RESUMO
O contrato de namoro, cada vez mais comum no Brasil, visa formalizar os relacionamentos afetivos sem criar vínculos jurídicos, como ocorre na união estável. Esse contrato tem como principal objetivo evitar implicações legais, como a partilha de bens e direitos sucessórios, garantindo maior segurança patrimonial aos envolvidos. Além disso, oferece uma maneira de os casais preservarem sua autonomia, sem as obrigações que podem surgir de uma união estável, como pensão alimentícia ou herança. Sua adoção é motivada por questões jurídicas, sociais e emocionais, permitindo uma clara definição das expectativas do relacionamento e prevenindo mal-entendidos com familiares ou amigos. O contrato de namoro é considerado um negócio jurídico legítimo, desde que atenda aos requisitos do Código Civil, como a capacidade das partes e a definição clara do objeto. Apesar da ausência de uma definição legal específica, o contrato tem sido visto como uma ferramenta eficaz para evitar que o namoro seja confundido com uma união estável, especialmente quando se trata de casais que coabitam ou compartilham bens. Em casos de falecimento, pode ser utilizado como prova da intenção de não formar uma união estável. O Judiciário, portanto, deve avaliar cada situação de forma adaptada às mudanças sociais.
Palavras-chave: Transformações Sociais. Contrato de Namoro. Proteção. Estabilidade.
1 INTRODUÇÃO
As transformações sociais, especialmente com a modernidade e pós- modernidade, afetaram tanto a estrutura familiar quanto os relacionamentos interpessoais. A família tradicional, antes com funções bem definidas, agora se adapta às mudanças sociais, refletindo nas relações amorosas que passaram a ser baseadas no amor e na busca pela felicidade, ao invés de servirem apenas ao casamento. O avanço da tecnologia também alterou a forma de se conectar. A união estável, reconhecida como entidade familiar pela Constituição de 1988, agora é regida pelo Código Civil, e, com as mudanças nos relacionamentos, o namoro passou a se assemelhar à união estável, compartilhando requisitos semelhantes. (SANTOS, 2024, pg. 21).
A formalização dos relacionamentos afetivos no Brasil tem evoluído, especialmente com a introdução do contrato de namoro, que visa diferenciar a relação amorosa da união estável, prevenindo implicações jurídicas como partilha de bens e direitos sucessórios. Esse contrato, cada vez mais popular, reflete o desejo de casais por maior autonomia e proteção patrimonial, gerando o questionamento central desta pesquisa: quais são as motivações que levam os casais a optarem por essa formalização?
O contrato de namoro permite que os casais mantenham seus laços afetivos sem criar obrigações legais, ao contrário da união estável. Além das implicações jurídicas, sua adoção envolve motivações culturais e emocionais, como a preservação da independência dentro da relação. Esta pesquisa exploratória e descritiva utilizará métodos qualitativos, analisando literatura acadêmica e entrevistando especialistas e casais para investigar essas razões e como elas se entrelaçam com o direito e as dinâmicas sociais. (NIGRI, 2021, pg. 03).
A pesquisa pretende compreender as motivações por trás da formalização de contratos de namoro, uma questão emergente no cenário brasileiro. Ao focar nessa forma específica de relação, o estudo pretende esclarecer como aspectos jurídicos, emocionais e culturais influenciam essa decisão, contribuindo para uma discussão mais ampla sobre as transformações nos relacionamentos afetivos e suas consequências no campo jurídico e social.
2 MUDANÇAS CULTURAIS E O PAPEL DO DIREITO CIVIL
As mudanças culturais têm impactado profundamente as estruturas sociais e, consequentemente, as relações jurídicas. No contexto do Direito Civil, essas transformações refletem-se na adaptação de normas e princípios às novas realidades sociais. A evolução dos valores e comportamentos influenciam diretamente temas como família, contratos e direitos individuais, exigindo uma constante reavaliação das leis. O Direito Civil, portanto, desempenha um papel fundamental ao equilibrar as necessidades da sociedade e a proteção dos direitos, garantindo que as normas acompanhem o dinamismo cultural. A Carta Política de 1988 iniciou a desconstrução da ideologia da família patriarcal, que era monogâmica, centralizada na figura do pai e voltada para interesses patrimoniais. Sérgio Resende de Barros destaca que o patriarcalismo restringiu o afeto, com casamentos motivados por conveniência, visando interesses econômicos e políticos. O casamento, antes afetivo, passou a ser institucional, centrado em um modelo familiar onde o marido exercia poder supremo sobre a esposa e filhos, com foco na segurança e estabilidade econômica, sem priorizar o afeto ou a felicidade dos envolvidos. (MADALENO, 2024, pg.07).
A nova concepção de família afastou-se da antiga base biológica e passou a ser centrada nos vínculos psicológicos do afeto, reconhecendo que, na formação da pessoa humana, aspectos como educação, afeto e comunicação contínua têm muito mais relevância do que a hereditariedade. A família, despersonalizada a partir do valor do afeto, não se refere a qualquer vínculo afetivo, mas a um afeto especial e complementar, marcado pela estabilidade, coabitação, intenção de formar um núcleo familiar, proteção, solidariedade e interdependência econômica, todos inseridos em um projeto de vida comum. O artigo 1.511 do Código Civil reflete essa visão, ao estabelecer que a comunhão plena de vida é o princípio fundamental para o desenvolvimento pessoal completo dos integrantes de qualquer modelo familiar. (MADALENO, 2024, pg.09).
Como dito anteriormente a forma de relações interpessoais e o papel da família mudaram ao longo do tempo, principalmente com a transformação do papel social da mulher, que conquistou espaço no mercado de trabalho após o advento da pílula anticoncepcional. A dinâmica familiar deixou de seguir normas rígidas, tornando- se mais flexível e voltada para as necessidades pessoais. O reconhecimento da união estável foi importante para a proteção das mulheres, que antes eram dependentes financeiramente dos maridos. Contudo, com a crescente igualdade de gênero, a imposição de um casamento não é mais necessária, e a proteção ao hipossuficiente pode ser feita de outras formas. Diante disso, muitos casais optam por contratos de namoro como alternativa para formalizar suas relações de maneira mais flexível e condizente com a realidade atual. 5
Uma das questões centrais do direito de família contemporâneo, que gera muitas dúvidas tanto entre os casais quanto no meio jurídico, é a distinção entre namoro e união estável. No passado, essa diferenciação era mais simples, mas com a evolução dos costumes e o aumento da liberdade sexual, muitos casais passaram a compartilhar o mesmo teto, dividir despesas, realizar investimentos conjuntos e, em alguns casos, até morar juntos. Esses elementos tornam a tarefa de identificar se estamos diante de um namoro ou de uma união estável um desafio, uma vez que a linha que os separa é bastante tênue. O namoro é, essencialmente, uma relação afetiva entre duas pessoas sem a constituição de uma entidade familiar. Embora esse tipo de relacionamento possa ser uma fase inicial que leve à formação de uma família, ele não caracteriza uma união estável, que já implica a formação de uma família, na qual os envolvidos se reconhecem como casados, e a sociedade os trata dessa maneira. (NIGRI, 2021, pg. 04).
Enquanto o namoro, em regra, não gera consequências jurídicas, como direitos patrimoniais em caso de separação ou falecimento, a união estável, por ser reconhecida pela Constituição Federal como uma entidade familiar, acarreta direitos como a divisão do patrimônio adquirido durante a relação (salvo acordo prévio entre as partes), pensão alimentícia (desde que atendidas as condições legais) e direitos sucessórios. 6
A dificuldade de distinção entre namoro e união estável surge, principalmente, da possibilidade de a união estável ter início como um namoro e evoluir para algo mais formal, tornando difícil determinar o momento exato da transição entre os dois. Importante destacar que a lei não exige que os parceiros morem juntos, nem impõe um prazo mínimo para o relacionamento, tampouco exige filhos comuns ou a formalização do vínculo por meio de escritura pública ou contrato. Dessa forma, cabe ao juiz analisar as circunstâncias do caso concreto, considerando as provas apresentadas pelas partes, para determinar se o relacionamento é, de fato, um namoro ou uma união estável, e estabelecer as consequências jurídicas da sua decisão. (NIGRI, 2021, pg.05)
3 PROTEÇÃO E ESTABILIDADE NAS RELAÇÕES MODERNAS
O contrato de namoro tem se tornado frequentemente encontrado no Brasil, e isso se dá por variadas razões. No aspecto legal, diversas pessoas optam por ele para resguardar seus pertences e deixar explícito que o relacionamento não configura uma união estável. Isso é essencial pois a união estável pode acarretar direitos e deveres, como a partilha de bens e até mesmo pensão em caso de término. O documento assegura que o casal está em um relacionamento amoroso, sem implicações legais nesse sentido.
No âmbito social, o acordo contribui para manter a intimidade do casal e para evitar mal-entendidos, sobretudo quando há influência de parentes ou amigos para que o relacionamento seja considerado mais sério, como um casamento. Por meio do acordo, o casal consegue deixar evidente que, apesar do comprometimento, não há intenções imediatas de oficializar algo além do namoro.
Quanto a questão emocional, o contrato oferece segurança ao casal. Ele auxilia na definição de expectativas, prevenindo possíveis desentendimentos em relação ao futuro da relação. Adicionalmente, proporciona uma sensação de estabilidade, uma vez que ambos têm ciência de que o relacionamento está sendo abordado de maneira clara e simplificada do ponto de vista legal. Dessa forma, o casal pode direcionar sua atenção para o que realmente é relevante: desfrutar o presente com naturalidade e transparência.
A principal razão para essa disseminação é o fato de haver bastante semelhança entre os namoros contemporâneos e as uniões estáveis, pois, com a evolução dos costumes e o aumento da liberdade sexual, muitos casais passaram a dormir juntos, dividir contas e, até mesmo, morar debaixo do mesmo teto, o que vem tornando bastante difícil a tarefa de distinguir meros namorados de companheiros.
O namoro deixou de ser considerado, tão somente, como uma fase anterior ao casamento, o qual era obrigatório, e passou a ter um fim em si mesmo. Mais além, o namoro passou a se dar de forma mais autônoma entre as partes, sem imposições de obrigações pelos pais, parente s ou terceiros sobre como o relacionamento deveria prosseguir.7
O conceito de namoro, o qual era essencial para a sua diferenciação da união estável, se transmutou demasiadamente, tornando tais relacionamentos excessivamente próximos, o que gerou as incongruências e inseguranças previstas atualmente, as quais têm levado os enamorados à contratualização das suas relações, ou seja, à realização de um contrato de namoro.8
O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Com efeito, distinguem-se, na teoria dos negócios jurídicos, os unilaterais, que se aperfeiçoam pela manifestação de vontade de apenas uma das partes, e os bilaterais, que resultam de uma composição de interesses. Os últimos, ou seja, os negócios bilaterais, que decorrem de mútuo consenso, constituem os contratos. Contrato é, portanto, como dito, uma espécie do gênero negócio jurídico.9
A legislação brasileira não conceitua o namoro, nem lhe atribui efeitos jurídicos, e sabemos que as relações entre os namorados podem ostentar os mais variados tipos e formatos e podem ter diferentes regras, rotinas e graus de intimidade. Sabemos, também, que nos namoros contemporâneos os casais viajam juntos, dormem juntos e, muitas vezes, moram juntos, sem que ambos se considerem companheiros, mas, tão somente, namorados. Ocorre que a lei, talvez buscando uma liberdade maior, evitando aprisionar a união estável em definições rígidas e requisitos estáticos (como o tempo mínimo de convivência ou a moradia conjunta), acabou gerando muita insegurança e instabilidade para aqueles que querem, apenas, namorar.10
A verdade é que, apesar de o contrato de namoro parecer desarrazoado para muitos, há um número expressivo de pessoas que o veem como único meio de reduzir as chances de que um namoro contemporâneo, sobretudo entre pessoas mais velhas, seja confundido com uma união estável. É importante registrar também que, em caso de morte de um dos “namorados”, na hipótese de haver o pedido de reconhecimento de união estável contra os herdeiros do falecido, sempre será possível apresentar em juízo o contrato de namoro como prova do desejo do morto de não constituir família.11
Essa insegurança provocada por essa legislação extremamente vaga e subjetiva, somada à dinâmica dos namoros da atualidade, torna urgente a busca por instrumentos que permitam que as pessoas apenas namorem, sem que esses relacionamentos possam vir a se transformar em fonte de divisão de bens, pensão alimentícia ou, até mesmo, de direito a herança. Apesar de não haver uma definição clara na legislação do Brasil, o contrato de relacionamento é uma alternativa para que as pessoas possam delimitar regras e limitações para o seu relacionamento. (GIL, 2011, pg. 48).
É um tipo de contrato que não possui uma definição específica na legislação, sendo, portanto, classificado como um contrato inominado. Para entender sua validade, é necessário considerar os requisitos gerais que garantem a eficácia dos contratos, conforme estabelecido no artigo 104 do Código Civil. Para que o contrato de namoro seja considerado válido, as partes envolvidas devem ter capacidade legal, o objeto do contrato deve ser lícito, possível e claramente definido, e deve seguir a forma legalmente permitida, podendo ser um documento público ou privado, conforme a preferência dos envolvidos. (SANTOS, 2024, pg. 163).
Além disso, é importante destacar que a possibilidade de nulidade do contrato por fraude não se restringe apenas a esse tipo de acordo; qualquer contrato pode ser elaborado com intenções enganosas. Nesses casos, os contratos podem ser submetidos à avaliação do Poder Judiciário, que, após uma análise detalhada, decidirá sobre sua validade. Assim, o contrato de namoro é considerado um negócio jurídico legítimo, e não deve ser automaticamente classificado como fraudulento ou nulo. Cabe ao Judiciário estar atento às novas formas de relacionamento, avaliando cada situação específica e adaptando-se às mudanças sociais que estão sempre em evolução. (GONÇALVES, 2019, pg. 08).
4 CONSIDERAÇOES FINAIS
O contrato de namoro surgiu como uma solução prática para casais que querem evitar as consequências legais de uma união estável, mantendo sua autonomia nas áreas emocional e financeira. As principais razões para optarem por esse contrato incluem a prevenção de conflitos sobre bens e direitos de herança, a salvaguarda da privacidade do casal e a oferta de segurança emocional, permitindo que eles se foquem no presente sem temer as complicações legais futuras. Apesar de ser uma ferramenta útil, o contrato de namoro ainda enfrenta obstáculos devido à ausência de uma regulamentação clara, o que pode gerar incertezas jurídicas em determinados casos.
Nessa realidade, o Judiciário desempenha um papel crucial, avaliando cada situação de maneira singular e levando em conta as mudanças sociais e culturais que impactam os relacionamentos atuais. Esse tipo de contrato representa uma evolução nas estruturas familiares convencionais, promovendo maior liberdade individual e igualdade entre os gêneros. Embora tenha sua importância, o contrato de namoro não deve substituir uma análise profunda das intenções do casal, sendo fundamental que exista uma abordagem jurídica flexível, ajustada às novas dinâmicas das relações afetivas, para assegurar os direitos das partes e acompanhar as transformações sociais e culturais.
REFERÊNCIAS
CARVALHO SAMPAIO, D. et al. ISSN 2674-9157-Revista Arte, Ciência e Tecnologia da Faculdade CET No. 26 de 2022 1 CONTRATO DE NAMORO E UNIÃO ESTÁVEL: DIFERENÇAS PRÁTICAS E UTILIZAÇÃO NA SOCIEDADE
BRASILEIRA. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://cet.edu.br/files/pages/111/artigo.pdf>.
CARVALHO SAMPAIO, D. et al. ISSN 2674-9157-Revista Arte, Ciência e Tecnologia da Faculdade CET No. 26 de 2022 1 CONTRATO DE NAMORO E UNIÃO ESTÁVEL: DIFERENÇAS PRÁTICAS E UTILIZAÇÃO NA SOCIEDADE
GIL, Antonio C. SOCIOLOGIA GERAL. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2011. E-book. ISBN 9788522489930. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522489930/. Acesso em: 05 set. 2024.
GONCALVES, Carlos R. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais.
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MADALENO, Rolf. Direito de Família - 14ª Edição 2024. 14th ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. E-book. p.8. ISBN 9788530995201. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530995201/. Acesso em: 16 nov. 2024.
NIGRI, Tânia. Contrato de namoro. São Paulo: Editora Blucher, 2021. E-book. ISBN 9786555062052. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555062052/. Acesso em: 05 set. 2024
SANTOS, Franciele B. Contrato de Namoro. São Paulo: Almedina, 2024. E-book.
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SANTOS, Franciele B. Contrato de Namoro. São Paulo: Grupo Almedina, 2024. E- book. ISBN 9786556279985. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556279985/. Acesso em: 05 set. 2024.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Lei de Introdução e Parte Geral. v.1. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559649709. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559649709/. Acesso em: 05 set. 20
Notas
5 Franciele Barbosa Santos, Contrato de Namoro, p.135
6 Tânia Nigri, Contrato de Namoro, Leis e Legislação, p.04
7 Franciele Barbosa Santos, Contrato de Namoro, p.138.
8 Franciele Barbosa Santos, Contrato de Namoro, p.139
9 Orlando Gomes, Contratos, p. 4; Silvio Rodrigues, Direito civil, v. 3, p. 9.V
10 Tânia Nigri, Contrato de Namoro, Leis e Legislação, p.11.
11 Tânia Nigri, Contrato de Namoro, Leis e Legislação, p.20.