. 2. A interação entre arbitragem e poder judiciário desafios e perspectivas. 2.1. A construção brasileira da arbitragem como jurisdição. 2.1.1. A importância da Lei de Arbitragem nº 9.307/1996 e sua constitucionalidade. 2.1.2. A história da arbitragem no Brasil. 2.2. A conciliação no direito atual. 2.2.1. Processo e procedimento arbitral: fases. 3. Limites de atuação do árbitro e a responsabilidade na arbitragem. 4. Arbitragem em foco reflexões sobre responsabilidade e transparência. 5. Considerações finais. Referências
1. Introdução
A arbitragem tem se consolidado como um mecanismo eficaz de resolução de conflitos, especialmente em um contexto em que a celeridade e a eficiência são cada vez mais exigidas pelas partes em disputas comerciais e contratuais. A prática arbitral, que remonta a tempos antigos, ganhou novas nuances no cenário jurídico contemporâneo, refletindo uma transformação nas relações sociais e econômicas. Com a crescente complexidade das relações comerciais, a necessidade de métodos alternativos de resolução de disputas se torna evidente, destacando o papel da arbitragem como uma alternativa viável ao sistema judiciário. O aumento no uso da arbitragem, especialmente em setores como o comércio internacional e a construção civil, demonstra não apenas a confiança depositada nesse mecanismo, mas também a importância de compreender as responsabilidades e limitações dos árbitros nesse contexto.
Ao longo dos últimos anos, diversas legislações e práticas têm sido desenvolvidas para regulamentar a arbitragem e garantir sua efetividade. No Brasil, a Lei de Arbitragem estabelece diretrizes para o processo arbitral, assegurando a liberdade das partes em escolher árbitros e definir regras de procedimento. Entretanto, a atuação dos árbitros levanta questões sobre sua responsabilidade, uma vez que decisões mal fundamentadas ou pautadas por conflitos de interesse podem ter consequências significativas. Além disso, a relação entre a arbitragem e o poder judiciário é um aspecto crucial a ser explorado, uma vez que as decisões arbitrais podem ser desafiadas em tribunal, gerando um potencial conflito entre os dois sistemas.
O problema de pesquisa a ser abordado neste trabalho se concentra na responsabilidade dos árbitros: até que ponto esses profissionais podem ser responsabilizados por suas decisões e qual é o impacto disso na confiança das partes no sistema arbitral.
A discussão sobre a responsabilidade dos árbitros é pertinente, pois abrange questões de ética, transparência e o dever de imparcialidade, essenciais para a credibilidade da arbitragem.
A justificativa para este estudo reside na crescente importância da arbitragem no cenário jurídico brasileiro e internacional, bem como na necessidade de esclarecer as implicações da atuação dos árbitros. Em um mundo cada vez mais interconectado, onde disputas comerciais transcendem fronteiras, a arbitragem se torna uma ferramenta fundamental para a resolução de conflitos. No entanto, a confiança no sistema arbitral pode ser comprometida se não houver uma compreensão clara sobre as responsabilidades dos árbitros. A responsabilidade dos árbitros é um tema que merece atenção especial, uma vez que a sua atuação pode influenciar não apenas o resultado de um caso, mas também a percepção geral da eficácia da arbitragem como um todo.
Além disso, a análise da responsabilidade dos árbitros se reveste de relevância prática, especialmente para advogados, empresas e partes que optam pela arbitragem como forma de resolver suas disputas. Compreender os limites da responsabilidade pode auxiliar na escolha de árbitros mais capacitados e na formulação de cláusulas arbitrais mais eficazes. Essa pesquisa se propõe a contribuir para o debate sobre a ética na arbitragem e a necessidade de um framework que promova a responsabilidade dos árbitros, fortalecendo a confiança no sistema.
Os objetivos deste trabalho incluem a análise das diferentes dimensões da responsabilidade dos árbitros, a identificação dos principais fatores que podem levar à responsabilização e a avaliação do impacto dessas responsabilidades na percepção das partes sobre a arbitragem. A pesquisa busca, portanto, não apenas descrever a atual situação da responsabilidade dos árbitros, mas também propor caminhos para aprimorar a atuação desses profissionais e fortalecer a prática arbitral como um todo.
Além disso, a arbitragem também enfrenta desafios relacionados à padronização de suas práticas e procedimentos, especialmente em um contexto em que diferentes jurisdições podem adotar abordagens variadas. Essa diversidade pode gerar incertezas para as partes que buscam segurança jurídica ao optar pela arbitragem. Compreender as implicações da responsabilidade dos árbitros, neste cenário, é fundamental para que as partes se sintam confiantes em um sistema que deve ser ágil e eficaz na resolução de disputas. Portanto, este estudo também visa discutir como a harmonização das práticas arbitrais pode contribuir para uma maior previsibilidade e confiabilidade na atuação dos árbitros.
Ademais, a relação entre arbitragem e judiciário é outro aspecto crucial que merece atenção nesta pesquisa. Embora a arbitragem seja um meio alternativo de resolução de conflitos, não está totalmente dissociada do sistema judiciário. Muitas vezes, decisões arbitrais podem ser objeto de revisão judicial, o que levanta questões sobre a imparcialidade dos árbitros e a natureza das suas decisões. Essa interdependência entre os dois sistemas pode influenciar a percepção das partes sobre a responsabilidade dos árbitros, especialmente em situações em que uma decisão arbitral é contestada em tribunal. Assim, explorar essa dinâmica se torna essencial para entender como a cooperação ou o conflito entre arbitragem e poder judiciário pode impactar a confiança no sistema arbitral.
Por fim, a crescente utilização da arbitragem em diferentes setores, como o comércio, a construção e as relações trabalhistas, evidencia a necessidade de uma reflexão crítica sobre a responsabilidade dos árbitros.
2. A Interação entre Arbitragem e Poder Judiciário: Desafios e Perspectivas
2.1. A Construção Brasileira da Arbitragem como Jurisdição
A arbitragem no Brasil, apesar de debates e legislações anteriores, teve seu marco mais relevante com a promulgação da Lei de Arbitragem em 1996. Entretanto, para analisar de forma mais aprofundada sua construção como jurisdição, o período entre 1990 e 2020 é o mais significativo. Nesse intervalo, doutrinadores como Carlos Alberto Carmona já discutiam a natureza jurisdicional da arbitragem, destacando suas semelhanças com a jurisdição estatal (Carmona, 1990).
Carmona argumentava que a “arbitragem deveria ser vista como uma atividade jurisdicional, sustentando que o árbitro, ao resolver conflitos, desempenha funções similares as de um juiz, especialmente na aplicação de normas jurídicas e na decisão sobre questões legais” (Carmona, 1990). Mesmo com a diferença na origem da investidura – o juiz investido pelo Estado e o árbitro escolhido pelas partes – ambos atuam com base em um processo estabelecido, o que, para Carmona, legitima a jurisdição arbitral.
A Lei de Arbitragem elevou esse meio de resolução de conflitos ao status de jurisdição, gerando um efeito duplo: a derrogação da jurisdição estatal e a submissão das partes à jurisdição arbitral. Um exemplo desse entendimento é o artigo 8º, parágrafo único, da lei, que confere ao árbitro competência para decidir sobre a validade e eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória (Brasil, 1996).
A constitucionalidade da Lei de Arbitragem foi debatida no Supremo Tribunal Federal em 2001, durante o julgamento da Sentença Estrangeira (SE 5206), que tratava da homologação de uma sentença arbitral estrangeira. Nesse julgamento, apesar de algumas ressalvas, o STF declarou a constitucionalidade da lei, consolidando a arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro (STF, 2001).
A ratificação da Convenção de Nova York, por meio do Decreto nº 4.311 de 2002, foi um passo fundamental para que o Brasil fosse reconhecido internacionalmente como um país que respeita e adota a arbitragem como método de resolução de conflitos (Brasil, 2002). Além disso, as alterações trazidas pela Lei 13.129 de 2015 reforçaram a parceria entre arbitragem e judiciário, introduzindo ferramentas como a Carta Arbitral, que garante a executoriedade das decisões arbitrais (Brasil, 2015).
Mesmo com todos esses avanços, a arbitragem no Brasil ainda enfrenta desafios, especialmente relacionados ao seu custo, que pode dificultar o acesso à justiça por meio desse método. Contudo, sua consolidação como jurisdição é inegável, e ela continua a crescer e movimentar bilhões no mercado de resolução de conflitos.
2.1.1. A Importância da Lei de Arbitragem nº 9.307/1996 e sua Constitucionalidade
A Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que disciplina a arbitragem no Brasil, surge como um instrumento relevante para a resolução de conflitos que envolvem direitos disponíveis, proporcionando um método alternativo ao Judiciário. A arbitragem é vista como uma alternativa eficaz, promovendo uma maior celeridade processual, além de reduzir a sobrecarga do sistema judicial. Essa lei se alinha à tendência de soluções extrajudiciais de litígios, possibilitando que as partes envolvidas escolham um árbitro de sua confiança para resolver o conflito, como indicado por estudiosos da área jurídica que ressaltam o impacto da arbitragem na eficiência do sistema judicial.
Uma questão relevante que circunda o uso da arbitragem refere-se à sua compatibilidade com os princípios constitucionais, especialmente o duplo grau de jurisdição e o amplo direito de defesa. No entanto, é preciso compreender que a arbitragem se distingue do processo judicial tradicional em diversos aspectos, sendo baseada em uma convenção prévia entre as partes. O fato de as partes escolherem voluntariamente a arbitragem implica em uma renúncia ao direito de recorrer ao sistema judicial para resolver a questão, conforme preceituado na legislação vigente (Santos, 2006).
Nesse contexto, a arbitragem se caracteriza como um processo contratual que se concretiza por meio da convenção arbitral, na qual as partes envolvidas concordam em submeter o litígio a um ou mais árbitros. A decisão emitida pelo árbitro possui força de sentença, dispensando a homologação do poder judiciário, o que acarreta uma maior agilidade na resolução do conflito. Entretanto, esse cenário suscita discussões sobre a necessidade de supervisão do Estado, tendo em vista que a arbitragem, por não ser uma jurisdição estatal, não contempla a apreciação em segunda instância, como apontado por especialistas no tema.
Diversos estudiosos da área observam que a sentença arbitral tem efeito definitivo, sendo impossível recorrer a um segundo grau de jurisdição, salvo em casos específicos, como a declaração de nulidade por questões formais, conforme disposto na própria legislação. Em contrapartida, essa estrutura permite que as partes tenham autonomia para estabelecer as regras que regerão o processo arbitral, respeitando sempre os limites dos direitos patrimoniais disponíveis (Santos, 2006).
A arbitragem, portanto, se mostra como um mecanismo importante dentro do sistema jurídico brasileiro, pois, além de proporcionar uma solução mais rápida e menos burocrática para as partes envolvidas, alivia a carga do Poder Judiciário. Contudo, é essencial que as partes tenham plena ciência da renúncia de certos direitos processuais, como o recurso ao duplo grau de jurisdição, visto que a sentença arbitral é definitiva.
Em síntese, a Lei de Arbitragem nº 9.307/1996 trouxe significativos avanços ao direito brasileiro, proporcionando uma ferramenta eficiente de resolução de conflitos que, ao mesmo tempo, se alinha aos princípios constitucionais ao permitir que as partes escolham como regular suas próprias disputas, desde que respeitados os direitos patrimoniais disponíveis e as regras estabelecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
2.1.2. A História da Arbitragem no Brasil
A arbitragem, como meio de resolução de conflitos, tem suas origens no direito romano, onde se consolidou como uma alternativa ao processo judicial. Esse mecanismo foi introduzido na Europa medieval e, com o passar dos séculos, evoluiu, ganhando reconhecimento nas legislações nacionais. No Brasil, a história da arbitragem é marcada por um processo de amadurecimento que reflete a evolução do sistema jurídico do país.
Os primeiros indícios da arbitragem no Brasil podem ser rastreados desde o período colonial, embora sua prática fosse informal e limitada. A partir do século XX, o país começou a formalizar o uso da arbitragem com a promulgação do Decreto nº 19.405, em 1929. Essa norma estabelecia a arbitragem como um meio legítimo de solução de conflitos, mas ainda apresentava muitas restrições, como a exclusão de matérias de ordem pública e a necessidade de homologação judicial das sentenças arbitrais. Assim, a arbitragem começou a ser vista como uma opção viável, mas com limitações significativas (Brasil, 1929).
O marco decisivo na história da arbitragem no Brasil ocorreu com a promulgação da Lei nº 9.307, de 1996. Essa legislação representou uma revolução na forma como a arbitragem era encarada, conferindo às partes maior autonomia e liberdade para definir as regras do processo. A nova lei permitiu que as partes escolhessem o árbitro, estipulassem os procedimentos arbitrais e determinassem o local da arbitragem, além de ter ampliado as matérias que podiam ser submetidas a esse tipo de resolução de conflitos (Brasil, 1996).
Com a nova legislação, a arbitragem passou a ser amplamente adotada no meio empresarial, especialmente em contratos de grande porte, como os do setor de construção civil e comércio internacional. O reconhecimento da arbitragem como uma forma eficiente de resolução de disputas foi um fator crucial para a atração de investimentos estrangeiros e para a promoção do desenvolvimento econômico no país. (Carmona, 2009).
A adesão do Brasil à Convenção de Nova Iorque, em 2002, foi outro passo importante na consolidação da arbitragem. Essa convenção estabeleceu um padrão internacional para o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais, proporcionando maior segurança jurídica às partes envolvidas em procedimentos arbitrais. A inclusão do Brasil nesse contexto internacional reforçou a confiança das empresas na arbitragem como um meio eficaz e seguro para a resolução de controvérsias (Brasil, 2002).
Além disso, a criação de câmaras arbitrais, como a Câmara de Comércio Internacional (CCI) e a Câmara de Arbitragem do Brasil, contribuiu para a profissionalização e a padronização dos procedimentos arbitrais, promovendo a transparência e a eficiência na resolução de conflitos. (Marques; Lamy, 2019).
Nos últimos anos, a arbitragem no Brasil continuou a se desenvolver, com inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015. Essa nova legislação introduziu dispositivos que promovem a cooperação entre o Judiciário e a arbitragem, permitindo que questões relacionadas à arbitragem sejam tratadas de forma mais ágil e integrada ao sistema judicial. Além disso, o Código trouxe clareza sobre o controle judicial das cláusulas arbitrais, garantindo maior segurança para as partes envolvidas (Brasil, 2015).
Atualmente, a arbitragem é vista como uma alternativa preferencial à judicialização de conflitos, destacando-se por sua celeridade, confidencialidade e especialização. O fortalecimento desse mecanismo reflete uma mudança de paradigma no sistema de justiça brasileiro, que busca formas mais eficientes de resolver disputas.
A história da arbitragem no Brasil é um testemunho do avanço da prática jurídica e da confiança crescente das partes nesse meio de resolução de conflitos. Desde seus primeiros passos com a legislação inicial até a consolidada posição que ocupa hoje, a arbitragem se estabeleceu como uma ferramenta essencial para a eficiência e a celeridade na resolução de disputas no cenário jurídico brasileiro.
2.2. A Conciliação no Direito Atual
Como é sabido, a arbitragem se desenvolveu enormemente no Brasil nas últimas duas décadas. A edição de moderna legislação, aliada ao desenvolvimento econômico do país, o crescimento do comércio internacional e um posicionamento maduro e favorável à arbitragem da doutrina e da jurisprudência brasileiras tornaram possível ao país “recuperar o tempo perdido”, colocando-se rapidamente no rol de praticantes de arbitragem, com relevante quantidade de casos (Jesus, 2008).
O tema da arbitragem vem se desenvolvendo, estudos são formulados, revistas científicas, teses, grupos de estudos. As faculdades despertam (tardiamente) para essa realidade, prevendo disciplinas a respeito da matéria. Tudo a compor um quadro em que a arbitragem é, já há algum tempo, um tema muito debatido.
Fruto desse cenário, a reforma da legislação processual também acabou por incluir diversos temas arbitrais. Desde o Anteprojeto do CPC, elaborado por uma comissão de juristas, dispositivos específicos foram contemplados. Com a edição da Lei 13.105/2015, alguns novos tópicos de discussão foram incorporados ao universo da arbitragem.
Nesse estudo, o foco da análise está nos arts. 3º e 42 do CPC, mas há outros temas igualmente abordados no capítulo II desta coletânea, como a carta arbitral, os poderes de urgência dos árbitros, a alegação da convenção de arbitragem como matéria preliminar à contestação etc. Diz o art. 3º: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. E seu § 1º dispõe que: “É permitida a arbitragem, na forma da lei” (Carmona, 2009).
Por sua vez, determina o art. 42. que “As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”. Editada a nova lei, alguns autores vêm propondo interpretações desses artigos no sentido de que eles consagram o caráter excepcional da arbitragem, que desses dispositivos se pode extrair a conclusão pela natureza meramente contratual do instituto, afastada a sua natureza jurisdicional (Marinoni; Arenhart; Mitidiero, 2015).
Sob outra perspectiva, o processualista Daniel Amorim Assumpção Neves sustenta igualmente a natureza não jurisdicional da arbitragem. Segundo esse autor, é o próprio art. 3º, § 1º, que sugere tal aspecto porque, ao prever a inafastabilidade da jurisdição, salvo a arbitragem, o Código parece ter consagrado o entendimento de que a arbitragem não é jurisdição (Neves, 2015).
O § 1º do art. 3º contém, segundo essa perspectiva, uma exceção ao regime geral previsto no caput. O processo estatal, regulado pelo Código de Processo Civil, é a forma pela qual se materializa a jurisdição, competindo à lei, contudo, fazer a expressa ressalva de que outro método – a arbitragem – é admitida pelo ordenamento, embora não com a mesma natureza (Neves, 2015).
A interpretação do art. 3º do CPC/2015 deve ser feita no seu devido contexto. Primeiro, quanto ao contexto histórico e normativo em matéria de arbitragem, já visto nos tópicos anteriores. A disciplina legal acerca da arbitragem – objeto de lei especial – já era suficiente para permitir o reconhecimento dessa natureza jurisdicional, com todos os reflexos daí decorrentes (Carmona, 2009).
O que o CPC/2015 fez, na realidade, foi tão somente reconhecer a jurisdicionalidade da arbitragem e reforçá-la, seja por disposições gerais e programáticas como o § 1º do art. 3º, seja com disposições que regulam aspectos específicos, que ampliam a relação entre o processo estatal e o processo arbitral, notadamente para facilitar a implementação deste (Carmona, 2009).
Trazendo um breve estudo de caso da arbitragem na atualidade, temos o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“O instituto da arbitragem, regulado pela Lei 9.307, de 1996, com alterações dadas pela Lei 13.129, de 2015, veio a fortalecer a possibilidade de resolução de conflitos entre contratantes no que tange a direitos disponíveis, sem a necessidade de submissão à jurisdição estatal. Noutros temos, por meio dessa normativa, diversos problemas comuns podem ser resolvidos de forma simplificada e célere, sem que seja necessário recorrer a um processo judicial. O escopo da arbitragem é a obtenção de uma sentença arbitral, que não se sujeita a recurso ou, repita-se, apreciação pelo Poder Judiciário. Não por acaso que a lei processual é clara no sentido de que, ao adotarem essa forma de resolução dos conflitos, escapa da apreciação da jurisdição estatal qualquer divergência surgida ao longo da relação contratual (art. 337, X e 485, VII, do Código de Processo Civil). Não é muito ressaltar que a validade da cláusula compromissória não escapa da regra da Kompetenz-Kompetenz, segundo a qual o próprio 3 Tribunal de Justiça de Minas Gerais árbitro é quem decide, com precedência até mesmo ao magistrado, por força do art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.307, de 1996, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia da referida cláusula. Nesse viés, com a devida licença ao agravante, o entendimento exarado por este Relator permanece inalterado. Isso porque a inexequibilidade da cláusula, exatamente nos termos em que exarada, não suprime a vontade das partes quanto à preferência de resolução dos litígios perante o juízo arbitral. Ainda que inexequível a aplicação da cláusula perante o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE/MG, como estabelecido contratualmente, entendo não estar esvaziada sua validade. É que não fica anulada a preferência das partes pela resolução da lide mediante arbitragem e inferir o contrário feriria o disposto no parágrafo único do art. 8º da Lei 9.307, de 1996. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça confirma tal assertiva, nos termos do voto da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 450881-DF (2002/0079342-1), à unanimidade da 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 11.4.2003.
AGRAVO INTERNO 1.0000.23.088341-5/003, Relator DES. MARCELO RODRIGUES
Por fim, quanto ao previsto no art. 22-A da Lei 9.307 de 1996, faço breves considerações. A recorrente recorreu ao poder judiciário, antes de instituída a arbitragem, interpondo procedimento de tutela de urgência requerida em caráter antecedente, a fim de assegurar liminarmente a suspensão dos atos gerenciais pelo recorrido. E, no que concerne ao modelo processual instaurado, estabelece o artigo 308, do Código de Processo Civil: Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais. O pedido foi analisado e indeferido pelo magistrado de origem na data de 15 de março de 2023 (ordem 147 do sequencial 001). Todavia, decorrido o prazo supracitado, não foi instaurada discussão meritória no âmbito da jurisdição arbitral. Portanto, não existe outra alternativa além da extinção do processo sem julgamento de mérito”.
2.2.1. Processo e Procedimento Arbitral: Fases
Nosso diálogo começa com uma abordagem sobre as modalidades de instituir a arbitragem, ou seja, com uma rápida visão sobre a cláusula arbitral e sobre o compromisso (designados em conjunto, pela Lei de Arbitragem, como convenção de arbitragem), para verificar, a partir dali, como se desenrola o processo arbitral. Vou tratar então de uma fase que é, verdadeiramente, pré-arbitral, de uma fase tipicamente arbitral e de uma fase pós- arbitral: tudo isto constitui o que denomino de processo arbitral.
Notem que não falei em procedimento arbitral, mas sim em processo arbitral, porque minha visão é de perfeita equivalência entre a arbitragem (mecanismo jurisdicional) e o processo estatal (mecanismo também jurisdicional). Em outras palavras, o árbitro faz, efetivamente, o papel de juiz, de fato e de direito, e por isso a própria natureza jurídica do instituto responde a esta ideia de jurisdicionalidade (Diniz, 2019). Trata-se não só de localização propedêutica da arbitragem, mas também de um correto entendimento do instituto e das escolhas do legislador, tudo para que se possa conferir se a Lei de Arbitragem alcançou as metas propostas pelo legislador de 1996. Pois quando a Lei 9.307/1996 foi idealizada, a proposta foi no sentido de fazer reviver a arbitragem no Brasil, com uma entonação completamente distinta daquela propiciada pelo Código de Processo Civil de 1939, basicamente repetida pelo Código de Processo Civil de 1973 (Vasconcelos, 2020).
Quer dizer, a ideia do reformador de 1996 foi, realmente, montar uma fórmula eficaz de resolver controvérsias que tivesse um respaldo importante do Estado. Esse respaldo fez-se sentir no prestígio que o legislador emprestou à cláusula compromissória, como se verá mais adiante (Figueiredo, 2019).