Imóvel como "Direito e Ação": o Cartório do RGI nega o registro da Carta de Arrematação. E agora?

19/12/2024 às 17:20
Leia nesta página:

DIREITO E AÇÃO é uma expressão que requer muito cuidado, especialmente se os interessados não forem familiarizados com as questões relativas ao direito imobiliário, principalmente quando não são nem mesmo operadores do direito - como pode ser muito comum com aqueles que buscam nos leilões de imóveis oportunidades para investimento ou mesmo moradia. Primordial nesses casos - assim como em qualquer aquisição de imóveis - é a INVESTIGAÇÃO sobre a origem registral do bem e isso deve ser feito partindo-se da matrícula registral. Como sempre falamos aqui, hoje em dia as facilidades da internet colaboram e muito nesse aspecto com as Centrais Eletrônicas dos Cartórios Extrajudiciais. A obtenção das informações da matrícula (visualização da matrícula) é praticamente instantânea e pode ser obtida no site "RI Digital" que é uma identificação do SAEC - Sistema de Atendimento Eletrônico Compartilhado, gerido pelo ONR - Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis. Basta acessar o link https://registradores.onr.org.br/ para poupar muito tempo com idas e vindas aos Cartórios, filas etc. Com toda certeza o melhor cenário é que essa investigação e análise de risco seja feita por um Advogado Especialista familiarizado não só com as questões relativas à aquisição de imóveis via Leilões mas também com o Direito Imobiliário e o Direito Notarial e Registral.

O fato de se identificar que se trata de "DIREITO E AÇÃO" com bastante frequencia vai sinalizar que o imóvel em questão não tem PROPRIEDADE em nome dos executados mas sim, provavelmente, um "caminho" a ser percorrido para se chegar até ela: em outras palavras, o direito e ação pode se referir a um "direito hereditário" (que através do Inventário pode conduzir até a propriedade), um "direito aquisitivo" (que através de uma Adjudicação Compulsória, por exemplo, pode conduzir até a propriedade) ou ainda, um "direito possessório" (que através da Usucapião, por exemplo, pode conduzir até a propriedade). Importante anotar que todas essas ferramentas destacadas hoje em dia podem ser manejadas na via EXTRAJUDICIAL como sempre falamos aqui, com a ressalva de que em alguns casos a via extrajudicial não terá envergadura suficiente para resolver a questão, sendo aconselhada para esses casos ainda a via JUDICIAL. Em qualquer uma delas a presença de Advogado será obrigatória.

Um aspecto importante que deve ser observado na aquisição de "DIREITO E AÇÃO", como exatamente dito acima, é o fato de ser necessário adotar além da aquisição do "direito e ação" em si (através da Arrematação, por exemplo) a adoção de outras medidas judiciais ou extrajudiciais para a realização do direito, sob pena de se desrespeitar o que na seara Extrajudicial, em sede de DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL, se chama de "princípio da continuidade registral". Tudo isso envolve custos, como sabemos. Importa pontuar que a SEGURANÇA JURÍDICA é a espinha dorsal dos Registros Públicos, principalmente do REGISTRO DE IMÓVEIS, sendo o Registrador Imobiliário (e seus prepostos, naturalmente) verdadeiro zelador da segurança dos registros públicos. Dessa forma, a este Delegatário caberá fiscalizar se os títulos que são prenotados estejam atendendo aos princípios registrais, inclusive os títulos judiciais (como as Sentenças, Cartas Judiciais de Arrematação etc), rejeitando aqueles que não estiverem em conformidade com a qualificação registral.

A lição é do ilustre Registrador e professor LUIZ GUILHERME LOUREIRO (Registros Públicos - Teoria e Prática. 2023) que ensina:

"Segundo o princípio da continuidade, os registros devem ser perfeitamente encadeados, de forma que não haja vazios ou interrupções na corrente registrária. Em relação a cada imóvel deve existir uma cadeia de titularidade à vista do qual só se fará o registro ou averbação de um direito se o outorgante dele figurar no registro como seu titular".

Ora, o "titular" do "direito e ação" nas situações acima destacadas provavelmente não constará do álbum imobiliário como proprietário de modo que, muito facilmente um obstáculo ao registro da Carta de Arrematação de um "direito e ação" a um imóvel será a infração ao Princípio Registral da Continuidade. Ocorre que tal óbice não deverá se sustentar quando a aquisição decorrer de arrematação de direito e ação, por exemplo, em sede de Execução. Sem prejuízo de conhecida divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza da aquisição nas arrematações (se derivada ou originária) é preciso recordar que, pelo menos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, tem prevalecido o entendimento (do qual comungamos) que a Arrematação revela uma forma de aquisição originária e, assim sendo, tal como ocorre com a USUCAPIÃO, o bem adquirido deve ser havido pelo adquirente livre e desembaraçado dos ônus que eventualmente gravavam o bem - desimportando inclusive se adquirido como "direito e ação" - sendo que o que deve ser recebido pelo adquirente/arrematente deve ser a PROPRIEDADE PLENA.

Sob esse prisma, o rigor do princípio da continuidade e também o princípio da especialidade objetiva - corolário do primeiro - devem ser superados e dar espaço à prevalência da natureza jurídica da arrematação que é uma forma aquisição originária. Não por outra razão, prestigiando essa linha de raciocínio é a recente decisão do CONSELHO DA MAGISTRATURA DO TJRJ mantendo sentença de improcedência de Dúvida Registral exarada pelo 9º RGI da Capital/RJ, determinando o registro de imóvel arrematado como direito e ação como propriedade plena em favor do arrematante, senão vejamos:

"TJRJ. 0205106-82.2022.8.19.0001. J. em: 28/11/2024 - CONSELHO DA MAGISTRATURA. REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA SUSCITADA PELA TITULAR DO CARTÓRIO DO 9º OFÍCIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL/RJ. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CARTA DE ARREMATAÇÃO. REGISTRO ADIADO PORQUE CONSTA QUE O IMÓVEL ESTÁ REGISTRADO DESDE 19/03/2015, EM NOME DO ANTIGO PROPRIETÁRIO; ALÉM DISSO É NECESSÁRIO ESCLARECER, POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL, QUANTO À ARREMATAÇÃO SER DE DIREITO E AÇÃO, UMA VEZ QUE DE ACORDO COM A DOCUMENTAÇÃO ANEXADA, O TÍTULO AQUISITIVO DO RÉU, TRATA-SE DE UMA ESCRITURA DE PROMESSA DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS PASSADA PELO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL, NÃO SENDO A MESMA OBJETO DE REGISTRO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DÚVIDA. PARECER DA PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA PELA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. ARREMATAÇÃO. FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. INOBSTANTE A DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA, SEGUNDO O ENTENDIMENTO CONTEMPORÂNEO DESTE CONSELHO DA MAGISTRATURA, A ARREMATAÇÃO JUDICIAL IMPLICA O ROMPIMENTO DE TODO E QUALQUER VÍNCULO DO IMÓVEL, TANTO COM RELAÇÃO AO ANTIGO PROPRIETÁRIO, QUANTO AOS ÔNUS E GRAVAMES QUE O EMBARAÇAVAM. PRECEDENTES CONTEMPORÂNEOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE MANTÉM, EM SEDE DE REMESSA NECESSÁRIA".

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Outrossim, do mesmo TJRJ, recente decisão ainda mais específica quanto ao assunto:

TJRJ. 0068622-29.2023.8.19.0000. J. em: 25/01/2024. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ARREMATAÇÃO. Agravante que se insurge contra a decisão a quo que indeferiu a expedição da carta de arrematação da propriedade plena do imóvel arrematado, e não direito e ação como determinado na Decisão agravada. Aquisição de imóvel por leilão judicial que tem natureza originária e se perfaz independente de qualquer relação jurídica preexistente, e extinguindo-se eventuais ônus hipotecários ou decorrentes de financiamento do imóvel, estes que devem ser buscados junto ao devedor originário. Bem que é transmitido ao arrematante de forma livre e desembaraçada, não sendo, inclusive, de se falar em quebra do princípio da continuidade registral. Precedentes no STJ e TJRJ. Desnecessidade de se impor à arrematante o ônus de ter que ajuizar ação autônoma para conseguir o registro da propriedade plena do imóvel, conduta que colidiria com os princípios da economia e efetividade processuais, além da razoável duração do processo (art. 5º LXXVIII CF/88). Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos