Casei e vou morar com meu marido na casa que ele levantou no quintal dos pais. Será uma boa decisão?

13/12/2024 às 17:09
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HOJE EM DIA, se analisar bem determinados aspectos, o fato de estar casado tem tantas consequências quanto o fato de não estar casado mas estar convivendo como se casado fosse... é o que chamamos de "União Estável", cada dia mais com tantas regras e formalidades (registro em cartório inclusive) que muito passa a se assemelhar ao Casamento. Não por outra razão, já há algum tempo o STF pacificou a questão relacionada à herança nos casos de União Estável e Casamento de modo a não mais admitir qualquer distinção de tratamento em ambas as situações. Com toda razão, a similitude dos institutos deve mesmo atrair o mesmo tratamento. Nessa linha lapidada foi a tese que estampa os Temas 498 e 809 da Suprema Corte que determinam:

"É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002".

Uma situação muito comum tanto em Casamentos quanto Uniões Estáveis (e já adianto que a solução ao final apontada tem aplicação em quaisquer desses relacionamentos) se dá quando o novo "casal" passa a morar em casa construída no terreno de terceiros (geralmente os pais de um deles). A mera autorização verbal literalmente abre as portas para a entrada daquele casal que ali constrói não só um local para sua habitação mas também para formar ali sua família. Decerto se recebessem um bom aconselhamento jurídico antes disso pensariam 10 vezes antes de construir no terreno dos sogros, já que as consequências são cristalinas no Código Civil e podem ser desastrosas. Reza o art. 1.255 da Lei 10.406/2022:

"Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou EDIFICA EM TERRENO ALHEIO perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização".

A respeito desse interessante assunto é a lição do professor SILVIO VENOSA (Direito Civil - Reais. 2019) que ensina:

"O semeador, plantador ou CONSTRUTOR em terreno alheio perde para o proprietário [do terreno] as coisas, com direito à indenização, se obrou com boa-fé. Se esteve de má-fé, poderá ser constrangido a repor as coisas no estado anterior e a pagar pelos prejuízos. A questão será do exame da oportunidade e conveniência no caso concreto".

Uma novidade trazida com o Código Civil de 2002 diz respeito ao instituto da "acessão inversa", que passa a autorizar que quem construiu em terreno alheio possa adquirir o terreno juntamente com a edificação levantada. Nessa hipótese, por exemplo, a construção levantada no terreno dos sogros passa a ter valor consideravelmente maior que o valor do terreno, quando então, provado que foi edificado com boa-fé, o construtor adquire a propriedade do terreno do sogro devendo, todavia, pagar indenização para este. Assim determina o parágrafo único do citado art. 1.255:

"Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo".

É muito comum nos casos do desfazimento do Casamento ou da União Estável (seja em vida - por divórcio ou dissolução de união estável - seja "causa mortis" - pela morte de qualquer um dos dois) que o "problema" originado com a construção em terreno alheio venha à tona e nesse ponto a Justiça, aplicando a regra do art. 1.255 conferirá indenização a quem levantou a edificação em terreno alheio, caso tenha procedido de boa-fé, não havendo se falar nem mesmo em eventual "DIREITO DE HABITAÇÃO" que possui regras próprias, sendo inadmissível em imóvel de terceiros (REsp 1212121/RJ. J. em 03/12/2013) ou mesmo "PARTILHA" do imóvel levantado (mas sim, eventualmente, direito de buscar a indenização em ação própria, com a participação óbvia dos proprietários do terreno, assegurada naturalmente a ampla defesa, o contraditório e todos os meios de produção de provas).

Vê-se, portanto, que edificar em terreno alheio não é mesmo o melhor dos conselhos, ainda que a intenção seja a melhor de todas. Nessa direção têm decidido os tribunais:

"TJMG. 5000438-63.2021.8.13.0487. J. em: 05/04/2024. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. PARTILHA. ACESSÃO EDIFICADA EM IMÓVEL PERTENCENTE AO GENITOR DA VIRAGO. ARTS. 1.253 E 1.255 DO CÓDIGO CIVIL. CONSTRUÇÃO QUE SE INCORPORA AO PATRIMÔNIO ALHEIO. IMPRESCINDIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DO TERCEIRO NO FEITO. DISCUSSÃO A SER DEDUZIDA NAS VIAS ORDINÁRIAS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. No regime da comunhão parcial de bens, conforme estabelecem as normas insertas nos artigos 1.658 e 1.660, I, do Código Civil, comunicam-se os bens amealhados pelo casal na constância do casamento, devendo, por ocasião da extinção do vínculo, haver a partilha em valores igualitários, tendo em vista a presunção de esforço comum. 2. De acordo com o art. 1.253 do Código Civil, toda construção existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário, e, nos termos do art. 1.255, caput, do mesmo diploma legal, aquele que edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as construções, mas, se procedeu de boa-fé, terá direito à indenização. 3. Embora seja admissível, em tese, a PARTILHA DE DIREITOS concernentes a acessões construídas pelos cônjuges em terreno de terceiro, mostra-se imprescindível a participação deste na relação processual, sob pena de ofensa à regra de congruência subjetiva, pela qual a decisão judicial deve circunscrever-se aos sujeitos que integraram o processo, não podendo, em regra, atingir quem dele não tenha participado. 4. Nesse contexto, àquele que se sentir prejudicado, caberá, em AÇÃO PRÓPRIA, pleitear indenização em face do proprietário do terreno pela acessão ali edificada e incorporada, desde que tenha procedido de boa-fé, evitando-se o enriquecimento sem causa do titular do domínio, mesmo porque não se mostraria possível impor ao ex-cônjuge o pagamento de qualquer valor, na medida em que o seu patrimônio não foi beneficiado pela construção. (...) Vencido parcialmente o relator, rejeitar a preliminar de nulidade da sentença e no mérito, dar parcial provimento ao recurso, nos termos da divergência instaurada pelo segundo vogal".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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