Fishing Expedition e o Direito Administrativo Sancionador: Limites à Atuação Investigativa

21/01/2025 às 16:20
Leia nesta página:

Resumo

Este artigo analisa o instituto do fishing expedition (pesca probatória) no contexto do direito administrativo sancionador, discutindo como a atuação investigativa estatal pode, em certos momentos, ultrapassar os limites da legalidade e das garantias fundamentais. A prática de investigações exploratórias, sem indícios concretos de irregularidade, gera preocupações sobre abuso de poder, desproporcionalidade e violação do devido processo legal. A partir de uma perspectiva doutrinária e jurisprudencial, o trabalho examina mecanismos para evitar tais abusos, propondo critérios objetivos para assegurar uma investigação legítima e proporcional.

Palavras-chave: Fishing expedition, direito administrativo sancionador, abuso de poder, garantias fundamentais, proporcionalidade.

Abstract

This article analyzes the concept of fishing expedition (evidence fishing) within the context of administrative sanctioning law, discussing how state investigative actions can, at times, exceed the boundaries of legality and fundamental guarantees. The practice of exploratory investigations, without concrete evidence of wrongdoing, raises concerns about abuse of power, disproportionality, and violations of due process. From a doctrinal and jurisprudential perspective, the paper examines mechanisms to prevent such abuses, proposing objective criteria to ensure legitimate and proportional investigations.

Keywords: Fishing expedition, administrative sanctioning law, abuse of power, fundamental guarantees, proportionality.


Introdução

O direito administrativo sancionador exerce um papel relevante na repressão de infrações administrativas, como violações de normas regulatórias, tributárias e ambientais. Entretanto, essa função punitiva deve ser exercida dentro dos limites constitucionais, evitando abusos. Nesse contexto, o fenômeno do fishing expedition — investigações exploratórias e amplas, realizadas sem indícios suficientes — torna-se uma preocupação, pois pode violar direitos fundamentais, como a presunção de inocência e o devido processo legal. O objetivo deste artigo é analisar como essa prática se manifesta no direito administrativo sancionador e propor limites para assegurar que a atuação investigativa se mantenha legítima e proporcional.


Fishing Expedition: Conceito e Aplicação no Direito Administrativo

O termo fishing expedition tem origem no direito inglês e se refere a investigações conduzidas sem uma hipótese clara, na tentativa de “pescar” evidências ao acaso. No direito brasileiro, essa prática é frequentemente associada a investigações que extrapolam seu escopo inicial ou se iniciam sem justa causa. No âmbito do direito administrativo sancionador, a preocupação é que o poder público utilize ferramentas investigativas de forma arbitrária, sob pretexto de fiscalização, mas sem embasamento legal ou indícios concretos de infração.

Inicialmente se vislumbra o instituto jurídico do fishing expedition como um instituto jurídico atrelado ao processo penal, vinculado as medidas cautelares de busca e apreensão, cujas origens se iniciaram na Idade Média Inglesa. 1

A temática embora importada do direito comparado vem ganhando força na seara acadêmica e consequentemente prática, o doutrinador de direito público, Mauro Roberto Gomes de Mattos explica em uma obra jurídica a origem da popularização do tema:

“Apesar de ser tema presente no direito comparado, aqui em nosso pais o assunto vem ganhando formato jurídico elevado, ante a demonstração frequente do desvio de finalidade de investigações que geram a fishing expedition. Nesta, em um primeiro passo, violam-se as garantias constitucionais para, posteriormente, buscar justificar caso verificada a existência da prática ou não de um ato ilícito a devassar os direitos individuais, como tentativa de perscrutação investigatória, até achar algo que justifique a persecução estatal, a todo custo. O sistema de direitos fundamentais foi concebido para qualificar o poder investigatório do Estado, evitando-se acusações infundadas e sem a mínima plausibilidade de demonstrar violação ao bem jurídico.” 2

Embora seja uma prática frequente no processo penal, nada impede que procedimento investigatório se inicie na esfera penal e se ramifique a ponto de se iniciar um inquérito civil ou uma ação civil pública contra um servidor ou agente público.


Limites às buscas abusivas por indícios ou provas no Direito Administrativo Sancionador: vedação a atividade do fishing expedition.

O poder investigativo na área do Direito Administrativo Sancionador não deve se diferenciar tanto do poder investigativo na esfera penal, visto que o mesmo deve se limita sempre aos princípios constitucionais e aos direitos e garantias constitucionais.

A necessidade de respeitar os limites constitucionais no âmbito investigativo (pré-processual) e processual não é um mero artificio de respeito as regras do jogo e sim uma preservação da humanidade do acusado/investigado/réu.

Virgílio Afonso da Silva entende que a implicação da garantia do devido processo penal, sobretudo na esfera penal, não é apenas uma exigência de que o processo penal seja justo, mas o dever de tratar os envolvidos como sujeitos de direito, e não como objeto de perseguição, e completa que para que isso ocorra, depende de que as partes sejam efetivamente ouvidas e tenham direito de se manifestar da forma mais ampla possível.

Mauro Gomes de Mattos ao analisar sobre os limites constitucionais e devido processo legal narra que:

“o devido processo legal, sem modulação, assegura ao investigado que o procedimento investigatório será concretizado dentro de um fair play, sem a produção de artifícios ou de pescaria probatória, evitando-se que a todo custo possa ser encontrado algo que “legitime” a devassa perpetrada contra o agente público no afã de se encontrar a prática de um ilícito funcional, até então não conhecido. O investigado/acusado não pode ser vítima de padrão ilícito de investigação, que a todo custo busca encontrar algo que justifique a vagueza da imputação, visando a criação de provas que possam servir ao fim colimado do poder público, de encontrar algo que seja útil a um possível decreto demissionário do agente público ou de uma ação natimorta, produzida sob a talante da falsa aparência da prática de um delito funcional.”

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O poder de persecução estatal não pode simplesmente ser ilimitado e muito menos pode servir para devassar a vida de um réu ou investigado com mandados de busca e apreensão genéricos e sem fundamento robusto.


Jurisprudência sobre Limites às Investigações Administrativas

A jurisprudência brasileira reconhece o risco de abusos investigativos e tem, em alguns casos, delimitado o alcance das investigações. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que investigações administrativas devem ser conduzidas com base em justa causa e respeitar o escopo delimitado pela lei (REsp 1.841.423/SP). Em decisões semelhantes, o STJ e tribunais estaduais têm anulado atos administrativos que se basearam em meras suspeitas genéricas.


Propostas para Evitar Fishing Expedition no Direito Administrativo

Para assegurar que a administração pública não incorra em práticas abusivas, algumas medidas podem ser adotadas:

1. Exigência de Indícios Preliminares: A instauração de investigações deve depender de informações ou evidências mínimas que justifiquem a apuração.

2. Limitação do Escopo: A autoridade investigativa deve definir com precisão quais fatos serão investigados, evitando uma atuação desproporcional.

3. Supervisão e Controle: A revisão jurisdicional e administrativa das investigações garante que os procedimentos sejam legítimos e que abusos possam ser corrigidos.

4. Responsabilização por Abuso de Poder: A administração e os agentes responsáveis por investigações arbitrárias devem ser responsabilizados por seus atos.


Conclusão

O fishing expedition é um instituto problemático e relevante no direito administrativo sancionador, pois compromete garantias fundamentais e pode enfraquecer a confiança pública nas instituições. Embora a administração pública deva atuar de forma eficiente na repressão de infrações, essa atuação precisa respeitar os limites impostos pelo ordenamento jurídico. Investigações legítimas são essenciais, mas é preciso evitar abusos que violem a presunção de inocência e o devido processo legal. Assim, é necessário estabelecer critérios objetivos para a instauração de procedimentos investigativos, promovendo uma administração pública equilibrada e respeitosa dos direitos fundamentais.


Referências

• Brasil. Constituição Federal de 1988.

• Brasil. Lei nº 9.784/1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

• Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.841.423/SP.

• Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2023.

• Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2023.

• Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2023.

• Silva, Virgílio Afonso da. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Ed. Usp, 2021.

• Silva, Ghizoni da; SILVA, Philipe Benoni Melo e; ROSA, Alexandre Morais da. Fishing Expedition e encontro fortuito na busca e apreensão: um dilema oculto do processo penal. Florianópolis: Emais, 2022.


  1. SILVA, Viviani Ghizoni da; ELO E SILVA. ´hilipe Benponi. ROSA, alexandre Morais da. Fishing expedidition e encontro fortuito na busca e apreensão um dilema oculto no processo penal. 2 Ed. Florianopolis: Emais Editora, 2022, p.22.

  2. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Fishing expedition no Ditrrito Administrativo sancionador. Ed Juspodivm2024.

Sobre o autor
Rodrigo Carvalho Gama Silva

Advogado, inscrito na OAB RJ, pós graduado em Direito Tributário, Processo Legislativo e Direito Administrativo Sancionador. Mestrando em politicas públicas de Desenvolvimento Local. Ex Procurador Municipal do município de Seropédica - RJ Ex Assessor da Presidência da CBTU (COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS URBANOS) Procurador Jurídico na Câmara Municipal de Engenheiro Paulo de Frontin - RJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos