A PEC da insegurança : O retorno

20/01/2025 às 18:05
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Em 31 Out 24, o senhor Ministro Ricardo Lewandowski apresentou aos senhores governadores proposta de PEC, que teria o objetivo de reorganizar (re?) o Sistema de Segurança Pública, visando a reduzir a insegurança em nosso país, desacelerando o crescimento da espiral da criminalidade, principalmente a violenta e a organizada.

Na ocasião, ao final, os convidados se distribuíram em dois grupos: no primeiro, os que rechaçaram o documento, dentre outros pontos, por entenderem que feria a constitucional autonomia estadual e/ou por não ter sido considerado que cada Estado é uma realidade cultural diferente e/ou porque o protagonismo na contenção da criminalidade, na maioria dos casos, deve ser dos Estados, cabendo à União o trabalho complementar, de coadjuvante; no segundo grupo, os que ficaram “em cima do muro”.

Em vista das manifestações desfavoráveis, o senhor Ministro comprometeu-se a revisar o documento, para o que voltaria a conversar com os governadores e demais entidades, públicas e privadas, compromissadas com a temática.

Em 15Jan25, aquela autoridade apresentou a versão modificada, que estará sendo encaminhada à Casa Civil, para exame e eventual encaminhamento ao Congresso. Na ocasião, pediu que o documento fosse lido de forma assertiva e acolhedora, pois, a seu ver, decorreu de exaustivo esforço para definir pontos que mitigassem o aumento da criminalidade, que, agora, é interestadual e, até mesmo, transnacional.

Sob minha óptica técnica, decorrente de conhecimento e experiência, numa rápida síntese, entendo que a PEC proposta tem acertos e erros. 

Os acertos: o primeiro, o fortalecimento (ou seria instalação?) da coordenação – da atividade de contenção criminal – atual calcanhar de Aquiles do teórico Sistema de Segurança Pública, SUSP (Lei 13.365, de 11Jun18), que, na proposta, aparece com o nome de Sistema de Segurança Pública e Defesa Social (sem que se conheça uma definição do que seja uma coisa e outra); o segundo, seria a constitucionalização do Fundo de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário (em que pese a proposta falar em “instituir” fundos que já existem – respectivamente a Lei 10.201, de 14Fev01 e a Lei Complementar nº79, de 07Jan94), o que, por certo, evitará apaniguamentos.

Os erros ocorrem por contrariar, no mínimo, dois princípios da administração pública: a efetividade (extensão do Princípio da Eficiência) e a descentralização.

Quanto à efetividade (capacidade de produzir um resultado com qualidade e objetividade), verifica-se que a estratégia de diagnosticar o problema a ser enfrentado (Lei 13.365, Art.7º) foi considerada parcialmente. O que a comunidade em geral quer são ações (vigorosas, se necessário, o que não significa atrabiliárias, desumanas) que mitiguem, restrinjam, reduzam a angustiante e ousada violência da criminalidade. Ora, é cristalino que esse fato social é menos um problema policial que um grave e complexo problema sociopolítico. Contudo, a PEC trazida, ainda que tratando Segurança Pública de forma restritiva (como sendo a contenção da criminalidade, apenas), se preocupou apenas em apresentar prescrições para exercício da atividade policial, determinações para a causalidade (vértice para onde fluem as causas e refluem os efeitos), sem se ocupar dos fatores geradores da criminalidade. De fato, melhorou a qualidade do rodo que remove a água em um cômodo, durante a tempestade, mas a chuva forte continua.

Quanto à descentralização (que enseja flexibilidade, inovação e agilidade), o MJSP deveria estimular, patrocinar a criação, a diversificação de outros órgãos para desempenho de atividades policiais, buscando bons resultados, minimamente pela emulação. 

Ao contrário, propõe a criação da Polícia Viária, gerando um sobrepeso que pode ter influência negativa nas ações que a PRF, atualmente, vem realizando magnificamente bem em nossas rodovias federais. 

Em macro polícias aumentam as dificuldades de controle de ações e de resultados. Embora a desconcentração esteja sendo uma prática salutar na Administração Pública, convém frisar que a instrumentalização de entidades que realizam atividades policiais é importante, mas não é suficiente. 

Uma análise detalhada exigirá maior tempo. Por exemplo, atendendo a pedido dos governadores, a nova PEC retirou a expressão “de observância imperativa” em certo trecho, porém, em outros, há emprego dúbio de verbos: eles sugerem ou impõem diretrizes? Com a supressão, por que a inclusão de inciso no Art. 22: “Compete privativamente à União legislar sobre: ... XXXI - normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário? Estabelece que a Polícia Viária (uma das polícias ostensivas da União) não pode realizar trabalhos da Polícia Federal (polícia investigativa e judiciária). Considerando o crescimento do crime cibernético, o aumento das Orcrims e que a demanda por investigação e inteligência policial vem crescendo, seria oportuno que a PEC estabelecesse que a Polícia Federal não poderá realizar ações e operações de Polícia Ostensiva. Não foi dita uma palavra sobre a Força Nacional. Por que não a reconhecer constitucionalmente, como foi feito recentemente com a Polícia Penal? 

Enfim, a atualização de mecanismos de proteção da sociedade contra a criminalidade é absolutamente necessária (discutível o ato normativo. Uma PEC?). Para isso, o problema deve ser examinado em seu todo, para que as propostas de soluções não sejam parciais. Lembrando o eminente jurista Roberto Lyra: “Sem solução da questão social, não haverá solução da questão criminal”. Evidentemente, o jurisconsulto não se referiu, apenas, à pobreza, miséria, fome, desemprego que podem ser fatores componentes, mas, jamais, determinantes de criminalidade, como podem ser os transtornos mentais, a fraqueza de caráter, incivilidade, impunição, impunidade, etc.

O ato normativo deve preocupar-se em trazer respostas para menores em situação de risco (que, inclusive estão sendo cooptados); para o conluio de segmentos estatais e empresariais com a geração de ameaças (corrupção); desrespeito aos valores civilizatórios e desobediência às regras sociais; distopia estatal (inexistência ou funcionamento anômalo de serviços públicos de qualidade, tais que educação, saneamento, iluminação, assistência); grave desimportância dada ao trabalho socioeducativo (nos CRAS e em entidades de atendimento, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA); ilusão de isotopia (sensação de que se está em um lugar onde está ocorrendo uma ameaça ou de que essa ameaça logo chegará onde se está); desatenção com a execução penal administrativa conhecida, por impróprios nomes, como sistema penitenciário, carcerário, prisional (e os estabelecimentos penais à beira de explodir).

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Concluindo, essa PEC trata, apenas, de algumas regras para a contenção da criminalidade, guardando equivocada sinonímia com Segurança Pública. E o faz de forma insuficiente, porque trata de uma parte do volume emerso, sem considerar a parte submersa desse enorme iceberg, que é a defesa da sociedade contra as ameaças do homem contra o homem, do homem contra a natureza e da natureza contra o homem.

Será que a Casa Civil, que vai examiná-la, perceberá isso? Ou os congressistas?

Sobre o autor
Amauri Meireles

Coronel Veterano da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais Foi Comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte - MG- Membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública Membro da Academia de Letras dos Militares Mineiros Capitão Médico João Guimarães Rosa   

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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