A Lei dos Registros Públicos atualmente permite o registro de escrituras e contratos com imperfeições na redação, sendo desnecessário refazer ou retificar o documento se erros materiais, ou omissões identificadas no Registro de Imóveis puderem ser corrigidas com novos documentos ou declarações dos interessados diretamente no cartório.
Uma alteração, ainda recente, da Lei dos Registros Públicos foi editada para oferecer mais agilidade segurança e tranquilidade ao registrador para a prática dos atos de sua competência.
Certamente ela não tem como objetivo “simplificar a atuação” de tabeliães ou Agentes Financeiros, advogados, Juízes e servidores da Justiça que produzem documentos sujeitos à qualificação registral imobiliária - além das escrituras públicas também se sujeitam aos rigores do registro imobiliário Contratos Particulares, Cartas de Sentença, Formais de Partilha e Mandados Judiciais. Esta é a convicção do autor deste artigo despretensioso que se qualificada como Tabelião de Notas titular de um Cartório na cidade de Campinas – SP (1).
Justa era a demanda social diante da antiga dificuldade enfrentada pelos usuários do serviço público. De maneira sábia e oportuna, o problema teve sua solução indicada pelo legislador.
Diante desta nova realidade é necessário que todos os registradores de imóveis do país passem a adotar o mesmo entendimento defendido pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB conforme lições dadas na obra eletrônica A Lei n. 14.382/2022 e seus reflexos no registro de imóveis editada sob organização de Caroline Feliz Sarraf Ferri e Jannice Amóras. (2)
Confiram-se os trechos a seguir reproduzidos (Cap.6 - p 31 e 32)
..... A desburocratização alinhada com a segurança jurídica são valores a serem seguidos pelos Notários e Registradores, especialmente diante da dinamicidade dos atos e negócios jurídicos realizados na era da internet.
Com o desiderato de acompanhar o avanço tecnológico e social, a legislação registral se atualizou para permitir que o Oficial de Registro de Imóveis, visando à simplificação do procedimento de registro, permita a complementação do título por outro documento, sendo vedado exigir, por exemplo, que se retifique uma escritura quando um outro documento idôneo possa comprovar os dados omissos ou com vícios.
A complementaridade deve ser lida como baliza interpretativa a ser seguida pelo Registrador, como forma de atuar para um procedimento registral simplificado, sem descurar da necessária segurança jurídica, atuando, sob este viés, como verdadeiro “princípio”.
Com efeito, visando à prática do ato registral, não se tratando de vício em elemento essencial, o título que for apresentado na serventia poderá ser saneado pelo próprio usuário do serviço, mediante a apresentação de documentos que demonstrem a correção do ato ou dos dados que constaram erroneamente no título. Assim, é direito subjetivo do interessado apresentar outros documentos, de forma a suprir eventual irregularidade no título, como alternativa à retificação do título. Cabe ao usuário portanto, escolher se retifica o título ou apresenta o documento complementar, desde que idôneo.
Com efeito, não será necessário exigir do usuário a apresentação de documentos comprobatórios de informações quanto à qualificação das partes ou em relação aos dados cadastrais do imóvel, tampouco acessórios do negócio jurídico, caso estes documentos sejam apresentados em conjunto com o título ou após solicitação por nota devolutiva fundamentada.
De igual modo, vale frisar que as partes podem complementar declarações eventualmente omissas no título, mediante documento anexo ou afirmação posterior no próprio título, se for o caso, que corresponda à declaração faltante.
Destaque-se que, tratando-se de omissão de elemento essencial do negócio, que influencie, portanto, na própria manifestação volitiva das partes (como é o caso da omissão quanto à natureza do negócio, a espécie ou o valor da coisa ou dúvida em relação ao consenso ou vontade das partes, por exemplo), necessariamente deverá ser realizada a correção do próprio título, mediante a expedição de novo título sem as omissões do anterior ou título que retifique os dados do anterior, ratificando as demais cláusulas e informações, a exemplo da escritura pública de rerratificação.
É de se ressaltar que, a contrario sensu, também não é possível ao Oficial de Registro exigir a apresentação de documentos cujos dados necessários ao registro já estejam consignados expressamente no título apresentado, quando tratar-se de documento público ou legalmente equiparado, vez que estes gozam de presunção de legitimidade e veracidade, desde que os elementos necessários à identificação do documento que lhe deu suporte estejam transcritos. (sem grifos no original)
A POSTURA DO TABELIÃO DIANTE DA NOVA LEI
Inquestionavelmente existe uma nova realidade registral imobiliária; demanda dos tempos que foi acolhida integralmente pelo legislador brasileiro quando ofereceu ao Oficial do Registro de Imóveis a possibilidade de encantar o seu cliente (3) oferecendo a ele, não a decepção, recusa e obstáculo para a regularização de seu imóvel, mas um meio célere e eficaz dotado de efetivo potencial para, ao menos em parte, agilizar o complexo procedimento representado pela aquisição da propriedade imobiliária.
Assim considerado, o Tabelião de Notas do Distrito de Sousas, do Município e Comarca de Campinas – SP, que apesar de todos os cuidados tomados, infelizmente, também comete erros e deslizes nas escrituras de sua lavra e que deverão ser objeto de qualificação registral, tem como regra constar textualmente nos atos notariais um tópico relacionado ao registro conforme reproduzido a seguir:-
...... DO REGISTRO IMOBILIÁRIO:- Pelas partes foi declarado ainda que, desde já, autorizavam o Oficial do Registro de Imóveis a proceder as eventualmente necessárias anotações, averbações, abertura de matrículas, cancelamentos e registros anteriores e o que se mostre necessário por ocasião do registro desta escritura. Requerendo ainda, desde já, que na qualificação da presente escritura, em havendo a identificação de inconformidade entre o que dela consta e os elementos do Registro Imobiliário, no que se referir a especialidade objetiva (qualificação do imóvel), especialidade subjetiva (qualificação das partes envolvidas na transação imobiliária) ou ainda quando se identificar necessidade de nova manifestação de vontade que não venha a representar alteração de elementos essenciais deste negócio jurídico, para garantia da celeridade e eficiência do Serviço Público e em atendimento ao disposto no parágrafo 17 do inciso I do artigo 176 da Lei dos Registros Públicos (com sua nova redação dada pela Lei nº 14382/2022), que eventual inconformidade possa ser corrigida com a apresentação de outros documentos ou suprida com nova manifestação de vontade em documento próprio, de modo a evitar a retificação formal desta escritura pública e novo comparecimento em tabelionato de todas as partes interessadas no negócio jurídico regulamente realizado.
Estas singelas observações, ora disponibilizadas por meio eletrônico, efetivamente não representam novidade, considerado que já decorridos dois anos da entrada em vigor da Lei 14382/2022 que alterou muitos dispositivos da Lei 6015/73.
A motivação para a divulgação insistente do teor e alcance da inteligência do parágrafo acrescentado ao artigo 176 da Lei dos Registros Públicos, resulta da prática do Tabelião de Notas que, ainda neste janeiro do ano de 2025 se vê às voltas de Notas de Devolução para Registro de Escrituras Públicas que claramente se mostram inoportunas diante da nova ordem legal.
UM EXEMPO A NÃO SER SEGUIDO
Muitos poderiam ser os exemplos da conduta inaceitável de alguns registradores de imóveis que insistem (em franca desobediência da norma em vigor na atualidade) na formulação de exigência de retificação de título apresentado à sua qualificação por conta da identificação de insignificantes erros de redação.
Um único exemplo é oferecido nesta ocasião: em data recente foi exigida a retificação de uma Escritura Pública de Inventário de Partilha – ato complexo que envolveu um elevado número de pessoas e assistência de advogado habilitado – unicamente por conta de erro na grafia do nome de família de uma das partes; curiosamente o erro era tão insignificante que nem a própria interessada o percebeu quando assinou o instrumento em espaço acima da indicação incorreta de seu nome: na escritura constou “CAGLIEIRANI” ao invés de “CAGLIERANI” (talvez, em uma primeira leitura, nem mesmo o raro leitor tenha identificado onde afinal está o erro!).
Evidente que o registrador não precisaria realizar devolução formal indicando ter havido erro na escritura de inventário e que seria necessário consertar o documento. A Nota de Devolução expedida certamente deu causa a momentos de angústia, quiçá uma noite se insônia, para aquelas pessoas simples que, com muito sacrifício conseguiram realizar o oneroso e burocrático procedimento.
A solução simples, célere, segura e em absoluta conformidade com a nova redação da lei dos registros públicos, seria realizar o registro mediante a conferência dos documentos apresentados e, se não expressamente requerido na própria escritura, poderia o registrador exigir apenas um requerimento formal autorizando a prática do registro com a correta grafia e qualificação pessoal do interessado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um apelo aos registradores: ao qualificar títulos para registro, além do estrito cumprimento da Lei dos Registros Públicos, não se deve descuidar da sensibilidade, que alegremente adote a inteligência dos novos dispositivos conforme indicado por boa doutrina e o senso prático. Que se ofereça ao usuário, ao invés de obstáculos causadores de revolta e rancor, satisfação e encantamento além da garantia da segurança jurídica - ainda tão cara e carente à nossa sociedade.
Como encerramento uma última ressalva: mesmo diante do maior cuidado, erros desculpáveis, podem acontecer na atuação de tabeliães, Juízes de Direito, Advogados e outros profissionais. Não se pode negar que na qualificação registral o ideal a ser perseguido é a perfeição dos documentos; entretanto, há de se reconhecer que falhas são possíveis e o máximo que se deve exigir é a busca da melhor produção possível, consideradas as limitadas possibilidades humanas.
Marco Antonio de Oliveira Camargo
Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas do Distrito de Sousas em Campinas - SP
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(1) – O autor, no passado já se manifestou sobre erros em escrituras públicas e formas de correção. O artigo denominado Ata Notarial e Atos Retificatórios - Uma Reflexão Necessária teve publicação eletrônica pela Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3597, 7 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24371. (publicação acessada em: 4 dez. 2024). O texto também integra a Revista de Direito Notarial nº 3 - Edição do Colégio Notarial do Brasil - Seção de São Paulo (Revista de Direito Notarial. São Paulo: Quartier Latin, 2011 - v.3 - p.341 e seguintes).
(2) Obra acessível em https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/segunda-edicao-do-e-book-undefineda-lei-14-382-2022-e-seus-reflexos-no-registro-de-imoveisundefined-ja-esta-disponivel
(3) A expressão utilizada – encantar o seu cliente – efetivamente não é das melhores para definir relação ótima entre usuário e delegatário responsável pela prestação de um serviço público (Titular de Cartório), mas certamente é do agrado de quem pretende melhorar a relação de um prestador de serviço com o público que sustenta economicamente sua atividade.
Capa da 2ª edição da obra eletronica citada....
Reprodução da página 31 da 1ª edição da obra eletronica
Reprodução da página 32 da 1ª edição da obra eletronica
Reprodução da página 33 da 1ª edição da obra eletronica