O Tribunal do Júri, como instituição de participação popular, sempre ocupou um lugar de destaque no sistema penal brasileiro, sendo visto por muitos como um marco da democracia no Direito. Contudo, enquanto acadêmico de Direito, percebo que sua relevância não deve nos impedir de refletir criticamente sobre sua funcionalidade e sua evolução ao longo do tempo. Apesar de sua importância histórica e de sua configuração como uma garantia constitucional, é necessário ponderar se o modelo atual atende de maneira efetiva às demandas de um sistema penal que exige celeridade, eficiência e respeito aos direitos fundamentais. Ao abordar a trajetória do Tribunal do Júri, acredito ser imprescindível discutir tanto as virtudes dessa instituição quanto as críticas que ela enfrenta, avaliando também possíveis reformas para torná-la mais adequada às necessidades da sociedade contemporânea.
Contexto Histórico e Evolução
O Tribunal do Júri foi introduzido no Brasil em 1822, inicialmente com competência restrita ao julgamento de crimes de imprensa, o que refletia o contexto político e social da época. Essa origem, embora modesta, foi expandida pela Constituição Imperial de 1824, que ampliou a competência do Júri, mesmo que sua atuação prática ainda fosse limitada. Já durante o período imperial, o Código do Processo Criminal de 1832 trouxe mudanças significativas, estruturando o Júri em duas fases: a de acusação e a de julgamento. Apesar de ser um avanço para a época, considero que essa configuração complexa, somada à influência significativa das autoridades judiciais no procedimento, acabava por limitar o caráter democrático do Tribunal.
Quando a Lei nº 261 de 1841 extinguiu o Júri de Acusação, percebo que houve uma tentativa de simplificar o sistema e reduzir sua burocracia, o que pode ser entendido como um avanço importante na busca por maior eficiência. Entretanto, essa mudança não afastou as críticas ao modelo vigente, que continuava a enfrentar desafios, como a centralização de poderes nas mãos das autoridades judiciais. Com a transição para o período republicano, a Constituição de 1891 elevou o Tribunal do Júri à categoria de garantia individual, deslocando-o para o capítulo dos direitos fundamentais. Esse reconhecimento de sua relevância democrática me parece uma evolução significativa, pois consolidou a ideia de que o Júri não é apenas uma ferramenta de julgamento, mas também uma manifestação de controle social e de participação cidadã.
No entanto, ao longo do século XX, o Tribunal do Júri enfrentou oscilações em sua estrutura e relevância. A Constituição de 1946, ao restringir sua competência aos crimes dolosos contra a vida, buscou dar maior foco e objetividade à instituição, mas, na minha visão, também limitou seu potencial como espaço de julgamento popular para outras questões relevantes. Essa limitação, ainda vigente, suscita o questionamento de até que ponto essa escolha foi acertada, especialmente considerando que crimes de impacto social significativo, como corrupção e tráfico de drogas, continuam fora de sua jurisdição, mesmo sendo de grande interesse público.
Estrutura Atual e Debate Contemporâneo
Atualmente, o Tribunal do Júri é composto por um juiz presidente e um corpo de jurados leigos (futuro conselho de sentença), que decidem soberanamente sobre a culpabilidade do acusado, enquanto o juiz aplica a pena. Essa configuração mantém a separação entre a decisão técnica e a decisão popular, mas, na prática, muitas vezes expõe fragilidades que me levam a questionar sua eficiência. Por exemplo, embora seja louvável o princípio de que o réu deve ser julgado por seus pares, acredito que a ausência de formação jurídica por parte dos jurados pode comprometer a qualidade das decisões. É notório que, em algumas situações, jurados podem ser influenciados mais pela eloquência dos advogados do que pelas provas apresentadas, o que pode levar a resultados injustos.
Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento
Nesse sentido, vejo com bons olhos as propostas que sugerem a criação de programas de capacitação básica para os jurados, pois acredito que isso não retiraria o caráter popular da instituição, mas sim reforçaria sua legitimidade e eficácia. Além disso, o debate sobre a ampliação da competência do Tribunal do Júri também me parece oportuno. Embora eu compreenda que julgar crimes dolosos contra a vida já represente uma responsabilidade significativa, não consigo deixar de pensar que questões de grande impacto social, como crimes ambientais e econômicos, poderiam ser submetidas a essa instância, ampliando o alcance da participação popular no sistema penal.
Por outro lado, também é importante considerar que uma ampliação da competência precisaria ser acompanhada de reformas estruturais que garantam a celeridade e a eficiência dos julgamentos, para que o Júri não se torne ainda mais moroso do que já é. Além disso, percebo que a soberania dos veredictos, um dos pilares do Tribunal do Júri, continua a ser alvo de intensas críticas, pois há quem argumente que essa característica pode, em certos casos, levar a decisões injustas ou desproporcionais. Apesar disso, considero que essa soberania é fundamental para preservar o caráter democrático do Júri, mas reconheço que talvez fosse necessário estabelecer mecanismos de controle mais rigorosos para corrigir possíveis distorções.
Propostas de Reforma e Perspectivas Futuras
As propostas de reforma do Tribunal do Júri têm buscado soluções que conciliem sua importância histórica com as demandas do presente, e, como estudante, vejo essas iniciativas como um passo essencial para preservar a relevância dessa instituição. A eliminação do protesto por novo júri, por exemplo, parece-me uma medida necessária para evitar que réus condenados a penas inferiores a 20 anos utilizem esse recurso como estratégia protelatória. Além disso, acredito que a supressão do libelo acusatório também seria benéfica, pois se trata de uma prática ultrapassada que não contribui para o avanço do processo.
Outra proposta que merece destaque, a meu ver, é a possibilidade de realização de julgamentos sem a presença física do réu, especialmente em casos de foragidos. Embora eu reconheça que essa medida pode gerar preocupações quanto ao direito de defesa, considero que, com as devidas garantias processuais, ela poderia ser uma solução eficaz para evitar a prescrição de crimes graves. Por fim, vejo com otimismo as discussões sobre a modernização do processo de seleção dos jurados, pois acredito que maior transparência e imparcialidade nesse procedimento contribuiriam para fortalecer a confiança da sociedade na instituição.
Conclusão
O Tribunal do Júri, enquanto instituição histórica e democrática, ocupa um papel central no sistema penal brasileiro, mas é evidente que sua eficácia e relevância dependem de sua capacidade de se adaptar aos desafios do presente. Como acadêmico de Direito, acredito que o futuro do Tribunal do Júri deve ser pautado por um equilíbrio entre tradição e inovação, de modo a preservar seu caráter democrático enquanto se busca aprimorar sua funcionalidade. Para isso, é essencial que as reformas propostas sejam discutidas de forma ampla e transparente, envolvendo não apenas os operadores do Direito, mas também a sociedade como um todo, que é, afinal, a maior interessada na busca por um sistema de justiça mais eficiente, justo e acessível.