A corrupção, enquanto fenômeno social complexo, acompanha a história da humanidade desde as mais antigas civilizações. Manifestando se sob diversas formas, desde o suborno e apropriação indevida de recursos públicos até o nepotismo e o tráfico de influência, as "patologias corruptivas", como alguns autores as denominam (Friedrich, 2014), corroem as instituições, minam a confiança pública e prejudicam o desenvolvimento social e econômico. No Brasil, a corrupção também possui raízes históricas profundas, remontando ao período colonial, com práticas de desvio de recursos e favorecimento ilícito que se perpetuaram ao longo dos séculos (HOLANDA, 1995). Compreender essa trajetória histórica é fundamental para contextualizar a importância da Lei nº 12.846/2013, a L ei Anticorrupção , que representou um avanço crucial no ordenamento jurídico brasileiro ao responsabilizar objetivamente empresas por atos lesivos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Transcorridos mais de dez anos de sua vigência, uma análise crítica se faz necessária para identificar pontos de aprimoramento que impulsionem sua eficácia e consolidem uma cultura de integridade no ambiente público e empresarial. Diante disso, examinam se três aspectos fundamentais: a uniformidade na aplicação das sanções, o incentivo a programas de compliance eficazes e o aprimoramento dos acordos de leniência.
A aplicação desigual das sanções da Lei Anticorrupção entre diferentes órgãos e instâncias governamentais tem gerado insegurança jurídica e comprometido sua efetividade (COMPARATO, 2014). A ausência de critérios objetivos para a dosimetria das penalidades abre margem para interpretações divergentes, dificultando a previsibilidade e a isonomia no tratamento das empresas. Para mitigar essas inconsistências, é essencial estabelecer diretrizes claras que orientem a aplicação das sanções, levando em consideração fatores como a gravidade da infração, o porte da empresa e seu grau de colaboração com as investigações. Além disso, a coordenação entre órgãos como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério Público pode contribuir para a uniformização das decisões e o fortalecimento do combate à corrupção (SUNDFELD, 2018).
Os programas de compliance são ferramentas fundamentais para prevenir e detectar irregularidades no setor empresarial (KAPSTEIN; WESTERVEEN, 2016). No entanto, sua mera existência não garante eficácia. É necessário definir critérios objetivos para avaliar sua implementação e assegurar que promovam uma verdadeira cultura de integridade corporativa (OECD, 2017). Regulamentações mais precisas devem contemplar aspectos como governança, gestão de riscos, canais de denúncia e treinamentos, além de oferecer incentivos concretos às empresas comprometidas com a integridade, como redução de penalidades e reconhecimento público das boas práticas.
Os acordos de leniência, por sua vez, têm sido instrumentos estratégicos para desmantelar esquemas de corrupção, permitindo que empresas forneçam informações relevantes em troca de benefícios legais (NOBRE JR., 2019). No entanto, a falta de clareza nos critérios de negociação e a percepção de desigualdade no tratamento das empresas comprometem sua adesão. Para fortalecer esse mecanismo, é fundamental garantir maior transparência, publicidade das etapas do acordo e segurança jurídica aos envolvidos. O equilíbrio entre celeridade nas investigações e direitos das empresas é essencial para assegurar a legitimidade dos acordos e a efetividade do combate à corrupção.
A Lei Anticorrupção representa um avanço na promoção da integridade nos setores público e privado do Brasil . No entanto, aprimorar sua aplicação, fortalecer os programas de compliance e tornar os acordos de leniência mais transparentes são medidas essenciais para consolidar um ambiente de negócios mais ético e competitivo. O aperfeiçoamento contínuo da Lei nº 12.846/2013 não é apenas uma questão legal, mas um investimento no futuro do país.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011 2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 18 jan. 2025.
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 12. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
FRIEDRICH, Carl Joachim. Anatomia da corrupção. Brasília: Contraponto, 2014.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
KAPSTEIN, Ethan B.; WESTERVEEN, Jérémie. The anatomy of corporate corruption: The supply side. Annual Review of Political Science, v. 19, p. 297-314, 2016.
NOBRE JR., Edilson Pereira. Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
OECD. OECD Anti-Bribery Convention. Paris: OECD Publishing, 2017.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2018.