NA DATA de 26/12/2024 faleceu o reconhecido ator Ney Latorraca, aos 80 anos de idade, contando com pouco mais de 60 anos de carreira, como noticiou a mídia. A mesma mídia apresentou fatos que têm importância para a análise jurídica de um importante instrumento adotado por Ney para distribuição do seu patrimônio para depois de sua morte: o TESTAMENTO. Ao que parece, o testamento feito pelo ator é do tipo Testamento Público (que hoje em dia tem base legal no art. 1.864 do CC/2002 e outrora, sob a égide do CC/1916 tinha base legal no art. 1.632) - mas também pode ter sido um Testamento Particular. Segundo conta o site "Enfoco", Ney havia feito seu Testamento no ano de 1996 com ASSISTÊNCIA DE UM ADVOGADO. É importante destacar que tanto o Código Civil atual (de 2002) quanto o anterior (de 1916) sempre admitiram mais de uma forma de "fazer" um Testamento, sendo certo que inexiste hierarquia entre os dois tipos mais conhecidos (o Testamento Particular e o Testamento Público), havendo na verdade peculiaridades que precisam ser conhecidas por quem pretende organizar e preparar a divisão e a destinação de seu patrimônio para depois de sua morte - o que com toda certeza aconselha fortemente a assistência por Advogado Especialista como fez Ney Latorraca - sob pena de anulação das disposições testamentárias.
Alguns sites informaram que o Testamento do ator destinou a totalidade de seu patrimônio para instituições de caridade, afirmando ainda que nada seria deixado para sua "família" (importando ressaltar que o ator faleceu sem filhos, provavelmente sem ascendentes vivos - já que tinha 80 anos de idade - deixando marido, cuja relação discreta era mantida há quase 30 anos - todavia sem especificar se a relação era Casamento ou União Estável - o que parece desimportar face às teses lapidadas no âmbito do STF sob os nºs. 498 e 809 que inadmitem distinção de regimes sucessórios para cônjuges e companheiros, determinando a aplicação para ambos os casos das regras do art. 1.829 do CC/2002). O site do "Terra" afirma inclusive que o viúvo do ator não deverá herdar o patrimônio do falecido marido. Será verdade à luz do que determinam as regras do Código Civil?
A bem da verdade, as complexas regras sucessórias só confirmam que de fato, ainda que seja possível realizar um Testamento sem Advogado (seja ele um testamento Público - em Cartório, na presença de um Tabelião - seja ele um testamento Particular - que pode ser feito em casa, manuscrito ou em um computador) a orientação e assistência de um ADVOGADO ESPECIALISTA pode fazer toda a diferença, conferindo mais segurança, principalmente diante dos diversos cenários que podem orbitar a sucessão testamentária. No caso de Ney, sendo mesmo o Testamento feito sob a égide do CC/1916, não restam dúvidas que a sucessão testamentária deverá ser realizada hoje sob a vigência não só do CC/2002, assim como do CPC/2015 e, principalmente, de todas as regras processuais e procedimentais vigentes, inclusive aquelas que atualizando a RESOLUÇÃO 35/2007 do CNJ autorizam a realização do INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL mesmo com Testamento direto em Cartório, dispensando um processo judicial.
É importante sempre recordar que a mera realização de um Testamento (Público ou Particular) não dispensa a abertura e realização do Inventário, que deverá observar as disposições testamentárias que - é sempre bom repetir - não são absolutas, devendo respeitar os limites e regras do Código Civil, sob pena de redução das disposições ou mesmo anulação do testamento.
Um aspecto que deve incidir no caso ora examinado diz respeito ao fato do testador ter falecido deixando viúvo (que de acordo com a Lei é HERDEIRO NECESSÁRIO - art. 1.845 - fazendo jus à LEGÍTIMA, conforme art. 1.846), tendo feito o Testamento ao tempo em que nem casado era. Rezam os referidos artigos:
"Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima".
O Código Civil tem regra específica que parece albergar a tese que resguarda o direito à legítima ao viúvo não incluído em testamento elaborado em época em que o testador não era casado, senão vejamos:
"Art. 1.967. As disposições que excederem a parte disponível reduzir-se-ão aos limites dela, de conformidade com o disposto nos parágrafos seguintes".
Ora, o casamento posterior à elaboração do testamento deve ser causa a determinar a redução das disposições testamentárias de modo a compatibilizar tanto o atendimento às vontades do "de cujus" assim como o respeito à legítima, nos exatos moldes dos artigos 1.845 e 1.846 do CC. Nesse sentido é a lição da ilustre e saudoso Ex-Tabelião, Advogado e professor, ZENO VELOSO (Comentários ao Código Civil. 2003) que comentando o art. 1.973 do CC/2002 esclarece:
"No direito inglês e no norte-americano, o casamento posterior do testador é considerado causa de ROMPIMENTO do testamento. (...) Em nosso país, essa causa de rupção não é prevista. Logo, não é admissível. Dependendo do regime de bens do casamento ulterior do testador, algumas disposições do testamento poderão ser REDUZIDAS, para que se resguarde, por exemplo, a MEAÇÃO do cônjuge. Mas, tirante isso, o testamento NÃO SE ROMPE, e surtirá efeito, devendo-se observar, ademais, que o cônjuge é considerado HERDEIRO NECESSÁRIO (art. 1.845), e o testamento terá de respeitar a sua legítima (art. 1.846)".
Com todo acerto, não parece mesmo que o casamento que sobrevenha o testamento feito por testador não casado deva mesmo ser causa para rompimento. Ao que também nos parece a questão deve ser resolvida à luz dos artigos 1.967, 1.845 e 1.846 do Código Civil, como inclusive reconhece a jurisprudência mineira:
"TJMG. 10637140001412001. J. em: 08/09/2016. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. TESTAMENTO PARTICULAR ELABORADO ANTES DO CASAMENTO DO TESTADOR - DISPOSIÇÃO QUE ABRANGIA A TOTALIDADE DO PATRIMÔNIO DO DE CUJUS - ROMPIMENTO DO TESTAMENTO - INOCORRÊNCIA - MERA REDUÇÃO DO TESTAMENTO ATÉ O LIMITE DA PARTE DISPONÍVEL - ART. 1.967 DO CC - DIREITO DE LEGÍTIMA ASSEGURADO À VIÚVA, HERDEIRA NECESSÁRIA. DECISÃO MANTIDA. - A ruptura do testamento se faz presente diante de superveniência de circunstância relevante, capaz de alterar a manifestação de vontade do testador, sendo determinada pela lei na presunção de que o testador não teria disposto de seus bens no testamento da maneira como fez se soubesse da existência de determinado herdeiro - A superveniência de casamento do de cujus NÃO CONSTITUI hipótese de rompimento de testamento lavrado - Em se tratando de sobrevinda de herdeiro necessário, o Código Civil delimitou a hipótese de rompimento à classe dos descendentes, não se podendo, destarte, estender o alcance da regra aos demais herdeiros necessários, a saber, o cônjuge, quando o legislador, deliberadamente, pretendeu não fazê-lo".