Resumo: O Direito Penal Máximo é corrente que defende a ampliação de leis penais e das penas de prisão, além da redução das garantias fundamentais dos acusados e indiciados. O que não seria uma solução para regular os conflitos humanos além de afrontar gravemente os princípios constitucionais vigentes no Brasil. A aplicação do Direito Penal Máximo pode proporcionar a insegurança jurídica, pois o Estado interage de forma extrema em todas as relações sociais; trata-se de um modelo incondicionado e ilimitado, além de ser excessivamente severo. O Direito Penal do Inimigo, desenvolvido por Günther Jakobs em 1985, na Alemanha, surgiu como uma resposta às novas formas de criminalidade decorrentes da transformação social. A Teoria do Inimigo compõe a Terceira Velocidade do Direito Penal , a qual faz uma distinção de tratamento entre aqueles considerados cidadãos e os considerados inimigos da sociedade. Estes últimos, vistos como ameaças ao Estado, delinquentes permanentes e, portanto, não merecedores das mesmas garantias.
Palavras-chave: Direito Processual Penal. Direito Penal. Garantias constitucionais. Direitos fundamentais. Modelo acusatório.
O surgimento do direito penal máximo e dos fundamentos dessa política criminal é incompatível com Estado Democrático de Direito. E, em todas suas vertentes, principalmente a partir da premissa do movimento da lei e da ordem, da tolerância zero e a teoria das janelas quebradas demonstram que o papel dos meios de comunicação na formação da opinião pública é crucial, o que pode gerar um sentimento de insegurança que assola a sociedade contemporânea, por isso, reivindica veementemente penas mais severas e medidas penais mais drásticas.
A priori, cabe apresentar os reflexos da globalização no direito penal, por conta de tal fenômeno desencadeou-se a superioridade do econômico sobre a política, concluindo-se forte redução da soberania do Estado-nação. Bem como o surgimento de novos atores internacionais e da exclusão da camada mais desfavorecida da sociedade, isto é, dos não consumidores.
Assim, na busca de soluções para a devida contenção dos deserdados, esquecidos pelo neoliberalismo e, para acalmar a população mais exaltada, surgiu uma política criminal extremamente repressiva, em contraposição ao modelo garantista, de intervenção penal mínima, no qual se fulcra nosso texto constitucional brasileiro vigente.
Frise-se que apesar do sistema penal pátrio possuir como fundamento um modelo garantista, isto é, um direito penal mínimo, há certa proeminência no atual contexto, do direito penal máximo, que ao revés do primeiro, suprime diversos direitos e garantias fundamentais do cidadão, que é infrator sendo considerado o inimigo do Estado.
No âmbito do direito penal, o neoliberalismo entra em choque com o direito penal minimalista, posto que seja formado por diversas garantias que protegem o sujeito contra o ius puniendi estatal, impedindo que o direito penal seja usado como forma de manipulação, abuso ou mera arbitrariedade. Portanto, o direito penal mínimo e garantista é que menos se adequa no tipo de controle social que é reivindicado pela globalização.
De fato, a globalização tornou necessária uma mudança no direito, principalmente para atender os anseios do mercado. E, na seara do direito penal, a ideologia neoliberal choca-se com o direito penal minimalista posto que seja formado por uma série de garantias que protege o sujeito contra o ius puniendi do Estado, impedindo que o direito penal venha ser usado como manipulação ou arbitrariedade. A influência do processo globalizador sobre o direito penal comporta dupla perspectiva.
Pela primeira, não se pode deixar de reconhecer a existência de tipos penais transnacionais que são resultantes da globalização e para os quais a reposta penal, é inofensiva. Já por outro lado, mostra-se evidente a necessidade do Estado em face do processo globalizador, de reprimir as reações dos excluídos, cujo número majorante e cujas ações podem atrapalhar em muito o equilíbrio do mercado.
Com a globalização deu-se o surgimento de novas formas de criminalidade que ultrapassaram as fronteiras dos Estados, e diante da inexistência de organismos internacionais que sejam capazes de exercitar o ius puniendi em relação aos crimes transnacionais, os controles penais do Estado-nação mostra-se fraco e ineficaz diante da nova criminalidade que se dissipa nas mais diferentes áreas.
No âmbito interno, a redução do poder estatal não produziu grandes efeitos em relação ao direito penal que, diferentemente de outros ramos do direito, em que se navega no mar da desregulamentação, da deslegalização e da desconstitucionalização, tomou caminho inverso, com a criação de novos tipos penais, relativização dos princípios e das garantias constitucionais, ampliação da área de interferência da polícia, em síntese, facilitação excessiva da condenação do acusado.
No mesmo sentido, é o prognóstico feito por Silva Sánchez (2002) acerca do direito penal das sociedades multiculturais.
Questiona-se: mas por que razão, em um Estado tão fragilizado em seu operar, o direito penal tornou-se mais abrangente e severo e o direito processual penal mais lasso e menos garantístico?
Segundo Alberto Silva Franco (2000) a explicação é uma só, conforme in litteris:" Busca-se ao mesmo tempo, a eficácia preventiva do poder punitivo e a preservação do processo de globalização. As normas penais mais extensas e as penas mais exasperantes têm, por um lado, o objetivo de difundir o medo e o conformismo em relação aos descartáveis do processo globalizador, aos excluídos, aos ninguéns e, por outro, o significado simbólico de punir expansivamente a falta de lealdade ao sistema de mercado e, desse modo, buscar sua preservação, antepondo-o os valores, direitos e garantias do indivíduo.
O sensível aumento da taxa de exclusão social, produzido pela globalização, recomenda, portanto, o emprego indiscriminado do Direito Penal [...].
Trata-se, portanto, de um recurso que produz excelentes benefícios políticos a um custo extremamente barato. Cuida-se, em verdade, de um Direito Penal puramente simbólico, ameaçador e sem eficácia, para inglês ver, mas suficientemente para inerciar os excluídos".
Os arautos autênticos dessa demanda criminalizadora são os poderes econômico e financeiro, político, midiático, punitivo estatal, jurídico e social. E, uma nova ordem une-se ambiguamente ao mercado, ao Estado e a comunidade.
Dentro do aspecto do poder oficial, a demanda é por maior segurança e ordem e, no prisma dos sujeitos sociais, a demanda é por segurança de seus bens e corpos. E, a ordem de bens e corpos encontra-se contemplada no caminho único do neoliberalismo onde o Estado soberano, social e politicamente ausente é substituído pelo mercado, sendo o Estado Penal onipresente, mediado por uma comunidade individualista e subjetivamente amedrontada. (Andrade, 2009).
Afinal, o capital e as finanças são os principais protagonistas da sociedade globalizada, sendo social e ecologicamente predatória que produz desemprego, exclusão social e, miséria.
Desta forma, a fim de neutralizar os marginalizados recorre-se logo à culpabilização individual neoliberal, colocando-os em prisões aniquiladoras ou de segurança máxima, e ainda, com extra capacidade lucrativa.
Pois ao lado da mão invisível do mercado no âmbito econômico, há que se usar a mão de ferro do Estado na seara penal para a contenção dos deserdados, excluídos, indesejados e não consumidores.
Conforme Zaffaroni (1997) ilustrou bem as características do poder punitivo particularmente na globalização da América Latina, in litteris:
" O Estado torna-se um espetáculo, diante do escasso exercício de poder efetivo de seus operadores: não importa que se faça, mas sim dar a impressão de que se faz.
Não se atua sabendo que alguém observa, mas se atua para ser observado: trata-se de um quadro de dramaturgia estatal. [...] As leis penais são um dos meios preferidos do Estado-espetáculo e de seus operadores showmen, pois são baratas, de propaganda fácil, e a opinião pública se engana com suficiente frequência sobre sua eficácia.
Trata-se de um recurso que outorga alto crédito político com baixo custo. Por isso, a reprodução, a irracionalidade legislativa e, sobretudo, a condenação de todo aquele que duvide de sua eficácia".
O Estado-espetáculo é uma empresa condenada ao fracasso desde o começo: “Não existe autor capaz de manter seu papel durante todo o dia e todos os dias de sua vida. Sua artificialidade, seu fingimento ou exagero e sua falta de naturalidade são óbvios. O público percebe isso e desacredita no Estado, na política e na justiça: reclama-se pela autenticidade perdida”.
Conclui-se que o Estado-nação já não consegue mais dar respostas aos crimes transnacionais que surgem com a globalização, fazendo com que reine, no âmbito internacional, uma situação de total anarquia.
Além disso, verifica-se que, no processo globalizador, o mercado mundial é voltado para os efetivos consumidores, de modo que o Estado mínimo de bem-estar social deve corresponder ao Estado máximo no âmbito do direito penal, para responder às desordens provocadas pelo liberalismo econômico, pelo desemprego e pelo gritante aumento da pobreza.
Tal cenário é decorrente do enfraquecimento do Estado-nação, no irreversível processo de globalização, que dificulta os investimentos públicos em áreas sociais, uma vez que os centros decisórios sobre aludida matéria se transferiram para as empresas transnacionais ou para agências financeiras internacionais a serviço do poder econômico global.
Se os restos da soberania do Estado-nação não serviram para reinventá-lo com o poder suficiente para intervir na realidade social, pouco ou nada poderá ser feito e a tendência infletirá no sentido do aumento cada vez maior da violência e da criminalidade transformadora dessa situação.
Justifica-se, portanto, o surgimento de um direito penal máximo, também conhecido como direito penal do inimigo, cujas bases surgem nos Estados Unidos, na década de 1970, por meio do movimento denominado Law and Order.
Quando se cogitou na majoração da criminalidade, o principal e primeiro instrumento lembrado é o direito penal, ipso facto, tido como resposta a uma suposta violência globalizada, criando-se novos tipos penais, majoram-se as penas e, restringem-se progressivamente as garantias fundamentais , colocando os infratores delituosos como inimigos do Estado.
O chamado eficientismo penal ou direito penal máximo que será objeto de estudo neste momento. Para tanto, é relevante estabelecer o marco de surgimento desse tipo política criminal .
O movimento Law and Order apareceu pela primeira vez nos EUA, na década de 1970, sendo a resposta ao aumento crescente da criminalidade. De acordo com Franco (2005), essa corrente encontrou suporte e força para se expandir devido a alguns fatos que ocorreram nas décadas de 1970 e 1980:
" [...] a) no incremento da criminalidade violenta direcionada a segmentos sociais mais privilegiados e que até então estavam indenes a ataques mais agressivos (sequestro de pessoas abandonadas ou de alto estrato político ou social, roubos a estabelecimentos bancários etc.); b) no terrorismo político e até mesmo no terrorismo imotivado, de facções vinculadas tanto à esquerda como à extrema direita; c) no crescimento do tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas afins; d) no avanço do crime organizado pondo a mostra a corrupção e a impunidade; e) no incremento da criminalidade de massa (roubos, furtos etc.) que atormentam o cidadão comum; f) na percepção do fenômeno da violência como dado integrante do cotidiano, omnipresente na sociedade; g) no conceito reducionista de violência, fazendo-o coincidir com o de criminalidade; h) na criação pelos meios de comunicação social de um sentimento coletivo e individual de insegurança e no emprego desses mesmos meios para efeito de dramatização da violência para seu uso político."
Não sendo necessária estatística para sustentar que grande parte das sociedades modernas vive sob o símbolo da insegurança. O roubo com traços cada vez mais brutais, “sequestros relâmpagos”, chacinas, homicídios, a violência propagada nacionalmente pelos meios de comunicação, a concentração cada vez maior da riqueza e, consequentemente, o aumento da pobreza resultam numa equação bombástica sobre os ânimos populares:
“Dados estatísticos e informações distorcidas ou mal entendidas sobre a ‘explosão da criminalidade’ criam um estado irrefletido de pânico, fundado em mitos e ‘fantasmas”.
O movimento da lei e da ordem cresceu nesse contexto, e, por essa razão, acredita-se que o crime é o lado patológico da sociedade; a criminalidade, uma doença infecciosa; e o criminoso, um ser daninho. Para essa política criminal, a sociedade divide-se em pessoas sadias, incapazes de praticar atos desviados, e pessoas doentes, prontas para executar atos transgressivos.
O segmento saudável da sociedade não poderia conviver ao lado do segmento contaminado, visto que poderia ser contagiado pelo vírus da criminalidade. Dessa forma, era necessária uma declaração de guerra, uma luta contra a parte doente da sociedade. Portanto, toda a sociedade deveria se mobilizar para acabar com o tripé: crime, criminalidade e criminoso (FRANCO, 2005).
Portanto, a sociedade, tomada por esse objetivo, deveria se unir para restabelecer a lei e a ordem, única forma capaz de fazer justiça aos homens de bem, aos que não delinquem e não possuem comportamentos desviados (FRANCO, 2005).
Na estrutura da Law and Order, criam-se tipos penais novos, exacerbam-se as penas dos tipos já existentes, alarga-se a esfera de atuação da polícia, aumentam-se as medidas cautelares, suprimem-se as garantias processuais, ou seja, reforça-se a repressão em detrimento da liberdade do cidadão e a serviço de posturas políticas autoritárias.
As leis criadas nesse ambiente não precisam ser eficazes para a tutela de bens jurídicos, pois visam apenas dar tranquilidade, ainda que aparente, ao cidadão, apaziguar a opinião pública exaltada, exercer uma função puramente simbólica (FRANCO, 2000).
Fala-se em função puramente simbólica, porque as estatísticas demonstram e a realidade revela que o endurecimento das penas e a eliminação das garantias no processo penal não diminuem a criminalidade, simplesmente porque perduram, apesar desse rigor, níveis de pobreza que definham e enfraquecem o sistema: “Se tratar uma doença significa, primeiramente, diagnosticar as suas causas, para combatê-las, o direito penal máximo, desconsidera essa necessidade, simplesmente despreza os motivos e prescreve sanativos aleatoriamente” (FERNANDES, 2007).
Apesar de exercer uma função nitidamente simbólica, o movimento da Lei e da Ordem trouxe uma tranquilidade à população exaltada e findou se expandindo e conquistando muitos adeptos em diversos países, que têm encontrado como mecanismo de resposta à crescente criminalidade o endurecimento da legislação penal, pois isso satisfaz a opinião pública que acredita que o aumento de punição traz a solução do problema.
Em nosso país, as legislações de emergência, que visam acalmar a população e/ou conter um determinado tipo de criminalidade, por meio da relativização dos direitos e das garantias fundamentais previstos na Constituição, demonstram claramente o caráter repressivo que o direito penal vem adotando.
Um grande exemplo de legislação de emergência é a Lei dos Crimes Hediondos, que surgiu com o objetivo de dar uma resposta à sociedade5, porém sem nenhuma efetividade no âmbito penal, conforme assevera Franco (2000):
A Lei 8.072, na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores consagrados pelo Movimento da Lei e da Ordem, deu suporte à ideia de que leis de extrema severidade e penas privativas de alto calibre são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusório.
Então, o direito penal máximo serve apenas para enfraquecer os direitos e as garantias fundamentais e para acabar com a ideia de direito penal mínimo, dando causa à incrível convivência, em pleno Estado Democrático de Direito , de um direito penal autoritário
Os movimentos em favor de um direito penal máximo – com a extinção de direitos reconhecidos aos criminosos, penas aumentadas e execução rigorosa – demonstram nitidamente a situação de autoritarismo ou de turgidez do Estado como instância repressiva e preventiva dos delitos (Estados totalitários) (FERNANDES, 2007).
É sabido que, sobretudo nos Estados autoritários, com a justificativa de manter a segurança nacional, utilizou-se a violência além dos limites autorizados pelo Estado de Direito.
Hoje, novamente, por meio do absolutismo penal, retoma-se essa ideia com a adoção, pelos Estados, de atitudes repressivas e punitivas, justificando esse abuso de violência pelo mesmo argumento: “segurança nacional”, visando conter o aumento da criminalidade (CALLEGARI; DUTRA, 2007).
A pressão da sociedade, amedrontada com a crescente criminalidade, tem servido como justificativa para o aumento da força do Estado, o qual passa a exercer o controle penal, criando, como dito alhures, novos tipos penais, enrijecendo as penas e suprimindo os direitos e as garantias constitucionais, chegando até a se falar de um “direito penal do inimigo”, visando, pura e simplesmente, conter a criminalidade.
Segundo Jakobs (JAKOBS; MELIÁ, 2007), é considerado inimigo aquele indivíduo que não admite ser obrigado a ingressar no estado de cidadania e, dessa forma, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. Como exemplo de um ato característico de inimigo, o doutrinador cita o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001.
Há dois modos de o Estado tratar os delinquentes, pode vê-los como pessoas que delinquem ou como pessoas que tenham praticado um erro, ou, ainda, como pessoas que devam ser impedidas de exterminar o ordenamento jurídico, mediante coação, pois quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal não pode esperar ser tratado como pessoa, e o Estado também não deve tratá-lo, já que, do contrário, vulneraria o direito à segurança dos demais indivíduos.
Para o doutrinador, determinados tipos de transgressores (como os terroristas, que atentam contra a segurança nacional) não devem ser tratados como pessoas pelo Estado, porquanto esse tratamento não respeitaria o direito à segurança dos demais cidadãos.
Desse modo, em um direito penal do inimigo, o Estado velaria pela proteção da segurança dos cidadãos, e, consequentemente, o legislador ameaçaria os inimigos do Estado, com a imposição de penas mais rigorosas, supressão das garantias fundamentais, entre outros.
Caracteriza-se o direito penal no inimigo em três elementos: [...] em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), no lugar de – como é o habitual – retrospectiva (ponto de referência [sic]: o fato cometido).
Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas.
É certo que o Estado pode privar o indivíduo de sua cidadania, mas isso não implica que esteja autorizado a privá-lo da condição de pessoa, ou seja, de sua qualidade de portador de todos os direitos que possui o ser humano pelo simples fato de sê-lo. O tratamento como coisa perigosa implica essa privação.
Esse direito penal de exceção, pregado por Jakobs (JAKOBS; MELIÁ, 2007), é contrário aos princípios liberais basilares do Estado de Direito. Por mais grave e desumana que seja a conduta de um infrator, a ninguém, nem mesmo ao Estado, é legítimo tratá-lo como um ser privado dos direitos fundamentais, pois, a partir do momento em que se permite essa violação, abre-se perigoso precedente para que outras restrições venham a ser feitas, sempre com a justificativa de proteção dos cidadãos (CALLEGARI; DUTRA, 2007), o que caracteriza um verdadeiro retrocesso de anos de luta para o reconhecimento dos direitos e das garantias fundamentais.
Existe a Proposta a Emenda Constitucional 171/93 que pretende reduzir a maior idade penal de 18 para 16 anos, em casos de crimes hediondos e também para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Esta, não é única proposta tratar do tema, temos ainda a PEC 33/2012 e algumas outras.
Existem diversos argumentos contra a redução da maioridade penal, entre eles:
Desigualdade: A redução da maioridade penal agravaria a marginalização e o racismo, pois os problemas sociais do Brasil afetam principalmente os adolescentes negros e pobres;
Sistema prisional brasileiro é falido e não está preparado para ressocializar adultos, muito menos para receber jovens. As prisões são superlotadas, insalubres e não oferecem condições adequadas para a recuperação dos jovens;
Inconstitucionalidade: A redução da maioridade penal seria inconstitucional;
Violação de direitos: A redução da maioridade penal vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da ONU e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança;
Estratégia política: A redução da maioridade penal seria uma estratégia política que se preocupa apenas com o apelo popular, sem se preocupar com a situação real dos adolescentes e dos infratores;
Não diminui a violência: A redução da maioridade penal não diminui a violência no Brasil, pelo contrário, seria um ato de violência contra a juventude;
Proteção legal: A redução da maioridade penal diminui a garantia de proteção legal dos adolescentes vítimas de crimes sexuais.
Segundo dados da Unicef O grande desafio é frear a morte de brasileiros de até 19 (dezenove) anos de idade. De todos os dados que foram apresentados, só os homicídios não caíram, ao contrário, eles dobraram nesses 25 (vinte e cinco) anos. A cada dia morrem 28 crianças e adolescentes.
O relatório do Unicef diz que o Brasil tem quase 60 milhões de habitantes com menos de 18 (dezoito) anos. É o mesmo que toda a população da Itália.
Continuando os argumentos contra:
A redução da maioridade penal fere uma das cláusulas pétreas (aquelas que não podem ser modificadas por congressistas) da Constituição de 1988. O artigo 228 é claro: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito)anos”;
A inclusão de jovens a partir de 16 (dezesseis) anos no sistema prisional brasileiro não iria contribuir para a sua reinserção na sociedade. Relatórios de entidades nacionais e internacionais vêm criticando a qualidade do sistema prisional brasileiro;
A pressão para a redução da maioridade penal está baseada em casos isolados, e não em dados estatísticos. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, jovens entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos são responsáveis por menos de 0,9% dos crimes praticados no país. Se forem considerados os homicídios e tentativas de homicídio, esse número cai para 0,5%;
Em vez de reduzir a maioridade penal, o governo deveria investir em educação e em políticas públicas para proteger os jovens e diminuir a vulnerabilidade deles ao crime.
No Brasil, segundo dados do IBGE, 486 mil crianças entre cinco e 13 anos eram vítimas do trabalho infantil em todo o Brasil em 2013. No quesito educação, o Brasil ainda tem 13 (treze) milhões de analfabetos com 15 (quinze) anos de idade ou mais;
A redução da maioridade penal iria afetar, preferencialmente, jovens negros, pobres e moradores de áreas periféricas do Brasil, na medida em que este é o perfil de boa parte da população carcerária brasileira. Estudo da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) aponta que 72% da população carcerária brasileira é composta por negros.
Em face do exposto, é forçoso observar que o direito penal máximo se caracteriza por ser um modelo incondicionado e ilimitado, além de ser excessivamente severo, diante da incerteza e imprevisibilidade das condenações e das penas, assim, configura-se como um sistema incontrolável racionalmente em face da ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação e anulação, uma vez que ele não obedece nem mesmo às garantias e aos direitos fundamentais inerentes ao homem e previstos na Constituição da República Federativa do Brasil e nos Tratados de Direitos Internacionais.
Embora a base do direito penal brasileiro seja a intervenção penal mínima, verifica-se uma tendência ao enrijecimento do sistema e à supressão de direitos e garantias fundamentais do cidadão considerado inimigo do Estado.
Esse direito penal máximo surge no âmbito da globalização econômica e visa, além de controlar os deserdados, não-consumidores e marginalizados, conter o clima de insegurança gerado, sobretudo, pelos meios de comunicação, que se encarregam de mostrar ao cidadão, diariamente, todas as barbáries que um indivíduo é capaz de fazer ao outro.
As leis pesadamente punitivas [...] acarretam um aumento enorme da taxa de encarceramento. O número de presos sofre um acréscimo numa proporção que não tem condições de ser adequada à quantidade de vagas.
Isso significa a existência de um caótico sistema prisional em que os condenados são aglomerados como “sardinhas em lata”, em total desrespeito à dignidade da pessoa humana e são devolvidos, após um processo de dessocialização, ao meio livre para que, logo em seguida, voltem ao próprio sistema, em razão da prática de novos delitos.
As taxas de reincidência retratam o movimento repetitivo e cansativo de uma roda gigante: crime – sistema prisional – dessocialização – crime.
É forçoso concluir que o Estado-nação precisa reprimir as reações dos excluídos, cujo número aumenta rapidamente (em decorrência do liberalismo econômico, do desemprego e do gritante aumento da pobreza) e cujas ações podem atrapalhar o equilíbrio do mercado.
Ademais, constatou-se que o direito penal mínimo, que protege o cidadão contra o ius puniendi estatal, não se encaixa no tipo de controle social que reivindica a globalização, ao contrário do direito penal máximo, em que é permitida a violação dos direitos e das garantias fundamentais do indivíduo que seja considerado inimigo do Estado, ou seja, os não consumidores, os deserdados, os excluídos e os marginalizados.
Agregou-se a isso o papel da mídia na formação da opinião pública e do sentimento de insegurança que assola a sociedade, revelando-se, ainda, a sua vinculação ideológica com o modelo neoliberal, que busca reparar o Estado mínimo de bem-estar social com um Estado máximo no âmbito do direito penal.
Outrossim, observou-se que o direto penal máximo exerce uma função puramente simbólica, na medida em que apenas escamoteia a realidade; em outras palavras, joga os transgressores nos presídios, isolando-os da sociedade, para acalmar a população exaltada, sem efetivamente solucionar o problema, pois não busca saber as causas que levaram o indivíduo a violar o sistema.
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