Introdução
A atuação do corretor de imóveis no mercado imobiliário é de suma importância, principalmente no que se refere à intermediação de transações de compra, venda e locação de imóveis. No entanto, tem-se observado uma prática comum que levanta sérias questões jurídicas: o corretor de imóveis, em alguns casos, assume funções que são de competência exclusiva de profissionais devidamente habilitados, como engenheiros e arquitetos, especialmente no que diz respeito à realização de vistorias, avaliações, perícias e revisionais de aluguel. Essa prática não só viola as delimitações legais de cada profissão, mas também pode gerar insegurança jurídica e consequências para os envolvidos.
Este artigo visa abordar os aspectos legais e as implicações da atuação indevida dos corretores de imóveis em funções que não lhes competem, destacando as implicações jurídicas dessa prática, as normas que regem as profissões envolvidas e as consequências para o mercado imobiliário.
O Papel do Corretor de Imóveis e Seus Limites Legais
O corretor de imóveis, conforme regulamentado pela Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978, é um profissional especializado na intermediação de transações imobiliárias, com atribuições limitadas à apresentação de imóveis, intermediação na compra, venda ou locação, bem como na orientação sobre valores de mercado. Sua formação, geralmente, inclui a conclusão de um curso técnico em transações imobiliárias, que o habilita a atuar nessas funções específicas. No entanto, essa formação não lhe confere competência para exercer atividades de avaliação técnica do imóvel, como vistorias, perícias ou revisionais de aluguel, que exigem conhecimentos especializados de áreas como Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
A atuação de um corretor de imóveis fora de seus limites profissionais, ao assumir responsabilidades técnicas que não são de sua competência, pode gerar questionamentos sobre a validade de documentos como o Termo de Vistoria, utilizado frequentemente no mercado de locações. Este documento, quando redigido por um corretor, pode ser considerado insuficiente ou mesmo inválido como prova robusta das condições do imóvel, uma vez que as vistorias realizadas por profissionais não habilitados não possuem a devida confiabilidade técnica.
A Competência Exclusiva dos Profissionais Regulamentados
A Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, que regulamenta o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro agrônomo, define com clareza as atribuições desses profissionais. Entre as atividades previstas, estão as "avaliações, vistorias, perícias, pareceres", que são essencialmente técnicas e exigem formação acadêmica superior e registro no respectivo órgão de classe competente (Crea ou Conselho de Arquitetura e Urbanismo - CAU).
A Resolução nº 218, de 29 de junho de 1973, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), detalha ainda mais as atribuições dos profissionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, especificando que a execução de atividades como "vistoria, perícia, avaliação, arbitramento, laudo e parecer técnico" são prerrogativas desses profissionais. Tais atribuições envolvem conhecimentos técnicos e metodologias próprias que garantem a integridade e a precisão dos documentos gerados.
Além disso, o Código de Processo Civil (CPC), em seus artigos 464 e 465, estipula que "os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente", deixando claro que a prova pericial, que inclui exame, vistoria e avaliação, deve ser realizada por quem detém formação e habilitação adequadas.
O Acordo de Cavalheiros: Limitação de Atribuições
Um marco importante na definição de competências no mercado imobiliário foi o "acordo de cavalheiros" firmado em 30 de janeiro de 1988 entre os presidentes do Crea-MG e do Creci-4ª Região. Esse acordo visou estabelecer claramente as responsabilidades de cada profissional no contexto imobiliário, especialmente no que diz respeito a atividades técnicas como laudos, perícias, avaliações, vistorias e revisionais de aluguel. O documento estabelece que essas atividades são de competência exclusiva dos profissionais registrados no Crea, como engenheiros e arquitetos, e que o corretor de imóveis deve se limitar a opinar sobre o valor de mercado, sem poder realizar avaliações técnicas ou revisionais de aluguel.
Este acordo reforça a necessidade de que cada profissão atue dentro de seus limites legais e de suas competências, a fim de garantir a qualidade dos serviços prestados e evitar que documentos e procedimentos como o Termo de Vistoria percam sua validade jurídica.
Consequências Jurídicas da Atuação Indevida do Corretor de Imóveis
A prática de corretores de imóveis realizando vistorias ou avaliações sem a devida competência técnica pode trazer diversas consequências jurídicas:
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Invalidação de Documentos: O Termo de Vistoria realizado por um corretor de imóveis sem a devida qualificação técnica pode ser contestado em juízo. Isso ocorre porque a falta de expertise na avaliação das condições do imóvel pode comprometer a precisão das informações registradas, o que pode afetar a validade do documento como prova em ações judiciais.
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Responsabilidade Civil: Caso o corretor de imóveis realize uma vistoria inadequada ou imprecisa e isso cause prejuízos para uma das partes envolvidas, ele pode ser responsabilizado civilmente pelos danos causados. Isso inclui a possibilidade de indenizações por erro técnico ou omissão de informações relevantes.
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Apreciação Judicial: Em muitos casos, os tribunais têm sido chamados a decidir sobre a validade de vistorias realizadas por corretores, especialmente em ações relacionadas a locação e revisão de aluguéis. Quando a vistoria não atende aos critérios técnicos exigidos pela legislação, o juiz pode determinar a realização de uma nova vistoria por um engenheiro ou arquiteto, o que retarda o processo e pode gerar custos adicionais.
Conclusão
A atuação do corretor de imóveis deve respeitar os limites legais estabelecidos para sua profissão. Embora o corretor seja essencial para a intermediação de transações imobiliárias, ele não está habilitado a realizar atividades técnicas, como vistorias, avaliações, perícias e revisionais de aluguel, que são competências exclusivas de engenheiros, arquitetos e agrônomos. O exercício indevido dessas funções não só compromete a validade de documentos importantes, como o Termo de Vistoria, mas também pode resultar em responsabilidades legais e prejuízos para as partes envolvidas.
Portanto, é imprescindível que o mercado imobiliário respeite as delimitações de cada profissão, garantindo a qualidade e a confiabilidade dos serviços prestados. Para evitar questionamentos judiciais e problemas relacionados à validade dos documentos, é fundamental que corretores de imóveis se limitem às suas funções de intermediação e que profissionais qualificados sejam contratados para a realização de vistorias e avaliações técnicas, conforme exigido pela legislação vigente.