Sou um ávido leitor da coluna “Senso Incomum”, de Lenio Streck.
Em um mundo jurídico cada vez mais pobre, de simplificações rasteiras de conteúdo, o autor nos brinda com as suas reflexões sempre acuradas e provocantes.
Não tenho a audácia de discordar de quem, para mim, beira ao genial – e, advirto, não é disso que o presente artigo se trata. Antes, cuida-se de, partindo do escrito em referência, continuar a instigar os leitores sobre o tema. Não há contraste entre o que o autor lecionou e o que abordarei a seguir, mas, a rigor, uma espécie de complementação, servindo o texto em destaque de gancho para a presente – e breve – ponderação.
Escreveu Lenio Streck que a simplificação da linguagem do Direito muitas vezes escancara o empobrecimento de raciocínio dos operadores jurídicos, depauperamento este cada vez mais frequente no cotidiano forense.
Correto.
Todavia, acrescento que a simplificação da linguagem do Direito não é, necessariamente, prenúncio de uma carência cognitiva.
Ao contrário.
Compreender o Direito em toda a sua complexidade e ter a aptidão para transmitir o conhecimento com linguagem acessível é tarefas das mais difíceis e que requer pleno domínio de conteúdo.
Tarefa difícil e necessária.
Do didatismo e da simplificação da linguagem do Direito depende a sua indispensável democratização.
É preciso criar mecanismos para fazer do Direito algo que possa ser entendido pelo leigo.
Só assim o Direito virá a ser, adequadamente, instrumento de mudanças sociais.
Afinal, via de regra, não é o advogado, versado em latim (contém ironia), o destinatário dos despachos e sentenças judiciais, mas o cidadão “comum” – sem, aqui, pretender o elitismo da expressão.
O que quero dizer pode ser compreendido a partir de uma analogia com uma passagem do Padre Vieira que, ao final de uma longa carta aos seus correligionários, pediu desculpas: “não tive tempo para ser breve”.
Ser breve – e não prolixo – requer domínio de conteúdo e exige maturação.
Utilizar uma linguagem simples para o Direito – e não a rebuscada – também.
Ou seja, é preciso uma ampla gama de conhecimentos e dedicação para transmitir, de forma simples, algo tão complexo quanto o Direito, de modo a se fazer compreender perante os que não dominam a linguagem jurídica.
E essa complicada – e rara – habilidade, adquirida por alguns com muito estudo, é necessária para que o Direito não esteja distante daqueles a quem se destina.
Simplificar a linguagem do Direito não significa, assim, inexoravelmente, torná-lo pobre e acrítico, preocupação razoável de Lenio Streck e que deve ser levada em conta.
Todavia, insisto que o resultado, quando voluntária a atividade, é o exato oposto: simplificar a linguagem do Direito se torna parte de um indispensável esforço para fazer dele algo concreto e efetivo.
Nota final: acredito, porém, que a simplificação da linguagem do Direito tem contextos e espaços adequados, mas esse é um assunto que demandaria um outro artigo e, sinceramente, ainda não refleti suficientemente a respeito. Contudo, apenas para exemplificar, vejo com bons olhos a iniciativa de alguns integrantes do Poder Judiciário que, aos seus despachos e sentenças redigidos em linguagem formal, adicionam uma explicação didática e em linguajar trivial acerca do conteúdo daquele ato jurisdicional, com o intuito de que ele seja absorvido pelo jurisdicionado. Reúne-se, assim, a meu ver, o melhor dos dois mundos.