Seria a Jurisdição Constitucional mais Importante que o Texto da Constituição?

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A temática envolvendo jurisdição constitucional é muito rica diante dos contornos e entendimentos que podem surgir a respeito de problematizações trazida à luz dos princípios e regramentos constitucionais já positivados no ordenamento.

Tomando como base inicial o texto da professora Catarina Botelho é preciso considerar que sempre que a jurisdição constitucional é provocada, resta configurado um verdadeiro dilema envolvendo a própria atividade judicante do juiz, e a sua postura política diante dos hard cases e julgamentos polêmicos. Ao qual na maioria das vezes as cortes exercem um papel contra majoritário nas suas decisões.

Considerando a pluralidade de ideias e assuntos trazidos com a redemocratização do Brasil, a jurisdição constitucional, é instrumento essencial para o desenvolvimento prático e a concretização das ideias que hoje animam o constitucionalismo, como dignidade da pessoa humana, centralidade dos direitos fundamentais e participação democrática no exercício do poder (BARROSO, 2019).

Por isso frequentemente vemos algumas decisões onde o STF adota uma posição de vanguarda ante as omissões do poder legislativo e executivo. Nesse sentido vale destacar aqui a ADO 26 cuja relatoria foi do ministro Celso de Mello, onde os ministros votaram pelo enquadramento do crime de homofobia e transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo.

Desse modo diante de posturas tão ativistas como essa nos cabe fazer a seguinte indagação: Seria a Jurisdição Constitucional mais importante que o texto escrito da própria constituição?

Para adentrar a temática complexa é de fundamental importância entender o conceito de constituição e seus três principais sentidos. Para o Professor Paulo Bonavides, em sua concepção, a constituição é um sistema unitário e harmônico capaz de criar um Estado e seus elementos, regulando também os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sendo também capaz de criar ao mesmo tempo normas de limitação e controle entre os poderes (Bonavides, 2008).

Portanto o texto constitucional pode ser analisado a partir de três sentidos: a) o sentido sociológico, b) o sentido político e c) o sentido jurídico. O sentido sociológico da Constituição foi um conceito abordado pelo jurista Ferdinand Lassale em sua obra a “Essência da Constituição”. Segundo o autor a constituição não é uma norma jurídica e sim um fato social. Segundo o pensamento do autor existiriam dois tipos de constituições coexistentes no país. A constituição escrita (também chamada de constituição formal ou legal) e a constituição real (ou material). Uma constituição escrita torna-se “apenas um pedaço de papel”, não tem força normativa e não pode orientar o processo político. É a configuração real resultante da soma dos fatores de poder reais que realmente determina a direção da nação. (Bonavides, 2008)

Já o sentido político analisado por Carl Schimitt em sua célebre obra “Teoria da Constituição” concebe a constituição como sendo o resultado da vontade política do legislador constituinte. Por último Hans Kelsen em sua obra “Teoria Pura do Direito” sendo assim concebe a constituição como um corpo de normas jurídicas fundamentais à estruturação do Estado, dotada de plena força normativa capaz de conduzir o processo político, servindo de fundamento de validade para a produção normativa. Kelsen inaugura o dogmático-positivismo kelseniano, colocando a Constituição no ápice do sistema jurídico. (Bonavides, 2008)

Após conceber os três principais sentidos acerca do conceito de constituição, passemos a analisar, a substância da pergunta e, por conseguinte, o trabalho final da disciplina.

Tendo como base o processo legislativo da nossa constituição vigente, vemos que todos os sentidos acima mencionados, estiveram presentes no processo de elaboração. Houve uma vontade popular em romper com o processo ditatorial inaugurado em 1964, houve também uma soma de fatores políticos, a exemplo da formação da assembleia nacional constituinte em 1987, e com isso veio a norma jurídica que concebe em seu arcabouço um padrão de supremacia em relação as demais normas infraconstitucionais.

Ao abordar a pergunta podemos inferir que a constituição possui uma vida e autonomia própria, dessa forma, o texto constitucional tem valor supremo, até mesmo porque a jurisdição constitucional só existe em função do próprio texto constitucional.

Contudo há que se enxergar nesse ponto uma relação interseccional, vejamos. A constituição prevê no artigo 102 do seu texto as competências da jurisdição constitucional, contudo, compartilhamos da ideia de que é impossível, o texto constitucional prever todas as mudanças e evoluções sociais possíveis.

Nesse ponto a jurisdição constitucional é peça chave na aplicação de contornos interpretativos garantidores do sentido previsto pelo legislador constituinte de 1988. Exemplo dessas medidas foi a atuação que o Supremo exerceu durante o período de pandemia e em outros momentos que o Tribunal foi provocado a manifestar sobre situações contra majoritárias, como a exemplo da ADO 26 e da ADPF 976.

À título de conclusão compartilhamos do entendimento que nem a jurisdição constitucional é mais importante do que o próprio texto ou vice-versa. Trabalhamos aqui uma ideia de complementação e atribuições de sentido ao texto, visto que a jurisdição constitucional, só existe em função da previsão expressa no texto, e, a própria jurisdição constitucional confere vida ao analisar e interpretar a norma constitucional fruto da vontade de um legislador que previu em seu processo, valores supremos como a preservação do Estado de Direitos e a Dignidade humana como centro das decisões.

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REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

BARROSO, Luis R. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisdição. [São Paulo]: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555598995. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598995/. Acesso em: 01 conjunto. 2023. Acesso em 08/10/2023.

Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª edição. Editora Malheiros. 2008. Página 80.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. 200 p. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08/10/2023.

Botelho, Catarina. O lugar do Tribunal Constitucional no século XXI: os limites funcionais da justiça constitucional na relação com os demais tribunais e com o legislador. Revista Julgar. N. 34. Disponível em:https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/25259/1/O%20Lugar%20do%20Tribunal%20Constitucional%20.pdf

STRECK, Lenio L. Jurisdição Constitucional . [São Paulo]: Grupo GEN, 2019. E-book. ISBN 9788530987497. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530987497/. Acesso em: 08/10/2023.

Sobre o autor
Marcos Vinicius Borges Alvarenga

Bacharel em Direito pela Universidade Evangélica de Goiás (2016). Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Atame (2017). Mestrando em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino (2023 em andamento). Professor na Universidade Evangélica de Goiás Campus Senador Canedo desde Agosto de 2020, onde leciona as disciplinas: Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Já lecionou também Direito Empresarial e Direito do Consumidor. Foi professor da pós-graduação latu sensu da Unievangélica campus Anápolis onde lecionou a disciplina Responsabilidade Civil (2021). Foi Professor da Escola Superior da Advocacia do Estado de Goiás temas afetos ao Direito de Família e ao Processo Civil. É professor do Estágio Supervisionado do núcleo de práticas jurídicas da Universidade Evangélica de Goiás campus Senador Canedo (2023-Atual). Atualmente é Chefe do Departamento Pessoal da Diretoria de Esportes da Prefeitura de Anápolis-GO (2022-Atual). Revisor da Revista Jurídica da Universidade Evangélica de Goiás campus Senador Canedo (2023-Atual). Advogado Atuante no Direito Privado. Advogado Associado do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Servidor Efetivo da Prefeitura Municipal de Anápolis. (2012-Atual).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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