Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de posse de drogas do art. 28 da Lei nº 11.343/2006?

Uma análise feita antes da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal no julgamento do RE 635.659/SP pelo Supremo Tribunal Federal

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20/12/2024 às 17:56
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Resumo: O singelo artigo que ora é apresentado irá abordar o tema: “Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de posse de drogas do art. 28. da lei 11.343/2006?”. Tal discussão se apresenta como de grande relevância doutrinaria e jurisprudencial, a qual se justifica por tratar de um tema que demonstra grande importância no cotidiano da sociedade e devido a sua rotineira aplicação pelos operadores do direito. Ademais, à aplicação do princípio da insignificância em relação ao artigo 28 da Lei nº 11.343/06, no âmbito dos tribunais superiores brasileiros, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, é bastante divergente quanto à aplicabilidade do referido princípio.

Palavras-chave: Princípio da insignificância; drogas; posse; art.28, lei 11.343/2006.


1. INTRODUÇÃO

Esse estudo tem por finalidade realizar uma pesquisa aplicada, uma vez que utilizará conhecimento da pesquisa básica para resolver problemas.

O problema foi direcionando a pesquisa para as áreas de aplicação, de forma cautelosa e pontual, do princípio da insignificância ao crime de posse de drogas tipificado no artigo 28 da Lei 11.343/2006 como solução as divergências encontradas tanto no âmbito do STF quanto do STJ no que concerne a aplicação de tal princípio. Nesse contexto, tal embasamento será feito ao explicar o que é o princípio da insignificância e quais seus requisitos ou vetores objetivos afirmando que:

O presente trabalho tem como objetivo geral discutir a aplicação do referido princípio em relação ao delito previsto no art. 28. da Lei 11.343/06. Será avaliada tal aplicação mediante um estudo com base em posicionamentos dos tribunais superiores. O objetivo consiste em avaliar se cabe ou não a aplicação do princípio supracitado em relação ao delito de porte de drogas para consumo pessoal.


2. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA:

O princípio da insignificância e sua conseqüente aplicação têm sido bastante debatidos no âmbito doutrinário e jurisprudencial, principalmente no que se refere à moderna visão da tipicidade penal. A configuração dos elementos do crime passa por analisar, inicialmente, a ocorrência da adequação típica formal e material, sendo nesta última que o referido princípio ganha aplicabilidade. Assim, o princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, se apresenta como uma cláusula supra legal de exclusão da tipicidade material, tendo por finalidade reconhecê-la diante da efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido e realizar um juízo de proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a intervenção estatal (BITENCOURT, 2014).

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. segundo esse princípio, que klaus tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. nessas circunstaâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado (BITENCOURT, 2014, p. 60).

O autor deixa claro que para que haja o reconhecimento da tipicidade de uma conduta criminosa, não é suficiente o simples encaixe da conduta ao tipo penal previsto na lei, mas há um fato que se sobrepõe, qual seja, a relevância da conduta no seu âmbito material. Conforme citado acima, não parece haver razão para que ocorra a movimentação desnecessária da máquina estatal em decorrência de uma conduta que não violou o bem jurídico protegido pela norma. É sinal de que há, enfim, uma tentativa de mostrar que o direito penal não lida com todos os bens jurídicos, mas apenas aqueles em que as outras esferas do direito não conseguem proteger.

Nesse contexto, fica claro que tal princípio possibilita que o direito penal só seja aplicado, de fato, nos casos em que o bem jurídico tutelado seja lesionado ou sofra perigo de lesão. Sendo assim: em virtude do conceito de tipicidade material, excluem-se dos tipos penais aqueles fatos reconhecidos como de bagatela, nos quais tem aplicação do princípio da insignificância. Assim, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do bem ao caso concreto, a fim de que possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo direito penal. (GRECO, 2012, p. 160).

Ora, em tese, mesmo os autores citados acima terem alguns anos de diferença nas publicações, percebemos as mesmas ideias. Caso contrário, teríamos uma regressão na forma de entender e aplicar o ordenamento jurídico. Conforme citado acima, não se trata de um juízo de valor sobre a existência formal ou não do crime, mas sim, da absolvição do agente que não fere o bem jurídico do ponto de vista material, lamentavelmente, não é uma realidade absoluta nos tempos atuais, havendo muitas decisões conflitantes e divergentes sobre a consideração da insignificância ao caso concreto. (MESSA, 2017).

Pode-se dizer que o princípio da insignificância é uma causa de exclusão da tipicidade material. nesse contexto, como bem nos assegura Capez (2018)" a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido".

O mais preocupante, contudo, é constatar que o princípio da insignificância não possui parâmetros que permitam identificar socialmente um fato como insignificante sem fugir da subjetividade. Não é exagero afirmar que, por exemplo, de forma recorrente, há a movimentação desnecessária da máquina estatal pela ausência de tipicidade material da conduta, considerando apenas o encaixe entre a conduta e o fato descrito em lei, sendo esta uma análise insuficiente para considerar um fato típico ou atípico. É importante ressaltar que o supremo tribunal federal tem se posicionado no sentido de que a análise da insignificância não pode ficar presa a regras gerais, isso porque a avaliação do juiz deve ser casuística, considerando as peculiaridades de cada caso concreto para considerar a aplicação do princípio (STF,2014).

Mousinho (2018) mostra que é interessante, aliás, lembrar acerca da dificuldade com a movimentação desnecessária da máquina estatal pela ausência de tipicidade material da conduta, mas há um fato que se sobrepõe à provocação exacerbada do estado, uma vez que, é importante a aplicação dos vetores objetivos relativos ao princípio da insignificância pelo estado juiz. É sinal de que há, enfim, uma tentativa de contribuir para com o desaforamento do judiciário e para uma maior celeridade na aplicação da norma ao caso concreto.

Essa, porém, é uma tarefa que se mostra cercada de inúmeras barreiras no ordenamento jurídico pátrio. Infelizmente, na maioria dos casos, a preocupação com o movimento indevido do aparato estatal é vencido pela banalização do direto penal e de alguns de seus princípios basilares, tais como o da intervenção mínima, subsidiariedade, proporcionalidade e lesividade.

Ademais, se faz importante mencionar que o princípio da insignificância precisa se relacionar com outros princípios para que produza efeitos ao caso concreto, como é o caso dos princípios da intervenção mínima e da lesividade, por exemplo, pois, só assim conseguirá eliminar a tipicidade da conduta em seu âmbito material. Todavia, para que incida ao caso concreto, segundo os tribunais superiores, se faz necessário que cumpra determinados requisitos podendo ser eles objetivos ou subjetivos. O supremo tribunal federal, no tocante à lesão ao bem jurídico, elencou requisitos ou vetores objetivos para a aplicação do princípio da bagatela, quais sejam: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência total de periculosidade social da ação; ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica ocasionada (STF.2004).

Nesse contexto, surge a seguinte questão: seria possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de posse de drogas prevista no art.28 da lei de drogas? Ou tal conduta, por si só, já seria apta a ferir o bem jurídico tutelado pela norma penal, qual seja, a saúde pública?


3. ENTENDENDO O ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2011

O artigo 28 da lei 11.343/2011 trata acerca do porte e cultivo de drogas para consumo pessoal, in verbis:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

i - advertência sobre os efeitos das drogas;

ii - prestação de serviços à comunidade;

iii - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Em regra, os crimes previstos na Lei nº 11.343/06 podem ser praticados por qualquer pessoa, tendo em vista serem classificados como crime comum, e com o artigo 28 não é diferente, visto que não exige qualidade especial alguma do agente para sua aplicação. Por outro lado, o sujeito passivo se subdivide em imediato e mediato. O imediato é a própria coletividade, visto que é esta a titular do bem jurídico protegido pela norma penal, qual seja, a saúde pública. Já o sujeito passivo mediato é o Estado. (XAVIER, GUEDES, & MOURA, 2019).

Nesse contexto, através de uma leitura atenta do caput do artigo 28 da lei de drogas, percebe-se que se trata de um tipo penal misto alternativo, visto que contempla cinco verbos e se consuma com a realização de qualquer um deles, vejamos: adquirir (obter a propriedade, a título oneroso ou gratuito); guardar (ter sob seu cuidado, sob responsabilidade própria ou de terceiro); trazer consigo (é sinônimo de portar, ter junto ao corpo); ter em depósito (armazenar em um determinado local); transportar (conduzir de um local para outro em determinado meio de transporte).

Prosseguindo, segundo a maioria da doutrina, a modalidade adquirir é considerada como crime instantâneo, ou seja, se consuma com o acordo de vontades entre o sujeito que vende e o sujeito que compra a droga. Todavia, no que se refere às modalidades trazer consigo, guardar, ter em depósito e transportar, estas são consideradas como crimes permanentes, se consumando no instante em que o autor consegue a posse da droga, prorrogando-se no tempo enquanto a posse persistir. (XAVIER, GUEDES, & MOURA, 2019).

Todavia, surge a seguinte pergunta: como o juiz vai ter conhecimento se o sujeito está portando Drogas para traficar ou para consumo pessoal? Nesse sentido, dispõe o art.28,§2º da Lei de Drogas, que será levado em consideração a natureza, quantidade, local e condições em que se desenvolveu a ação, circunstâncias sociais e pessoas, conduta e antecedentes do agente, vejamos:

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Art.28, § 2º: Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente (Grifo do Autor).

Ainda, destaco que com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização (STJ, HC 299988/MG, DJE 17/09/2015). Inclusive, as Turmas da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, têm decido ser desproporcional o reconhecimento da agravante da reincidência decorrente de condenação anterior pelo delito do art. 28. da Lei n. 11.343/2006 (HC n. 535.785/DF, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 16/12/2019).


4. ARGUMENTOS TRAZIDOS PELO STF E STJ PARA A NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA À POSSE DE DROGAS.

Inicialmente, vale destacar que o supremo tribunal federal (STF) elencou alguns requisitos, também conhecidos como vetores objetivos, para a aplicação do princípio da insignificância, sendo eles: a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade da conduta; e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Dessa forma, estes requisitos servirão de parâmetro avaliativo para aferir o cabimento ou não do princípio da insignificância ao caso concreto.

Antes de adentrar no conteúdo de tal discussão, atentemos a um caso hipotético: caso um indivíduo esteja portando uma ínfima quantidade de maconha seja abordado por policiais, tal conduta é insignificante para o Direito Penal? A maioria da doutrina e da jurisprudência ensina que não. Na realidade, o vendedor da droga precisa do usuário comprador. Isso é um negócio que busca lucro. Essa ínfima quantidade somada de cada usuário gera o lucro que o traficante preciso para manter seu negócio ativo.

Devido a isto, o STF e o STJ vêm decidindo reiteradamente que não se aplica o princípio da insignificância à posse de drogas para uso próprio, sob os argumentos a seguir expostos.

4.1. CRIME DE PERIGO ABSTRATO:

No que tange ao resultado jurídico do crime, este pode ser classificado como um crime de dano ou como um crime de perigo.

Em uma breve explanação, podemos afirmar que os crimes de dano são aqueles em que o bem jurídico é efetivamente danificado. Já o crime de perigo é aquele que apesar de o objeto protegido pela norma não ser atingido, este sofre um perigo de lesão.

Ou seja, segundo Bottini (2010), “crimes de perigo abstrato são aqueles que não exigem a lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto. são tipos penais que descrevem apenas um comportamento, sem apontar um resultado específico como elemento expresso do injusto”.

Nesse sentido, os crimes de perigo ainda se subdividem em duas espécies: crimes de perigo abstrato e crimes de perigo concreto. Os crimes de perigo abstrato são aqueles em que o risco a que o bem jurídico é submetido é presumido, bastando à prova da conduta para que reste caracterizada a conduta criminosa. Por sua vez, nos crimes de perigo concreto o risco não se presume, sendo exigida além da prova da conduta, a comprovação de um risco real de perigo que o bem tenha sofrido.

Pode-se inferir, que se o crime é de perigo abstrato não será cabível a aplicação do princípio da insignificância, pois a simples conduta já é considerada detentora de potencialidade lesiva, o que torna a lesão jurídica expressiva, sendo a aplicação de um princípio o contrapeso do outro, vejamos:

O princípio da lesividade proíbe a cominação, a aplicação e a execução de penas e de medidas de segurança em casos de lesões irrelevantes contra bens jurídicos protegidos na lei penal. Em outras palavras, o princípio da lesividade tem por objeto o bem jurídico determinante da criminalização, em dupla dimensão: do ponto de vista qualitativo, tem por objeto a natureza do bem jurídico lesionado; do ponto de vista quantitativo, tem por objeto a extensão da lesão do bem jurídico. [...]Nessa medida, o princípio da lesividade é a expressão positiva do princípio da insignificância em Direito Penal: lesões insignificantes de bens jurídicos protegidos, como a integridade ou saúde corporal, a honra, a liberdade, a propriedade, a sexualidade etc., não constituem crime" (SANTOS, 2010, p. 26).

Desta feita, tanto o STF quanto o STJ consideram o crime do art.28 da lei de drogas como um crime de perigo abstrato, visto que a prática de qualquer das condutas previstas em lei acarreta na presunção absoluta de perigo à saúde pública, não cabendo prova em contrário. (XAVIER, GUEDES, & MOURA, 2019).

4.2. PERICULOSIDADE SOCIAL E PROTEÇÃO À SAÚDE PÚBLICA: A PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA É INERENTE AO DELITO.

Fica evidente, diante desse quadro, que para que seja aplicado o princípio da insignificância deve-se levar em consideração inúmeras variáveis, as quais, em primeiro lugar, não incidem de forma abstrata, pois necessitam de um caso concreto para produzir ou não efeito jurídico veja:

Uma coisa é certa: não nos parece possível operar abstratamente com o conceito de insignificância. Do contrário, estar-se-ia cometendo o mesmo erro ou submetendo o tratamento da matéria às mesmas limitações do legislador. Apenas o exame de cada caso concreto é que poderá justificar a não aplicação do Direito Penal, com fundamento na insignificância da lesão (na perspectiva da vítima), do proveito (na perspectiva do agente) e dos riscos de reiteração das ações no cotidiano dos envolvidos. (PACELLI & CALLEGARI, 2018, p. 97).

Todavia, segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no que se refere ao crime do artigo 28 da Lei 11.343/2006, a pequena quantidade de droga já é inerente à própria caracterização do delito, razão pela qual não se poderia falar em insignificância nos casos que se adéquam a este tipo penal, vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA INERENTE À NATUREZA DO DELITO PREVISTO NO ART. 28. DA LEI N. 11.343/06. TIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não merece prosperar a tese sustentada pela defesa no sentido de que a pequena quantidade de entorpecente apreendida com o agravante ensejaria a atipicidade da conduta ao afastar a ofensa à coletividade, primeiro porque o delito previsto no art. 28. da Lei nº 11.343/06 é crime de perigo abstrato e, além disso, o reduzido volume da droga é da própria natureza do crime de porte de entorpecentes para uso próprio. 2. Ainda no âmbito da ínfima quantidade de substâncias estupefacientes, a jurisprudência desta Corte de Justiça firmou entendimento no sentido de ser inviável o reconhecimento da atipicidade material da conduta também pela aplicação do princípio da insignificância no contexto dos crimes de entorpecentes.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . ART. 28. DA LEI N. 11.343/2006. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a pequena quantidade de substância entorpecente apreendida, por ser característica própria do crime descrito no art. 28. da Lei n. 11.343/2006, não afasta a tipicidade material da conduta. Além disso, trata-se de delito de perigo abstrato, dispensando-se a demonstração de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma – saúde pública. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu de maneira diversa, sendo possível encontrar decisões de ambos os sentidos, in verbis:

PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT CONCEDIDO. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. 2. O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. 3. Ordem concedida.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL. POSSE DE ENTORPECENTES. USO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL REJEITADA PELO PLENÁRIO VIRTUAL NO JULGAMENTO DO AI N.º 747.522. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos requisitos estabelecidos na legislação infraconstitucional, posto controvérsia de natureza infraconstitucional, não revela repercussão geral apta a tornar o apelo extremo admissível, consoante decidido pelo Plenário do STF, na análise do AI n.º 747.522–RG, Relator Min. Cezar Peluso, DJe de 25/9/2009 . 2. A aplicação do princípio da insignificância exige que a conduta seja minimamente ofensiva, que o grau de reprovabilidade seja ínfimo, que a lesão jurídica seja inexpressiva e, ainda, que esteja presente a ausência de periculosidade do agente. In casu, não há elementos suficientes a fim de se apreciar o preenchimento de todos os pressupostos hábeis à aplicação do aludido princípio, a fim de trancar a ação penal.(Grifo nosso)

Por um lado, se faz plausível e extremamente acertado o posicionamento do STJ, visto que, conforme explicitado acima, a pequena quantidade de droga já é da própria essência do delito, sendo esta uma de suas principais características. Contudo, de forma excepcional e com bastante cautela, entendo ser cabível a aplicação do princípio da insignificância ao crime do artigo 28 da Lei de Drogas na hipótese em que o agente adquire a droga para consumo imediato.

Trago tal informação, pois, com uma análise literal do artigo 28 da lei 11.343/2006 é possível inferir que o uso pretérito da droga é fato impunível. Isso se dá em respeito ao princípio da lesividade ou ofensividade, o qual preleciona que somente se pode incriminar uma conduta que tenha aptidão para provocar uma lesão ou ameaça de lesão a bem jurídico alheio. Ademais, o verbo “usar” não consta no rol do artigo 28, razão pela qual não é permitida a realização de uma interpretação extensiva, o que romperia com a característica do tipo penal, qual seja, ser certo, fechado e determinado.

Desse modo, é nesse sentido que lecionam Cabette e Neto (2018), “Assim, embora a conduta de adquirir droga para consumo pessoal seja típica, nos casos em que o usuário a consome imediatamente após a sua aquisição o fato seria materialmente atípico. Isto, pois, em tais circunstâncias, o bem jurídico tutelado (saúde pública) não é lesado e nem sequer exposto a um risco proibido relevante devido ao fato de que não houve circulação da substância ilícita. Ora, se o objetivo do artigo 28 é evitar o perigo social que a circulação da droga acarreta, no caso em análise é imperioso o reconhecimento do princípio da insignificância.”

Fica evidente, portanto, que determinados princípios atuantes na seara penal não se aplicam isoladamente, o que torna necessária a interligação destes com outros princípios para obterem aplicabilidade. É interessante, aliás, perceber que o fato de determinada conduta típica ser ou não considerada insignificante será o guia para fundamentar a incidência dos outros princípios ao caso concreto. Isto se dá em razão do Instituto do Garantismo Penal, regido pelo princípio da proporcionalidade, o qual pugna pelo equilíbrio entre o limite do direito de punir do Estado e a proteção dos bens jurídicos pertencentes à sociedade (SANTOS, 2010).

Sobre o autor
Davi Afonso Coimbra de Melo

Pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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