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Aborto no Brasil: a relevância do sigilo médico na proteção da dignidade feminina

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17/01/2025 às 09:15

Resumo:


  • A criminalização do aborto no Brasil envolve questões éticas, direitos fundamentais e saúde pública.

  • O Código Penal protege a vida intrauterina, mas frequentemente ignora direitos essenciais das mulheres, como dignidade, autonomia e privacidade.

  • O sigilo médico é fundamental na relação médico-paciente, garantindo acesso seguro a serviços de saúde e evitando a criminalização indevida.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Conclusão

A criminalização do aborto no Brasil, por veicular um desacordo moral razoável, apresenta desafios complexos quando analisada sob a ótica dos direitos fundamentais das mulheres e da prática médica. Embora o CP busque proteger a vida intrauterina, sua aplicação em contextos restritivos muitas vezes ignora a dignidade e a autonomia da mulher. Essa lacuna é agravada pela instrumentalização do sistema de saúde como mecanismo de repressão, onde a quebra do sigilo médico surge como um fator central. O sigilo, regulamentado pelo CPP e pelo CEM, não é apenas um dever profissional, mas uma garantia de proteção aos direitos fundamentais. Casos emblemáticos julgados pelo STJ e pelo STF, como, nesta última corte, o HC nº 783.927/MG, evidenciam a necessidade de assegurar que a relação médico-paciente seja preservada, evitando que profissionais de saúde sejam forçados a se tornar agentes de denúncia.

Ademais, a análise da jurisprudência demonstra que os tribunais superiores têm avançado no reconhecimento do sigilo médico como uma salvaguarda indispensável, especialmente em casos que envolvem direitos reprodutivos. Decisões como a do STF sobre a anencefalia ampliaram a compreensão sobre o aborto, permitindo uma abordagem mais humanizada e ética. Essa evolução, no entanto, enfrenta resistências no contexto legislativo, onde a ausência de regulamentações mais amplas reforça o estigma e a vulnerabilidade das mulheres.

Nesse contexto, o sigilo médico é essencial para preservar a dignidade das pacientes e garantir que a confidencialidade seja mantida mesmo em situações de conflitos morais ou pressão social. Nesse sentido, o CEM reforça que a violação do sigilo deve ser uma exceção justificada por risco iminente ou dever legal claro, jamais podendo ser usada para criminalizar pacientes. A doutrina enfatiza que a proteção ao sigilo médico é indispensável para equilibrar a proteção da vida intrauterina com os direitos fundamentais das mulheres, promovendo um sistema jurídico mais justo.

Por fim, à guisa de conclusão, importante enfatizar que o debate sobre o aborto no Brasil precisa transcender a mera aplicação de penas e considerar as dimensões éticas, sociais e de saúde pública envolvidas. A preservação do sigilo médico é uma peça-chave nesse quebra-cabeças, representando uma garantia tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde. Violações ao sigilo comprometem a dignidade humana e fragilizam a confiança no sistema de saúde, afastando mulheres em situações de risco e ampliando desigualdades. O fortalecimento das proteções jurídicas ao sigilo médico é um passo fundamental para assegurar um atendimento mais humano e democrático, respeitando a dignidade das mulheres e os direitos reprodutivos. A jurisprudência brasileira, ao consolidar decisões que protegem a confidencialidade, aponta para um caminho mais equilibrado e inclusivo. No entanto, é imprescindível que o legislador avance na regulamentação de políticas que reconheçam a complexidade do tema e promovam um diálogo efetivo entre a proteção da vida e os direitos das mulheres, garantindo que os sistemas jurídico e médico caminhem juntos em direção a uma sociedade mais justa.


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Abstract: The criminalization of abortion in Brazil involves ethical issues, fundamental rights and public health. Although the Penal Code protects intrauterine life, it often ignores women's essential rights, such as dignity, autonomy and privacy. In specific situations, such as risk to the life of the pregnant woman or pregnancy resulting from rape, abortion is permitted, and in 2012, the Supreme Court, when judging ADPF 54, broadened this understanding to include cases of fetal inviability, such as anencephaly, recognizing the psychophysical damage that maintaining the pregnancy can cause to the woman. Medical confidentiality, fundamental in the doctor-patient relationship and guaranteed by the Constitution, criminal legislation and the Code of Medical Ethics, emerges as an indispensable protection. Recently, STJ decisions have reaffirmed the importance of this confidentiality, invalidating evidence obtained through its violation in abortion cases, recognizing confidentiality as an essential tool to avoid undue criminalization and guarantee safe access to health services. However, divergent jurisprudence and legislative gaps still reflect the challenges of the issue in Brazil. Strengthening medical confidentiality, therefore, is fundamental to balancing the protection of intrauterine life and reproductive rights, promoting a fairer legal system and an inclusive and ethical debate on women's health and dignity.

Key words : Health. Abortion. Anencephaly. Medical confidentiality. ADPF 54. Ethics.

Sobre o autor
Antônio Marcos de Paulo

Advogado, auditor de controle externo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULO, Antônio Marcos. Aborto no Brasil: a relevância do sigilo médico na proteção da dignidade feminina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7870, 17 jan. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112510. Acesso em: 5 dez. 2025.

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