DIP Financing como meio de crédito para empresas em recuperação judicial: Conceito e aplicações

24/01/2025 às 15:54
Leia nesta página:

O que é o DIP Financing e como é regulado no direito brasileiro?

O DIP Financing ("Debtor in Possession Financing") é uma modalidade de crédito destinada a empresas em processo de recuperação judicial. Seu objetivo principal é fornecer recursos financeiros para que essas empresas possam manter suas operações, reestruturar dívidas e retomar a viabilidade econômica1.

O contrato consiste na concessão de crédito a empresas que, mesmo em recuperação judicial, continuam na posse e gestão de seus ativos. Diferentemente de financiamentos tradicionais, essa modalidade oferece garantias e privilégios específicos ao credor, como a classificação de seu crédito como extraconcursal, ou seja, com prioridade de pagamento em caso de falência2. Essa característica visa mitigar os riscos assumidos pelo financiador, tornando o investimento mais atrativo econômica e juridicamente.

O DIP Financing pode ser de duas modalidades: (i) loan-oriented e (ii) loan-to-own, em que seus nomes são completamente sugestivos quanto à operacionalidade de cada espécie3. Na primeira, o empréstimo é tomado dentro de uma série de condições e orientações por parte da instituição financiadora à empresa recuperanda a fim reduzir a exposição a riscos, enquanto, na segunda, o empréstimo é concedido sob a intenção de adquirir, no futuro, o controle da empresa.

No Brasil, a Lei nº 14.112/20, que alterou a Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/05, “LREF”), trouxe regulamentações específicas para o DIP Financing, mais especificamente quanto à alteração do art. 67, parágrafo único, buscando incentivar sua utilização e oferecer maior segurança jurídica aos investidores.

Antes da mencionada alteração, a LREF apenas previa “privilégio geral” de recebimento, em caso de decretação de falência, aos fornecedores que não interrompessem o fornecimento, após o pedido de recuperação judicial. Em 2020, a nova redação passou a prescrever que o plano de recuperação judicial pode dispor de tratamento diferenciado aos créditos de fornecedores que continuarem a prover os bens e serviços de forma regular, garantido, assim, a continuidade da sociedade.

Tal alteração legal reforça a primazia pelo princípio da preservação da empresa, que deu causa e norteia toda a regulamentação específica da Lei 11.101/05. Pela lógica do legislador, os fornecedores que, mesmo sabendo que podem não receber ante a possibilidade de falência, continuarem a fornecer os bens e serviços necessários para a continuidade da atividade empresarial ameaçada e em processo de soerguimento merecem tratamento especial e privilegiado frente aos fornecedores que não o fizerem.

Entretanto, cabe mencionar que o contrato de DIP-Financing não é celebrado por liberalidade, pois a celebração de contratos de financiamento está sujeita, primeiramente, ao escrutínio do comitê de credores e, depois, pelo juízo recuperacional, conforme colocou a alteração de 2020, que adicionou à Lei 11.101/05 o art. 69-A:

Art. 69-A. Durante a recuperação judicial, nos termos dos arts. 66 e 67 desta Lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de Credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.”

Essa previsão visa equilibrar a necessidade de acesso a crédito das empresas em dificuldade com a proteção dos interesses dos credores e a segurança jurídica das operações. Ao condicionar a celebração do contrato à anuência do Comitê de Credores e à autorização judicial, o legislador busca garantir transparência no processo e mitigar o risco de prejuízo aos demais credores, fortalecendo o princípio da preservação da empresa enquanto atividade econômica essencial.


Casos práticos no Brasil

Nos últimos anos, grandes empresas brasileiras recorreram ao DIP Financing durante seus processos de recuperação judicial: Americanas S.A., OI S.A., Latam Airlines, OGX e OAS.

A OGX, empresa que pertenceu ao então bilionário brasileiro Eike Batista, em 2014 conseguiu convencer seus credores quanto a captação de US$ 215 milhões em forma de financiamento DIP por meio da emissão de debêntures conversíveis4. Em 2017, o juízo recuperacional proferiu sentença e encerrou o processo de recuperação judicial, que reestruturou uma dívida de R$ 13,8 bilhões5.

A LATAM, por sua vez, comunicou, em 29/09/2021, que obteve financiamento de US$ 750 milhões para a Tranche B do financiamento DIP6 e, em 03/11/2022, saiu da recuperação judicial nos Estados Unidos.


Arbitragem no DIP Financing

Recentemente, o STJ proferiu entendimento controverso quanto a aplicação de contratos DIP Financing, decidindo pela inaplicabilidade da cláusula arbitral nessa modalidade contratual. No caso em discussão, a empresa recuperanda celebrou os contratos de financiamento com compromisso arbitral, elegendo a Câmara de Arbitragem de São Paulo e a 2ª Vara Empresarial e dos Conflitos de Arbitragem de São Paulo para solução de questões urgentes. Nesse cenário, o juízo recuperacional (1ª Vara Cível de Carpina) reconheceu as cláusulas como nulas e rescindiu o contrato, enquanto a 2ª Vara Empresarial de São Paulo declarou-se absolutamente competente para dirimir quaisquer conflitos7.

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Diante desse contexto, em sede do Conflito de Competência n° 203.8888, a Corte entendeu que “se a própria contratação do DIP finance dependeu da autorização do juízo recuperacional, insere-se na sua competência resolver o contrato firmado pelo devedor, regulando, ademais, as providências cabíveis decorrentes diretamente dessa decisão.”. Uma das preocupações, no caso concreto, é que a instituição de qualquer arbitragem decorrente do contrato em discussão poderia privar os credores da discussão9, além da própria vis attractiva do juízo recuperacional..


Considerações finais

O DIP Financing representa uma importante ferramenta para a recuperação de empresas em dificuldades financeiras, oferecendo acesso a crédito em momentos críticos e contribuindo para a preservação da atividade econômica. A regulamentação trazida pela Lei nº 14.112/20 busca equilibrar os interesses dos devedores, credores e investidores, promovendo um ambiente mais seguro e propício para a concessão desse tipo de financiamento no Brasil. Nesse sentido, inserindo-se no contexto de recuperação judicial, é imperativo lembrar que os princípios do processo não são afastáveis, como a soberania dos credores e a força de atração do tribunal de insolvência.


  1. MIGALHAS. DIP financing no Brasil: alternativa para recuperação das empresas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/393840/dip-financing-no-brasil-alternativa-para-recuperacao-das-empresas. Acesso em: 17 jan. 2025.

  2. CONJUR. Financiamento DIP: possibilidade real para reestruturação de empresas em recuperação judicial. 29 nov. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-29/financiamento-dip-possibilidade-real-para-reestruturacao-de-empresas-em-recuperacao-judicial/. Acesso em: 17 jan. 2025.

  3. JOTA. DIP financing como solução na recuperação judicial. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/dip-financing-como-solucao-na-recuperacao-judicial. Acesso em: 17 jan. 2025.

  4. G1. OGX fecha acordo de financiamento com credores para recuperar empresa. Economia e Negócios, 04 fev. 2014. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/02/ogx-fecha-acordo-de-financiamento-com-credores-para-recuperar-empresa.html. Acesso em: 17 jan. 2025.

  5. EXAME. OGX, de Eike, encerra recuperação judicial. Negócios. Disponível em: https://exame.com/negocios/ogx-de-eike-encerra-recuperacao-judicial/. Acesso em: 17 jan. 2025.

  6. LATAM AIRLINES GROUP. LATAM obtém até US$ 750 milhões para tranche B do DIP, melhorando estrutura de capital. Santiago, 29 set. 2020. Disponível em: https://www.latamairlinesgroup.net/pt-pt/news-releases/news-release-details/latam-obtem-ate-us-750-milhoes-para-tranche-b-do-dip-melhorando#:~:text=Santiago%2C%2029%20de%20setembro%20de,melhorar%20o%20seu%20custo%20de. Acesso em: 17 jan. 2025.

  7. CONJUR. Cláusula arbitral é inaplicável em contrato de DIP financing, decide STJ. 13 jan. 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jan-13/clausula-arbitral-e-inaplicavel-em-contrato-de-dip-financing-decide-stj/. Acesso em: 17 jan. 2025.

  8. Conflito de Competência n° 203.888-SP (2024/010163-6), Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 19/12/2024.

  9. LEGALE. Cláusula arbitral em financiamentos: desafios e considerações jurídicas. Disponível em: https://legale.com.br/blog/clausula-arbitral-em-financiamentos-desafios-e-consideracoes-juridicas/#:~:text=Nos%20contextos%20de%20insolv%C3%AAncia%2C%20como,decis%C3%B5es%20que%20afetam%20diversos%20credores. Acesso em: 17 jan. 2025.

Sobre o autor
Thales Vieira Dias

Estagiário da área de Societário e Fusões e Aquisições do TN Advogados. Graduando em direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP – USP).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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