A ideia de que um TESTAMENTO poderia ser suficiente para evitar a realização de um INVENTÁRIO é recorrente, mas, na prática, a "sucessão" dos bens que acontece pelo falecimento do proprietário de bens e direitos não se dá de forma tão simples assim. Como já explicamos em outras passagens, o testamento é um documento que expressa a vontade do falecido quanto à disposição de seus bens para após sua morte, mas ele não substitui o processo de Inventário. O testamento terá lugar para direcionar - dentro dos limites estabelecidos na Lei - a distribuição dos bens do autor da herança (titular dos bens), sendo certo que a Lei permite diversas formas para a elaboração do Testamento e não só o Testamento Público que é feito dentro de um Cartório de Notas.
Como se sabe, o testamento é um instrumento legal pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens e direitos para depois de sua morte (e essa é apenas uma das finalidades do Testamento, já que nele também pode ser possível, por exemplo, reconhecer a filiação - inc. III do art. 1.609 do Código Civil). Através do Testamento é possível determinar a divisão dos bens, instituir herdeiros, legatários, e até mesmo fazer disposições de caráter pessoal. No entanto, um testamento por si só NÃO TEM O PODER de transferir automaticamente a propriedade dos bens aos herdeiros e isso é uma impressão falsa e recorrente de muitas pessoas que não conhecem bem do assunto. A bem da verdade existem outras alternativas para a disposição imediata (como por exemplo, a DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO, como já esclarecemos em outras ocasiões).
O inventário é o procedimento Judicial ou Extrajudicial necessário para formalizar a transferência dos bens do falecido aos seus herdeiros e legatários. Independentemente da existência de um testamento, o inventário é indispensável para a regularização da sucessão e para que os herdeiros possam obter a propriedade legal dos bens, observadas as complexas regras do Código Civil, principalmente aquela que determina sejam distribuídos os bens apenas depois de resolvidos os débitos deixados pelo defunto. Nesse sentido, o art. 1.997 do Códex:
"Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube".
Durante o inventário, as disposições testamentárias são respeitadas e cumpridas conforme a vontade do falecido, DESDE QUE ESTEJAM DE ACORDO COM A LEI. Isso inclui a divisão dos bens conforme determinado no testamento e o pagamento de eventuais legados. Não por outra razão a importância da elaboração do Testamento pelo menos com assistência de ADVOGADO ESPECIALISTA, ainda que a Lei permita que o cidadão sozinho, em casa, sem assistência de qualquer profissional do Direito possa elaborar suas disposições testamentárias através de um Testamento Particular. Nessa direção o artigo 1.876 dispõe:
"Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.
§1. Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.
§2. Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão".
No Brasil, a lei protege os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro - cf. art. 1.845 e 1.846 do CCB), que têm direito a uma parte dos bens ("legítima"), independentemente do que esteja disposto no testamento. Mesmo que o testamento busque dispor de todos os bens, metade do patrimônio deve ser destinada aos herdeiros necessários e essa regra essencial deve ser observada. Outro aspecto importante é que o inventário é necessário para que os bens sejam formalmente registrados em nome dos herdeiros. Sem esse processo, os herdeiros não podem vender, doar ou dispor dos bens de forma legal - já que o TESTAMENTO não pode ser "registrado" ou "averbado" na matrícula do imóvel. Como se disse, ele não transfere "automaticamente" o patrimônio do morto. O inventário garante a segurança jurídica da transferência de propriedade e a observação de todas as regras da Lei, mesmo se feito extrajudicialmente, sem um Juiz - quando então obrigatoriamente deverão fiscalizar a correção das disposições o TABELIÃO e o ADVOGADO citados pela Lei 11.441/2007.
Como já falamos diversas vezes, o inventário pode ser realizado judicialmente ou extrajudicialmente (em cartório), nos termos da aludida Lei 11.441/2007 que foi recepcionada pelo CPC/2015 e que tem regulamentação pela Resolução 35/2007 do CNJ.
A modalidade Extrajudicial é mais rápida e menos burocrática, mas exige que todos os herdeiros estejam de acordo. Mesmo com o advento da Lei 11.441/2007 ainda é possível buscar o Judiciário para resolver inclusive casos amigáveis e simples de Inventário, sendo oportuno destacar que, diferentemente do cenário inicial da Lei 11.441/2007, hoje em dia a existência de um testamento ou herdeiros incapazes não impede a escolha do Inventário Extrajudicial, desde que cumpridos os requisitos legais.
POR FIM, embora o testamento seja um documento importante para garantir que a vontade do falecido seja respeitada, ele não elimina a necessidade do inventário. O Inventário é o processo legal que assegura a transferência correta e segura dos bens aos herdeiros, cumprindo todas as exigências legais e fiscais. Portanto, ambos os procedimentos são complementares e essenciais para uma sucessão tranquila e regular, sendo importante recordar que inexiste hierarquia entre o TESTAMENTO PARTICULAR e o TESTAMENTO PÚBLICO, havendo sim particularidades que podem determinar a adoção de uma ou outra forma - sob pena de invalidação das disposições, inclusive - como por exemplo, nos casos em que o Testador seja ANALFABETO:
"TJPR. 00011463420228160083. J. em: 19/06/2023. APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DE ABERTURA, REGISTRO E CUMPRIMENTO DO TESTAMENTO PARTICULAR MEDIANTE PROCESSO MECÂNICO. TESTADORA ANALFABETA. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO SOB O FUNDAMENTO DE QUE O TESTAMENTO NÃO PREENCHEU OS REQUISITOS LEGAIS DE VALIDADE. CONTRARRAZÕES. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL. NÃO ACOLHIMENTO. RECURSO IMPUGNA ADEQUADAMENTE A SENTENÇA. INSURGÊNCIA DA SUPOSTA BENEFICÁRIA. ALEGAÇÃO DE QUE SERIA POSSÍVEL A APLICAÇÃO DO ART. 1.865 DO CÓDIGO CIVIL, EM RELAÇÃO AO TESTAMENTO PÚBLICO AO PARTICULAR POR ANALOGIA (ASSINATURA A ROGO) NÃO ACOLHIMENTO. ASSINATURA E LEITURA DO TESTAMENTO PARTICULAR PELO PRÓPRIO TESTADOR QUE CONSTITUEM REQUISITOS ESSENCIAIS DE VALIDADE DO TESTAMENTO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONSIDERAR VÁLIDO TESTAMENTO REDIGIDO POR MÁQUINA DE ESCREVER OU COMPUTADOR POR PESSOA ANALFABETA. LEITURA DO DOCUMENTO QUE É IMPRESCINDÍVEL. PESSOA ANALFABETA, QUE DEVE SE VALER DO TESTAMENTO PÚBLICO, CASO DESEJE REGISTRAR SUA DECLARAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE. TESTEMUNHAS QUE NÃO INDICARAM DE FORMA SEGURA O CONHECIMENTO DO DOCUMENTO E/OU QUEM FOI O RESPONSÁVEL POR LER O DOCUMENTO. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E DESPROVIDO".