A relação entre leis e vida é um ciclo dinâmico e paradoxal: as leis mudam a vida, mas, ao mesmo tempo, a vida molda as leis. Esse diálogo contínuo transforma realidades, desafia estruturas e reflete as necessidades de uma sociedade em constante evolução.
No Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Além disso, o art. 5º, XLII, define que o racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Para regulamentar esse dispositivo, foi criada a Lei Federal nº 7.716/1989, que especifica os crimes de preconceito de raça ou cor.
Ainda assim, o racismo estrutural persiste, agindo como uma força invisível que perpetua desigualdades históricas. Ele não se limita a ações individuais, mas está embutido nas instituições, nas políticas públicas ineficazes e nas práticas sociais cotidianas. Apesar da criação de leis importantes, como a Lei Federal nº 12.711/2012 (Lei de Cotas), que reserva vagas para estudantes negros, indígenas e de baixa renda em instituições de ensino superior, a aplicação dessas normas enfrenta resistência e limitações.
Essa relação paradoxal fica evidente quando analisamos a implementação das cotas raciais. Embora tenham ampliado o acesso de grupos historicamente excluídos à educação superior, essas políticas ainda não erradicaram as barreiras impostas pelo racismo estrutural. A desigualdade permanece evidente nos dados que mostram a disparidade no acesso a oportunidades de trabalho, na distribuição de renda e até na violência racial.
O art. 3º, inciso III, da Carta Maior de 1988, estabelece como objetivo fundamental da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. No entanto, sem uma mudança efetiva nas estruturas de poder e privilégio, a promessa de igualdade continua sendo apenas uma aspiração distante.
É preciso reconhecer que, enquanto as leis podem influenciar a vida, é a vida, com suas demandas e lutas, que força as leis a se reinventarem. Por exemplo, a mobilização social que culminou na aprovação da Lei Federal nº 10.639/2003, que inclui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, demonstra como a vivência coletiva é o motor das mudanças legislativas.
Esse cenário levanta reflexões urgentes: 1) Por que as leis que visam à igualdade nem sempre geram mudanças reais na vida cotidiana? 2) Quais estratégias podem ser adotadas para garantir que as leis sejam efetivamente implementadas? e 3) Como a sociedade civil pode continuar pressionando por mudanças que enfrentem o racismo estrutural de forma profunda e duradoura?
A luta contra o racismo no Brasil exige mais do que legislação. Ela demanda um esforço conjunto de governos, instituições e sociedade para enfrentar as raízes históricas da desigualdade. É necessário perguntar: estamos realmente comprometidos com a mudança estrutural que as leis prometem? Afinal, leis podem mudar vidas, mas a vida, com sua complexidade e pluralidade, é quem dita o rumo de um verdadeiro progresso.